Mudar Tudo
Fazia quatro anos que eu não passava a Páscoa em casa com os familiares. Assim, eu vinha esperando com ansiedade a chegada do recesso escolar para participar das festividades de Páscoa com todos eles. Estávamos na cozinha preparando o jantar de sexta-feira à noite quando perguntei a minha mãe acerca da reunião de família que ela estava organizando.
“Todos querem voltar para o lago”, disse ela ao cortar os legumes. “Mas durante a viagem de seis horas de carro no ano passado (…).” Olhei para ela, que largara a faca e ficara com a voz embargada. Seus olhos encheram-se de lágrimas e sua fisionomia mudou. “Achei que iria morrer. Achei mesmo que iria morrer.”
Eu nem sabia o que dizer à minha mãe, sempre tão dócil e paciente, ao ouvi-la falar da possibilidade de morrer. Eu queria abraçá-la até ela parar de tremer. Queria dizer-lhe que tudo estava bem — os médicos iriam descobrir qual era aquela doença, passar-lhe remédios e restabelecer-lhe totalmente a saúde. Mas eu não conseguia fazê-lo.
Eu recusara-me a pensar na morte durante o ano em que ela estivera doente, mesmo ao jejuar, orar e esperar. Contudo, eu via que ela estava perdendo as forças e sofrendo. Mas ela não se queixava de seus padecimentos. Ela só trabalhava ainda mais, pois não conseguia dormir nem mesmo se sentar. A dor era perto do coração e fazia-a tremer sempre que tentava relaxar. Mas logo seu sofrimento tornou-se visível devido às profundas olheiras e a expressão fatigada de seus olhos.
Logo as dores vieram acompanhadas de desânimo. Depois de um ano inteiro de consultas com médicos e de exames, ela ficou arrasada ao perceber que ninguém conseguia descobrir a causa das intensas dores que ela sentia perto do coração. Os resultados dos exames foram todos normais. Segundo os médicos, não havia nada de errado.
Mas nós sabíamos que a situação não era normal. Minha mãe não costumava andar de um lado para outro da casa durante a noite nem parar para chorar ao passar o aspirador. E ela, que havia padecido vários tipos de dor na vida sem nunca reclamar, não costumava falar sobre a morte.
Nos dois dias que antecederam a Páscoa, continuei tentando pensar em algo que eu pudesse fazer para ajudá-la. Mas a enfermidade dela acabara deixando a todos nós com a sensação de impotência. Até meu pai, que era médico, não tinha como mudar a situação, apesar de todos os seus anos de estudo, experiência e conhecimento. Eu não conseguia aliviar os fardos dela — ela até queria cuidar de todos os afazeres domésticos sozinha, pois ao parar para descansar suas dores só se intensificavam. Assim, ela estava sempre trabalhando, a ponto de esgotar-se fisicamente. E como não havia muito que pudéssemos fazer para aliviar seus sofrimentos, ela parecia sofrer sozinha.
Fomos à Igreja no domingo de Páscoa. Ao olhar para minha mãe, que estava sentada a meu lado, meus pensamentos voltaram-se para sua voz aguda e estridente e a frase assustadora que me corroía por dentro desde a noite de sexta-feira: “Achei que iria morrer”.
Subitamente, minha mãe levantou-se do banco e dirigiu-se ao púlpito.
“Neste domingo de Páscoa”, começou ela, “gostaria de prestar testemunho da Expiação de Jesus Cristo. O rei Benjamim disse que Cristo ‘[sofreria] tentações e dores corporais, fome, sede e cansaço maiores do que o homem [poderia] suportar ’. (Mosias 3:7; grifo do autor) Muitos de vocês devem saber que estou doente há algum tempo. As noites têm sido muito longas” — seu tom de voz diminuiu daí para frente — “mas não estou só. Nos momentos mais difíceis, o Salvador tem sido meu amigo, meu apoio. Testifico que Jesus Cristo conhece nosso sofrimento porque Ele passou por isso, e muito mais. Ele nos erguerá de nossos pesares assim como nos ergueu da morte eterna.”
Enquanto minha mãe prestava testemunho, uma nova percepção do sofrimento substituiu minha preocupação anterior com minha mãe e comigo mesma. Era como se eu visse o Salvador no Jardim do Getsêmani, torturado por uma angústia tal que O fazia suar por todos os poros ao sofrer por todos, incluindo a agonia física de minha mãe e minhas próprias dores emocionais.
Dei-me conta de que eu não precisava dizer à minha mãe que tudo terminaria bem. Não poderíamos mudar tudo, mas ela sentia consolo por saber que o Salvador já o fizera.
Catherine Matthews Pavia é membro da Ala Oxford, Estaca Springfield Massachusetts.