O Manifesto e o Fim do Casamento Plural
Durante boa parte do Século XIX, um número significativo de membros de A Igreja de Jesus Cristo dos Santos dos Últimos Dias praticou o casamento plural — o casamento entre um homem e mais de uma mulher. O início e o fim da prática foram direcionados por revelação, por intermédio dos profetas de Deus. O início do mandamento de praticar o casamento plural veio por intermédio de Joseph Smith, o primeiro profeta e Presidente da Igreja. Em 1890, o Presidente Wilford Woodruff, emitiu um Manifesto que interrompeu a prática do casamento plural na Igreja.
O fim do casamento plural exigiu grande fé e a necessidade de tomar decisões complicadas e dolorosas — intensamente pessoais — por parte dos membros e líderes da Igreja. Tal qual o início do casamento plural na Igreja, o fim da prática foi um processo e não um evento único. A revelação veio “linha sobre linha, preceito sobre preceito”.1
Leis Antipoligamia e Desobediência Civil
Por meio século, começando no início da década de 1840, os membros da Igreja consideravam o casamento plural como um mandamento de Deus, uma necessidade que ajudou a “suscitar” uma posteridade justa para o Senhor2 Embora não se esperasse fosse esperado que todos os membros da Igreja participassem do casamento plural, aqueles que o fizeram acreditavam que seriam abençoados por sua participação. Entre os anos de 1850 e 1880, muitos santos dos últimos dias viviam em famílias plurais como marido, esposas ou filhos.3
Em muitas partes do mundo, a poligamia era socialmente aceita e permitida legalmente. Mas nos Estados Unidos, a maioria das pessoas acreditava que a prática era moralmente errada. Essas objeções levaram à aprovação de leis que acabavam com a poligamia. Começando em 1862, o governo dos Estados Unidos aprovou uma série de leis destinadas a forçar os santos dos últimos dias a abandonar o casamento plural.4
Apesar dessas medidas, os santos dos últimos dias sustentavam que o casamento plural era um princípio religioso protegido pela Constituição dos Estados Unidos. A Igreja levou a cabo uma vigorosa defesa legal até a Suprema Corte dos Estados Unidos. Em Reynolds versus os Estados Unidos (1879), a Suprema Corte decidiu contra os santos dos últimos dias: crenças religiosas eram protegidas por lei, práticas religiosas, não. De acordo com a opinião da corte, o casamento era um contrato civil regulamentado pelo Estado. A monogamia era a única forma de casamento sancionada pelo Estado. “A poligamia”, explicou a corte: “sempre foi detestável entre as nações ocidentais e do norte da Europa”.5
Os santos dos últimos dias desejavam sinceramente ser cidadãos leais aos Estados Unidos, a qual eles consideravam ser uma nação divinamente fundada. Mas eles também aceitavam o casamento plural como um mandamento de Deus e acreditavam que a corte os estava privando injustamente do direito que tinham de seguir os mandamentos de Deus.
Confrontados com essas fidelidades contraditórias, os líderes da Igreja encorajaram os membros a obedecer a Deus em vez de obedecer ao homem. Muitos santos dos últimos dias iniciaram uma conduta de desobediência civil durante a década de 1880 ao continuar a viver em casamentos plurais e a participar de novos casamentos plurais.6 O governo federal reagiu aprovando leis com punições ainda mais severas.
Entre os anos de 1850 e 1896, Utah era um território do governo dos Estados Unidos, o que significava que funcionários federais em Washington D.C., exerciam grande controle sobre assuntos locais. Em 1882, o Congresso dos Estados Unidos aprovou o Ato Edmunds, que tornava a coabitação ilegal (interpretada como um homem morando com mais de uma esposa) punida com seis meses de prisão e uma multa de 300 dólares. Em 1887 o Congresso aprovou a Lei Edmunds-Tucker para punir a Igreja e não somente os membros. A lei dissolveu a corporação da Igreja e definiu que todas as propriedades da Igreja avaliadas em mais de 50.000 dólares fossem confiscadas pelo governo.
Essa oposição do governo fortaleceu a decisão dos santos de resistir ao que eles julgavam ser leis injustas. Homens polígamos começaram a se esconder, algumas vezes durante anos, mudando de casa em casa e ficando com amigos e familiares. Muitos mudaram seus nomes e mudaram-se para locais isolados do sul de Utah, Arizona, Canadá e México.7 Muitos escaparam das acusações; muitos outros, quando presos, declararam-se culpados e se submeteram às multas e ao cárcere.
Essa campanha antipoligamia criou uma grande ruptura nas comunidades mórmons. A partida dos maridos deixou esposas e filhos cuidando de fazendas e negócios, fazendo com que a renda diminuísse e a recessão econômica começasse. Essa campanha também enfraqueceu as famílias. As novas esposas plurais tinham que viver longe de seus maridos, com seus casamentos confidenciais conhecidos apenas por poucos. Mulheres grávidas com frequência decidiam se esconder, algumas vezes em lugares isolados, em vez de arriscar serem intimadas para testificar na corte contra seus maridos. Os filhos viviam com medo de que suas famílias fossem destruídas ou que fossem forçados a testemunhar contra seus pais. Alguns filhos se escondiam e viviam com nomes falsos.8
Apesar das inúmeras dificuldades, muitos santos dos últimos dias estavam convencidos de que a campanha antipoligamia era útil para o cumprimento dos propósitos de Deus. Eles testificaram que Deus estava humilhando e purificando Seu povo do convênio, como Ele havia feito em eras passadas. Myron Tanner, um bispo de Provo, Utah, sentiu que “a mão da opressão deitada sobre os pais, está fazendo mais para convencer nossos filhos da veracidade do mormonismo do que qualquer outra coisa poderia fazer”.9 Entregar-se para ser preso acabou por fortalecer muitas pessoas. George Q. Cannon, conselheiro na Primeira Presidência, saiu revigorado da penitenciária após cinco meses. “Minha cela parecia um lugar celestial, e sinto que anjos estiveram lá”, ele escreveu.10
A Igreja terminou e dedicou dois templos durante a campanha antipoligamia, uma realização impressionante.11 Mas ao intensificar-se a pressão federal, muitos aspectos essenciais da administração da Igreja foram limitados severamente, e não parecia ser possível continuar com a desobediência civil por muito tempo. Entre 1885 e 1889, a maioria dos apóstolos e presidentes de estaca estava escondida ou na prisão. Após agentes federais começarem a confiscar propriedades da Igreja, como parte da legislação Edmunds-Tucker, a administração da Igreja se tornou mais difícil.12
O Manifesto
Após duas décadas buscando negociar uma mudança na lei ou evitar suas desastrosas consequências, os líderes da Igreja começaram a pesquisar respostas alternativas. Em 1885 e 1886 eles estabeleceram povoados no México e no Canadá, fora da jurisdição da lei dos Estados Unidos, onde famílias que praticavam a poligamia pudessem viver em paz. Com esperança de que, ao parar a oposição pública à lei, haveria uma redução nas hostilidades, os líderes da Igreja aconselharam os maridos plurais a viver abertamente apenas com uma de suas esposas, e defender que o casamento plural não fosse ensinado publicamente. Em 1889, autoridades da Igreja proibiram a realização de novos casamentos plurais em Utah.13
Os líderes da Igreja, em espírito de oração, buscaram orientação do Senhor e fizeram grande esforço para entender o que deveriam fazer. Tanto o Presidente John Taylor quanto o Presidente Wilford Woodruf sentiram o Senhor direcioná-los a permanecer com seus padrões e a não renunciar ao casamento plural.14
Essa inspiração veio enquanto meios para mudar a lei ainda eram possíveis legalmente. A última possibilidade acabou em maio de 1890, quando a Suprema Corte dos Estados Unidos apoiou a constitucionalidade do Ato Edmunds-Tucker, permitindo que o confisco das propriedades da Igreja acontecesse. O Presidente Woodruff viu que os templos da Igreja e suas ordenanças estavam agora em risco. Com o peso dessa ameaça, ele orou intensamente sobre o assunto. “O Senhor mostrou-me, por meio de visão e revelação”, ele disse mais tarde, “exatamente o que ocorreria se não abandonássemos essa prática”, referindo-se ao casamento plural. “Perderíamos todos os templos”. Deus “me mostrou exatamente o que fazer, e qual seria o resultado se não o fizéssemos”.15
Em 25 de setembro de 1890, o Presidente Woodruff escreveu em seu diário que estava “sob a necessidade de agir para a salvação temporal da Igreja”. Ele afirmou: “Após orar ao Senhor e sentir-me inspirado pelo Espírito, redigi uma proclamação”.16 Essa proclamação, agora publicada em Doutrina e Convênios como Declaração Oficial 1, foi anunciada para o público em 25 de setembro e ficou conhecida como o Manifesto.17
O Manifesto foi redigido cuidadosamente visando o conflito imediato com o governo dos Estados Unidos. “Não estamos ensinando poligamia, ou seja, casamento plural, nem permitindo que qualquer pessoa adote tal prática”, disse o Presidente Woodruff. “Sendo que o Congresso promulgou leis proibindo o casamento plural, leis essas que foram pronunciadas constitucionais pelo tribunal de última instância, eu aqui declaro minha intenção de submeter-me a essas leis e de usar minha influência junto aos membros da Igreja que presido, para que eles façam o mesmo”.18
Os membros do Quórum dos Doze Apóstolos tiveram reações variadas ao Manifesto. Franklin D. Richards tinha certeza de que era “a obra do Senhor”. Francis M. Lyman disse que “ele havia endossado o Manifesto completamente quando o ouviu pela primeira vez”.19 Nem todos os Doze aceitaram o documento imediatamente. John W. Taylor disse que ele “ainda não tinha certeza sobre ele isso” de início.20 John Henry Smith honestamente admitiu que “o Manifesto havia perturbado muito seus sentimentos” e que ele ainda estava “um pouco incerto” sobre o documento.21 Dentro de uma semana, no entanto, todos os membros dos Doze votaram apoiando o Manifesto.
O Manifesto foi formalmente apresentado à Igreja na conferência geral semestral da Igreja que aconteceu no tabernáculo de Salt Lake em outubro de 1890. Na segunda-feira, 6 de outubro, Orson F. Whitney, um bispo de Salt Lake City, foi ao púlpito e leu as Regras de Fé, que incluíam a linha que diz que os santos dos últimos dias acreditam na “obediência, honra e manutenção da lei”. Essas regras foram apoiadas pelos membros por meio do sinal de levantarndoa mão. Whitney então leu o Manifesto e Lorenzo Snow, Presidente do Quórum dos Doze, propôs que o documento fosse aceito como “autorizado e obrigatório”. Solicitou-se então que a assembleia votasse a proposta. O Deseret News relatou que o voto foi “unânime”; a maioria votou a favor, embora houvesse abstenções.22
Os membros da Igreja aceitaram o Manifesto com vários graus de incertezas. Muitos não estavam prontos para o fim do casamento plural. A presidente geral da Sociedade de Socorro, Zina D. H. Young, ao escrever em seu diário no dia em que o Manifesto foi apresentado à Igreja, registrou a angústia do momento: “Hoje o coração de todos foi testado, mas olharam para Deus e aceitaram”.23 O Manifesto trouxe incertezas sobre o futuro de alguns relacionamentos. Eugenia Washburn Larsen, temendo o pior, relatou sentir “densa escuridão” ao imaginar ela mesma e outras esposas e filhos sendo “abandonados” pelos maridos.24 Outras esposas plurais, no entanto, reagiram ao Manifesto com “grande alívio”. 25
Depois do Manifesto
Os santos dos últimos dias acreditam que o Senhor revela Sua vontade “linha sobre linha; um pouco aqui, um pouco ali”.26 Os membros da Igreja, em 1890, em geral acreditavam que o Manifesto era a “obra do Senhor”, nas palavras de Franklin D. Richards. Mas todos os efeitos do Manifesto não ficaram claros de início. Seu alcance precisava ser determinado, e as autoridades discordavam sobre qual era a melhor maneira de proceder. “Fomos guiados à nossa atual posição um pouco de cada vez”, explicou o Apóstolo Heber J. Grant.27 Com o passar do tempo e por meio de esforço para receber revelação contínua, os membros da Igreja viram “um pouco de cada vez” como interpretar a continuação do Manifesto.
De início, muitos líderes da Igreja acreditavam que o Manifesto apenas “suspendia” o casamento plural por um tempo indeterminado.28 Tendo vivido, ensinado e sofrido pelo casamento plural por tanto tempo, era difícil imaginar um mundo sem ele. George Q. Cannon, conselheiro na Primeira Presidência, comparou o Manifesto ao adiamento do Senhor ao mandamento de construir templos no Missouri nos anos 1830 após os santos terem sido expulsos do estado. Em um sermão dado imediatamente após o Manifesto ter sido apoiado na conferência geral, Cannon citou uma passagem de escritura na qual o Senhor justifica aqueles que diligentemente procuram cumprir um mandamento dado por Ele, mas que são impedidos por seus inimigos: “Eis que me convém já não requerer das mãos desses filhos dos homens o trabalho, mas aceitar suas ofertas”.29
No entanto, muitos assuntos práticos precisavam ser definidos. O Manifesto não dizia o que as famílias plurais existentes deveriam fazer. Por sua própria iniciativa, alguns casais se separaram ou divorciaram como resultado do Manifesto; outros maridos deixaram de coabitar com todas as esposas, morando apenas com uma, mas continuaram a prover apoio financeiro e emocional a todos os seus dependentes.30 Em reuniões a portas fechadas com líderes locais, a Primeira Presidência condenou censurou os homens que, apoiando-se no Manifesto como justificativa, deixaram suas esposas usando o Manifesto como justificativa. “Eu não disse, não diria, nem poderia dizer-lhes que abandonassem suas esposas e filhos”, o Presidente Woodruff falou aos homens. “Vocês não podem fazer isso com honra”. 31
Acreditando que os convênios que fizeram com Deus e suas esposas tinham que ser honrados acima de qualquer coisa, muitos maridos, incluindo líderes da Igreja, continuaram a coabitar com suas esposas plurais e a ter filhos com elas durante vários anos no Século XX. 32 Continuar a coabitação expôs os casais a ameaças de perseguição, do mesmo modo que antes do Manifesto. Mas essas ameaças diminuíram de modo significativo após 1890. O Manifesto iniciou uma nova relação com o governo federal e com a nação: acusações contra os polígamos foram retiradas, as esposas plurais pararam de se esconder e assumiram seus nomes de casadas, e os maridos interagiram mais livremente com suas famílias, especialmente após o presidente dos Estados Unidos, Benjamin Harrison, conceder anistia geral aos polígamos mórmons em 1893.33 Três anos depois, Utah se tornou um estado com uma constituição que bania a poligamia.
O Manifesto declarava a intenção do Presidente Woodruff em submeter-se às leis dos Estados Unidos. Não dizia nada sobre as leis de outras nações. Desde a abertura de colônias no México e no Canadá, os líderes da Igreja haviam realizado casamentos plurais nesses países, e após outubro de 1890, os casamentos plurais continuaram a ser realizados lá.34 Normalmente esses casamentos não eram promovidos pelos líderes da Igreja e tinham dificuldade em ser aprovados. Um ou ambos os cônjuges que participavam dessas uniões precisavam concordar em permanecer no Canadá ou no México. Sob circunstâncias excepcionais, um pequeno número de novos casamentos plurais foi realizado nos Estados Unidos entre 1890 e 1904, todavia, não está claro se os casamentos realizados dentro do país foram autorizados.35
O número exato de novos casamentos plurais realizados durante esses anos, dentro e fora dos Estados Unidos não é conhecido. Os registros de selamentos mantidos durante esse período não indicava se o selamento era monogâmico ou plural, tornando difícil a obtenção de um cálculo completo. Uma escala aproximada, no entanto, pode ser percebida em registros cronológicos de casamentos e selamentos mantidos pelos escriturários da Igreja. Entre o fim da década de 1880 e o começo dos anos 1900, em um tempo em que existiam poucos templos e viajar até eles era demorado e difícil, os santos dos últimos dias que viviam longe dos templos tinham permissão para serem selados fora deles.
O registro de “casamentos e selamentos realizados fora do templo”, que não está completo, lista 315 casamentos realizados entre 17 de outubro de 1890 e 8 de setembro de 1903.36 Pesquisas indicam que, dos 315 casamentos relatados no registro, 25 (7,9%) eram casamentos plurais e 290 (92,1%) eram casamentos monogâmicos. Quase todos os casamentos monogâmicos registrados foram realizados no Arizona e no México. Dos 25 casamentos plurais, 18 aconteceram no México, 3 no Arizona, 2 em Utah, 1 no Colorado e 1 em um barco no Oceano Pacífico. De modo geral, o registro mostra que o casamento plural era uma prática que estava diminuindo e que os líderes da Igreja estavam de consciência limpa ao obedecer os termos do Manifesto da maneira que eles os entendiam.37
O processo exato de como esses casamentos foram aprovados permanece obscuro. Por um tempo, casamentos plurais pós-Manifesto exigiam a aprovação de um membro da Primeira Presidência. Não há evidência concreta, no entanto, de que as decisões tenham sido tomadas pela Primeira Presidência como um todo; o Presidente Woodruff, por exemplo, normalmente enviava as solicitações de permissão para novos casamentos plurais ao Presidente Cannon para suas considerações pessoais.38 No fim da década de 1890, alguns dos homens que tinham a autoridade para realizar selamentos aparentemente se consideraram livres para aceitar ou rejeitar solicitações usando seus próprios critérios, sem a permissão da Primeira Presidência. O Apóstolo Heber J. Grant, por exemplo, relatou que durante uma visita aos povoados mórmons no México em 1900, ele recebeu 10 pedidos em um único dia requisitando casamentos plurais. Ele negou todos. “Confesso”, ele disse a um amigo, “que sempre foi contra minha natureza quaisquer violações de documentos [i.e. o Manifesto] dessa natureza”.39
O Segundo Manifesto
No início, a realização de novos casamentos plurais após o Manifesto era desconhecida para as pessoas de fora da Igreja. Quando descobertos, esses casamentos perturbaram muitos norte-americanos, especialmente após o Presidente George Q. Cannon ter afirmado em uma entrevista em 1899 para o New York Herald que novos casamentos plurais podiam ser realizados no Canadá e no México.40 Após a eleição de B. H. Roberts, membro do Primeiro Conselho dos Setenta para o Congresso dos Estados Unidos, tornou-se conhecido o fato de que Roberts tinha três esposas, tendo casado com uma delas após o Manifesto. Uma petição com 7 milhões de assinaturas exigia que Roberts não assumisse o cargo. O Congresso concordou e Roberts não assumiu seu cargo.41
A exclusão de B. H. Roberts abriu as práticas matrimoniais dos mórmons a nova pesquisa minuciosa. O Presidente da Igreja, Lorenzo Snow, emitiu uma declaração esclarecendo que novos casamentos plurais tinham cessado na Igreja e que o Manifesto se estendia para todas as partes do mundo, conselho que repetiu em conversas particulares. Ainda assim, um pequeno número de novos casamentos plurais continuou a ser realizado, provavelmente sem o conhecimento ou a aprovação do Presidente Snow. Após Joseph F. Smith se tornar Presidente da Igreja em 1901, um pequeno número de novos casamentos plurais também foi realizado durante os primeiros anos de sua administração.42
O papel da Igreja nesses casamentos tornou-se assunto de intenso debate após Reed Smoot, um apóstolo, ter sido eleito para o Senado dos Estados Unidos em 1903. Embora Smoot fosse um monogamista, seu apostolado colocou sua lealdade ao país sob pesquisa minuciosa. Como poderia Smoot apoiar tanto as leis da Igreja, em que alguns de seus representantes haviam realizado, consentido ou participado de novos casamentos plurais, quanto apoiar as leis do país, que tornaram o casamento plural ilegal? Durante quatro anos, os legisladores debateram essa questão em longas audiências públicas.
O Senado chamou muitas testemunhas. O Presidente da Igreja, Joseph F. Smith, foi chamado para testemunhar no Senado em março de 1904. Quando questionado, ele defendeu seus relacionamentos familiares, dizendo ao comitê que ele havia coabitado com suas esposas e tido filhos com elas desde 1890. Ele disse que seria uma desonra quebrar os sagrados convênios que ele havia feito com suas esposas e com Deus. Quando questionado sobre novos casamentos plurais realizados após 1890, o Presidente Smith cuidadosamente diferenciou as ações sancionadas pela Igreja e ratificadas nos conselhos da Igreja e conferências, dos atos cometidos por indivíduos membros da Igreja. “Nunca houve um casamento plural com o consentimento, sanção, conhecimento ou aprovação da Igreja desde o Manifesto”, ele testificou.43
Nesse cenário legal, o Presidente Smith buscou proteger a Igreja enquanto declarava a verdade. Seu testemunho definiu uma diferença que os líderes da Igreja haviam compreendido havia muito tempo: o Manifesto removeu o mandamento divino de a Igreja coletivamente apoiar e defender o casamento plural; não havia, até aquele momento, proibido indivíduos de continuarem a praticar ou realizar casamento plural como uma forma de consciência religiosa.
O tempo havia chegado para a mudança desse entendimento. A maioria dos casamentos mórmons sempre havia sido monogâmica, e uma mudança em direção a monogamia como a única forma aprovada estava há muito tempo em processo. Em 1889, um homem que havia sido monogamista durante toda a vida foi chamado para o Quórum dos Doze Apóstolos; após 1897 todo novo apóstolo chamado para os Doze, com exceção de um, era monogamista na época do seu chamado.44 Começando nos anos 1890, quando os líderes da Igreja estimularam os membros a permanecerem em sua terra natal e “construírem Sião” nesses lugares em vez de migrar para Utah como em anos anteriores, tornou-se importante para eles obedecerem às leis em relação à monogamia.
Durante seu testemunho ao Senado, o Presidente Smith prometeu publicamente esclarecer a posição da Igreja sobre o casamento plural. Na conferência geral de abril de 1904, o Presidente Smith emitiu uma forte declaração, conhecida como o Segundo Manifesto, incluindo penalidades pela participação em casamento plural: “Se alguma autoridade ou membro da Igreja aceitar celebrar tais casamentos ou participar deles, ele será julgado por transgressão contra a Igreja, será passível de ser tratado de acordo com suas normas e regulamentos, e ser excomungado”.45 Essa declaração havia sido aprovada pelos conselhos de liderança da Igreja e foi por unanimidade apoiada na conferência como autorizada e obrigatória na Igreja.46
O Segundo Manifesto foi um marco. Pela primeira vez, os membros da Igreja foram notificados que novos casamentos plurais não seriam aprovados por Deus e nem pela Igreja. O Segundo Manifesto expandiu a influência e o propósito do primeiro. “Quando [o Manifesto] foi dado”, explicou o Élder Francis M. Lyman, presidente do Quórum dos Doze, “simplesmente avisou aos santos que não precisavam mais participar do casamento plural, mas a ação tomada na conferência que aconteceu em Salt Lake City no dia 6 de abril de 1904 [o Segundo Manifesto] tornou aquele Manifesto um documento de proibição à prática do casamento plural”.47
Os líderes da Igreja comunicaram a seriedade dessa declaração aos líderes e membros em todos os níveis. O Presidente Lyman enviou cartas para cada membro do Quórum do Doze, seguindo orientação da Primeira Presidência, informando-lhes que o Segundo Manifesto seria “rigorosamente aplicado”.48 Contrários a essa direção, dois apóstolos, John W. Taylor e Matthias F. Cowley, continuaram a realizar e encorajar novos casamentos plurais após o Segundo Manifesto. Eles foram então excluídos do quórum.49 Taylor foi excomungado da Igreja posteriormente, após insistir em seu direito de continuar a realizar casamentos plurais. Cowley teve o uso de seu sacerdócio restringido e depois admitiu que estava “completamente errado”.50
Alguns casais que participaram do casamento plural entre 1890 e 1904 se separaram após o Segundo Manifesto, mas muitos outros coabitaram discretamente durante e depois da década de 30.51 Os membros da Igreja que rejeitaram o Segundo Manifesto e continuaram a incentivar publicamente o casamento plural ou empreender novos casamentos plurais foram convocados para conselhos disciplinares da Igreja. Alguns que foram excomungados juntaram-se em movimentos independentes e são algumas vezes chamados de fundamentalistas. Esses grupos não são afiliados ou apoiados por A Igreja de Jesus Cristo dos Santos dos Últimos Dias. Desde a administração de Joseph F. Smith, os presidentes da Igreja têm enfatizado repetidamente que a Igreja e seus membros não estão mais autorizados a participarem de casamento plural e têm enfatizado a sinceridade de suas palavras ao estimular os líderes locais a levar membros desobedientes aos conselhos disciplinares da Igreja.
Conclusão
O casamento entre um homem e uma mulher é o padrão de casamento estabelecido por Deus, a menos que Ele declare algo em contrário, o que Ele fez por meio de Seu profeta, Joseph Smith. O Manifesto marcou o início do retorno da monogamia, que é o padrão da Igreja hoje.52 Falando na conferência geral logo após o Manifesto ter sido divulgado, o Presidente George Q. Cannon falou sobre o processo de revelação que culminou no Manifesto: “A presidência da Igreja tem que passar pelas mesmas experiências que vocês passam”, ele disse: “Eles têm que progredir do mesmo jeito que vocês progridem. Eles têm que confiar nas revelações de Deus que chegam até eles. Eles não podem ver o fim desde o princípio, como o Senhor vê.” “Tudo o que podemos fazer”, Cannon disse, falando da Primeira Presidência, “é buscar a direção e a vontade de Deus, e quando elas chegam até nós, embora possa contradizer todos os sentimentos que sentimos previamente, não temos outra opção, senão fazer o que Deus nos mostrou, e confiar Nele”.53