Conferência Geral
A Doutrina da Pertença
Conferência geral de outubro de 2022


14:41

A Doutrina da Pertença

A doutrina da pertença resume-se a isto, cada um de nós poder afirmar: Eu sou um com Cristo no convénio do evangelho.

Gostaria de falar sobre aquilo a que chamo de “a doutrina da pertença” n’A Igreja de Jesus Cristo dos Santos dos Últimos Dias. Esta doutrina tem três partes: (1) o papel da pertença na coligação do povo do convénio do Senhor, (2) a importância do serviço e do sacrifício na pertença e (3) a centralidade de Jesus Cristo na pertença.

A Igreja de Jesus Cristo dos Santos dos Últimos Dias, nos seus primórdios, era composta essencialmente por Santos brancos norte-americanos e do norte da Europa, e uma meia dúzia de nativos americanos, afro-americanos e das ilhas do Pacífico. Agora, a oito anos do ducentésimo aniversário da sua fundação, a Igreja cresceu imenso em número e em diversidade na América do Norte e, mais ainda, no resto do mundo.

À medida que a, há muito profetizada, coligação do povo do convénio do Senhor ganhar o seu ímpeto, a Igreja será, verdadeiramente, composta por membros de todas as nações, tribos, línguas e povos.1 Esta não é uma diversidade calculada nem forçada, mas sim, um fenómeno natural expectável, tendo em conta que a rede do evangelho reúne todas as nações e todos os povos.

Quão abençoados somos por poder ver o dia em que Sião está a ser estabelecida, simultaneamente, em todos os continentes e na nossa própria vizinhança. Tal como disse o Profeta Joseph Smith, o povo de Deus, em todas as épocas, aguardava alegremente por este dia com grande expectativa, e nós “somos o povo favorecido que Deus escolheu para trazer a glória dos Últimos Dias”.2

Tendo recebido este privilégio, não podemos permitir que nenhum racismo, preconceito tribal ou outras divisões existam na Igreja de Cristo dos últimos dias. O Senhor ordenou-nos: “Sede um; e se não sois um, não sois meus”.3 Devemos ser diligentes em erradicar o preconceito e a discriminação da Igreja, do nosso lar e, acima de tudo, do nosso coração. À medida que a população da nossa Igreja se torna cada vez mais diversificada, a nossa forma de acolher deve ser cada vez mais espontânea e calorosa. Precisamos uns dos outros.4

Na sua Primeira Epístola aos Coríntios, Paulo declara que todos os que são batizados na Igreja são um no corpo de Cristo:

“Porque, assim como o corpo é um, e tem muitos membros, e todos os membros, sendo muitos, são um só corpo, assim é Cristo também.

Porque todos nós fomos também batizados [num] só Espírito para um só corpo, quer judeus, quer gregos, quer servos, quer livres, e a todos nos foi dado beber de um só Espírito. (…)

Para que não haja divisão no corpo, mas que os membros tenham igual cuidado uns com os outros.

De maneira que, se um membro padece, todos os membros padecem com ele; e se um membro é honrado, todos os membros se regozijam com ele”.5

Um sentimento de pertença é importante para o nosso bem-estar físico, mental e espiritual. No entanto, é muito possível que, por vezes, sintamos que não nos enquadramos. Nos momentos de desânimo, podemos sentir que nunca estaremos à altura dos elevados padrões do Senhor nem das expectativas dos demais.6 Podemos, involuntariamente, impor expectativas nos outros — ou até em nós mesmos — que não são as expectativas do Senhor. Podemos comunicar, subtilmente, que o valor de uma alma se baseia em determinadas conquistas ou chamados, mas esta não é a medida da nossa posição aos olhos do Senhor. “O Senhor olha para o coração.”7 Ele preocupa-se com os nossos desejos e anseios e com aquilo em que nos estamos a tornar.8

A irmã Jodi King escreveu sobre a sua própria experiência dos últimos anos:

“Nunca me senti deslocada na Igreja até que o meu marido, Cameron, e eu começámos a ter de lidar com a infertilidade. As crianças e famílias que, geralmente, me davam alegria de ver na Igreja passaram a causar-me sofrimento e dor.

Senti-me estéril sem um filho nos braços ou uma mala de fraldas na mão. (…)

O domingo mais difícil foi o primeiro na nossa nova ala. Como não tínhamos filhos, foi-nos perguntado se éramos recém-casados e quando planeávamos [aumentar a nossa] família. Eu tinha sempre respostas na ponta da língua para estes questionários, sem deixar que me afetassem. Eu sabia que não era por mal.

Contudo, naquele domingo, em particular, foi ainda mais penoso responder àquelas perguntas. Tínhamos acabado de descobrir, depois de termos ficado esperançosos, que eu, mais uma vez, não estava grávida.

Entrei na reunião sacramental a sentir-me muito desanimada, e foi difícil responder àquelas perguntas sobre a nossa vida pessoal. (…)

Mas, foi na Escola Dominical que me senti arrasada. A aula — que era para ser sobre o papel divino das mães — rapidamente mudou de rumo e tornou-se numa sessão de desabafos. Senti o coração pesado e as lágrimas escorriam-me, silenciosamente, pelo rosto, enquanto escutava as mulheres a reclamarem de uma bênção que eu daria tudo para ter.

Saí às pressas da Igreja. A princípio, já não queria voltar. Não queria voltar a ter aquele sentimento de isolamento. Mas, naquela noite, após conversar com o meu marido, soubemos que tínhamos de continuar a frequentar a Igreja, não só porque o Senhor nos tinha pedido, mas também porque ambos sabíamos que a alegria proveniente da renovação dos convénios e o Espírito que sentimos na Igreja, superam toda a tristeza que senti naquele dia. (…)

Na Igreja, há viúvas e viúvos, pessoas divorciadas e solteiras, pessoas cujos familiares se afastaram do evangelho, pessoas com doenças crónicas ou dificuldades financeiras, membros que sentem atração por pessoas do mesmo sexo, membros que se debatem para vencer vícios ou dúvidas, recém-conversos, pessoas que se mudaram recentemente, pessoas cujos filhos já cresceram e saíram de casa, e a lista é interminável. (…)

O Salvador convida-nos a vir a Ele, independentemente das nossas circunstâncias. Vamos à igreja para renovar os nossos convénios, para aumentar a nossa fé, para encontrar paz e para fazer o que Ele fez, de um modo perfeito, ao longo da Sua vida: ministrar às pessoas que se sentem excluídas”.9

Paulo explicou que a Igreja e os seus líderes são dados por Deus “para o aperfeiçoamento dos santos, para a obra do ministério, para a edificação do corpo de Cristo:

“Até que todos cheguemos à unidade da fé, e ao conhecimento do Filho de Deus, a homem perfeito, à medida da estatura completa de Cristo”.10

É uma triste ironia, então, quando alguém, ao sentir que não cumpre com os requisitos ideais em todos os aspetos da vida, conclui que não pertence à própria organização, projetada por Deus, para nos ajudar a progredir rumo ao ideal.

Deixemos o julgamento nas mãos do Senhor e daqueles que Ele comissionou e contentemo-nos em amar e em tratar os outros da melhor maneira possível. Vamos, pois, pedir-Lhe que nos mostre o caminho, dia a dia, para podermos “[trazer] (…) os pobres, e aleijados, e coxos e cegos”11 — isto é, todos — ao grande banquete do Senhor.

Uma segunda faceta da doutrina da pertença está relacionada com as nossas próprias contribuições. Embora raramente pensemos nisso, muita da nossa pertença advém do nosso serviço e dos sacrifícios que fazemos pelos outros e pelo Senhor. Um foco excessivo nas nossas necessidades pessoais ou no nosso próprio conforto pode frustrar este sentimento de pertença.

Esforçamo-nos por seguir a doutrina do Salvador:

“Qualquer que entre vós quiser ser grande, será [o] vosso servo, (…)

Porque o Filho do Homem também não veio para ser servido, mas para servir e dar a sua vida em resgate por muitos”.12

A pertença não vem pelo facto de esperarmos que esta aconteça, mas sim pelo nosso esforço em ajudarmos os outros.

Infelizmente, hoje em dia, consagrarmo-nos por uma causa ou sacrificarmos algo em prol de outra pessoa está a tornar-se contracultura. Numa peça para a Deseret Magazine do ano passado, o autor Rod Dreher recordou uma conversa com uma jovem mãe em Budapeste:

“Estava num elétrico de Budapeste com uma (…) amiga de 30 e poucos anos — vamos chamá-la de Cristina — íamos entrevistar uma mulher [cristã] mais velha que, com o seu falecido marido, tinha resistido à perseguição do estado comunista. Pelos solavancos das ruas da cidade, a Cristina falava sobre a sua dificuldade em ser honesta com os amigos da sua idade, relativamente às lutas que travava como esposa e mãe de crianças pequenas.

As dificuldades da Cristina eram perfeitamente comuns para uma jovem a aprender a ser mãe e esposa, no entanto, a atitude predominante entre os da sua geração é a de que as dificuldades da vida são uma ameaça ao bem-estar e devem ser recusadas. Será que ela e o marido às vezes discutem? Então, ela devia deixá-lo, é o que dizem. Os filhos dela estão a incomodá-la? Então, ela devia mandá-los para a creche.

A Cristina tinha receio que os seus amigos não compreendessem que as provações, e até mesmo o sofrimento, são uma parte normal da vida — e talvez até uma parte boa da vida, se esse sofrimento nos ensinar a ser pacientes, bondosos e amorosos. (…)

O sociólogo de religião da Universidade de Notre Dame, Christian Smith, descobriu no seu estudo com adultos [entre os] 18 e os 23 anos, que a maioria deles acredita que a sociedade nada mais é do que ‘uma coleção de indivíduos autónomos que desejam aproveitar a vida’.13

Segundo esta filosofia, tudo o que acharmos difícil “é uma forma de opressão”.14

Em contraste, os nossos antepassados​pioneiros derivaram de um profundo sentimento de pertença, união e esperança em Cristo, pelos sacrifícios que fizeram para servir em missões, construir templos, deixar lares confortáveis​sob coação e recomeçar, e de muitas outras maneiras consagrar-se, a si mesmos e aos seus pertences, à causa de Sião. Eles estavam dispostos a sacrificar até mesmo a sua vida, se necessário. E nós somos todos beneficiários da sua perseverança. O mesmo se aplica a muitos, hoje em dia, que podem perder familiares e amigos, perder oportunidades de emprego ou sofrer discriminação ou intolerância em consequência de serem batizados. A sua recompensa, no entanto, é um poderoso sentimento de pertença entre o povo do convénio. Qualquer sacrifício que fizermos pela causa do Senhor ajuda a confirmar o nosso lugar junto Daquele que deu a Sua vida em resgate de muitos.

O elemento final e mais importante da doutrina da pertença é o papel central de Jesus Cristo. Não nos filiamos à Igreja apenas pelo companheirismo, por mais importante que este seja. Filiamo-nos pela redenção através do amor e da graça de Jesus Cristo. Filiamo-nos para garantir as ordenanças de salvação e exaltação para nós mesmos e para aqueles que amamos, de ambos os lados do véu. Filiamo-nos para participar num grande projeto para estabelecer Sião em preparação para o regresso do Senhor.

A Igreja é a guardiã dos convénios de salvação e exaltação que Deus nos oferece através das ordenanças do santo sacerdócio.15 É ao guardar estes convénios, que obtemos o mais elevado e profundo sentimento de pertença. O Presidente Russell M. Nelson escreveu recentemente:

“Uma vez que tivermos feito um convénio com Deus, [o] nosso relacionamento com Ele [torna-se] muito mais próximo do que antes do convénio. Agora estamos unidos. Por causa [do] nosso convénio com Deus, Ele nunca [irá cansar-se] de procurar [ajudar-nos], e nunca [iremos esgotar a] Sua paciência misericordiosa para connosco. Cada um de nós tem um lugar especial no coração de Deus. (…)

Jesus Cristo é o fiador desses convénios (ver Hebreus 7:22; 8:6)”.16

Se nos lembramos disto, a grande esperança que o Senhor tem em nós irá inspirar-nos e não desencorajar-nos.

Podemos sentir alegria ao buscarmos, individual e coletivamente, a “medida da estatura completa de Cristo”.17 Apesar dos desapontamentos e contratempos ao longo do caminho, é uma grande demanda. Elevamo-nos e incentivamo-nos uns aos outros na busca do caminho ascendente, sabendo que independentemente da tribulação e dos atrasos nas bênçãos prometidas, podemos “[ter] bom ânimo, [pois, Cristo venceu] o mundo”,18 e nós estamos com Ele. Ser um com o Pai, o Filho e o Espírito Santo é, sem dúvida, a derradeira forma de pertença.19

Deste modo, a doutrina da pertença ressume-se a isto, cada um de nós poder afirmar: Jesus Cristo morreu por mim; Ele considerou-me digno do Seu sangue. Ele ama-me e pode fazer toda a diferença na minha vida. À medida que eu me arrepender, a Sua graça irá transformar-me. Eu sou um com Ele no convénio do evangelho; Eu pertenço à Sua Igreja e ao Seu reino; e Eu pertenço à Sua causa — trazer a redenção a todos os filhos de Deus.

Testifico que isto é verdade, em nome de Jesus Cristo, amém.

Notas

  1. Ver Apocalipse 5:9; ver também 1 Néfi 19:17; Mosias 15:28; Doutrina e Convénios 10:51; 77:8, 11.

  2. Ensinamentos dos Presidentes da Igreja: Joseph Smith (2007).

  3. Doutrina e Convénios 38:27.

  4. Um observador perspicaz constatou:

    “A religião que é meramente um assunto privado tem sido, até ao nosso tempo, desconhecida nos anais da humanidade — e por boas razões. Tal religião, rapidamente, se reduz a um prazer ‘entre paredes’, a uma espécie de passatempo de um ou mais indivíduos, assim como ler um livro ou ver televisão. Portanto, não é surpreendente que a busca pela espiritualidade se tenha tornado tão na moda. É o que os indivíduos, livres de religião, buscam, desesperadamente, como substituta.

    A espiritualidade é, de facto, uma parte integrante de todas as religiões — mas, uma parte menor, e não pode ser um substituto para o todo. A religião não é uma espécie de exercício psíquico que, ocasionalmente, proporciona uma experiência transcendental. Ou molda a vida de uma pessoa — todos os aspetos da vida — ou desaparece, deixando para trás almas ansiosas e vazias que nenhuma psicoterapia consegue alcançar. E para que a religião molde a vida de alguém, é necessário que seja pública e comunitária; é necessário que esteja ligada aos mortos e aos que ainda não nasceram” (Irving Kristol, “The Welfare State’s Spiritual Crisis”, Wall Street Journal, 3 de fevereiro de 1997, A14).

  5. 1 Coríntios 12:12–13, 25–26.

  6. Ver Russell M. Nelson, “Perfeição Incompleta”, Liahona, nov. de 1995, p. 86–88; Jeffrey R. Holland, “Sede Vós pois Perfeitos — No Final”, Liahona, nov. de 2017, p. 40–42.

  7. 1 Samuel 16:7.

  8. Conforme expresso pelo Elder Jeffrey R. Holland: “‘Venha como [é]”, um Pai amoroso diz a cada um de nós, mas Ele acrescenta: ‘Não [planeie] ficar como [está]’. Podemos sorrir e [lembrar-nos] de que Deus está determinado a fazer de nós mais do que pensamos ser capazes” (“Músicas Cantadas e Não Cantadas”, Liahona, maio de 2017, p. 51).

  9. Jodi King, “[Sentirmo-nos] Incluídos na Igreja pelo Prisma da Infertilidade”, Liahona, mar. 2020, p. 46, 48–49.

  10. Efésios 4:12-13.

  11. Lucas 14:21.

  12. Marcos 10:43, 45; ênfase acrescentada.

  13. Rod Dreher, “A Christian Survival Guide for a Secular Age”, Deseret Magazine, abr. de 2021, p. 68.

  14. Dreher, “A Christian Survival Guide for a Secular Age”, p. 68.

  15. Ver Doutrina e Convénios 84:19-22.

  16. Russell M. Nelson, “O Convénio Eterno”, Liahona, out. de 2022, p. 6, 10.

  17. Efésios 4:13.

  18. João 16:33.

  19. Ver João 17:20-23. “E agora vos exorto a que busqueis esse Jesus sobre quem os profetas e apóstolos escreveram, a fim de que a graça de Deus, o Pai, e também do Senhor Jesus Cristo e do Espírito Santo, que dá testemunho deles, esteja e permaneça em vós eternamente” (Éter 12:41).