História da Igreja
10 Verdade e retidão


“Verdade e retidão”, capítulo 10 de Santos: A História da Igreja de Jesus Cristo nos Últimos Dias, Volume 2, Nenhuma Mão Ímpia, 1846–1893, 2019

Capítulo 10: “Verdade e retidão”

Capítulo 10

Verdade e retidão

vale tropical deslumbrante

George Q. Cannon segurou firmemente sua mala de viagem ao entrar em um riacho que serpeava pelo verdejante vale ʻIao, em Maui. Era 8 de março de 1851, quase no fim da estação chuvosa no Havaí. Quatro dias antes, ele havia deixado sua casa em Lahaina e começado a caminhar para o norte, acompanhando a costa. “Preciso ir para o meio dos nativos e começar a pregar a eles”, dissera a seus companheiros missionários. Estava ansioso para melhor se comunicar no idioma havaiano e prestar testemunho. O Senhor lhe revelara que havia pessoas ali em Maui que estavam preparadas para receber a verdade. George não sabia quem eram, mas esperava reconhecê-las assim que as encontrasse.

Já tinha viajado quase 65 quilômetros sem sucesso. Escuras nuvens de tempestade e chuvas torrenciais o fizeram questionar se havia escolhido a época errada do ano para fazer aquela jornada.

Ao avançar para dentro do riacho, George escorregou e caiu dentro da água. Erguendo-se, arrastou-se para fora da água e subiu uma colina próxima até Wailuku, uma cidadezinha com poucas casas, uma escola feminina e uma alta igreja feita de rochas ígneas.1

Vários missionários protestantes moravam na cidade, e George quis prestar testemunho a eles. Mas estava cansado e envergonhado por estar com as roupas imundas e molhadas. Talvez fosse melhor retornar a Lahaina, disse a si mesmo, em vez de tentar compartilhar o evangelho em condições climáticas tão ruins.

George encontrou a estrada que saía da cidade e começou a voltar para casa. Quando havia acabado de sair de Wailuku, ao fazer uma pausa para trocar de camisa e se barbear, subitamente teve o sentimento de que deveria voltar para a cidade. Rapidamente voltou pelo caminho que trilhara e, ao passar na frente da igreja, duas mulheres saíram de uma casa próxima.“E ka haole!”, chamaram elas para que entrasse na casa. Ei, homem branco!2

Três homens apareceram à porta, atrás delas, e foram até o portão, justamente quando George estava passando. Um deles perguntou para onde ele estava indo. George explicou que estava pensando em retornar a Lahaina por causa do mau tempo. O homem disse que seria melhor esperar alguns dias e convidou George a se hospedar na casa dele.

O nome daquele homem era Jonathan Napela. Era um respeitado juiz local e um dos aliʻi, ou seja, fazia parte da nobreza da ilha. Ele e dois outros homens, William Uaua e H. K. Kaleohano, tinham recebido instrução formal na melhor escola da ilha. Ao falar com eles, George soube imediatamente que tinha encontrado as pessoas que Deus havia preparado.3

No dia seguinte, George ensinou Napela a respeito do Livro de Mórmon e do profeta Joseph Smith. “Não usamos o Livro de Mórmon em lugar da Bíblia”, explicou ele, “mas um prova a veracidade do outro”. Napela ficou interessado na mensagem de George, mas disse que queria saber por si mesmo se era verdade.4

Logo George teve que retornar a Lahaina. Prometeu, porém, voltar a Wailuku para ensinar Napela e seus amigos. Testificou que lhes dissera a verdade e os convidou a estudar mais o evangelho restaurado.

“Examinai todas as coisas”, disse George, citando a Bíblia, “e retende o bem”.5


Enquanto George retornava para Lahaina, Brigham Young se preparava para mudanças no Vale do Lago Salgado. Depois que os santos pediram ao congresso que criasse um governo territorial, Thomas Kane, que tinha feito amizade com os santos e os ajudado a formar o Batalhão Mórmon, aconselhou Brigham em uma carta a pedir que ali fosse criado um estado. Ao contrário dos territórios, cujos líderes governamentais eram nomeados pelo presidente dos Estados Unidos, os estados permitiam que seus líderes fossem escolhidos pelo voto dos eleitores, dando às pessoas mais controle sobre o governo.6

A assembleia legislativa rapidamente redigiu uma petição para a criação de um estado. Para garantir que a petição chegasse ao congresso em tempo, a assembleia legislativa criou o registro de uma convenção constitucional que nunca ocorreu e o enviou com outros documentos para seus representantes em Washington, D.C.7 A Primeira Presidência esperava enviar Oliver Cowdery a Washington para ajudar a influenciar os políticos a favor da criação de um estado, mas Oliver ficou doente enquanto estava com a família de sua esposa no Missouri e morreu em março de 1850. Phineas Young estava a seu lado quando ele faleceu.

“Seu testemunho final jamais será esquecido”, escreveu Phineas para Brigham logo em seguida. “Ele disse a seu amigo que não havia salvação a não ser no vale e por meio do sacerdócio que lá estava.”8

Quando a petição para a criação de um estado chegou a Washington, o congresso estava envolvido num longo e contencioso debate em relação à escravatura e sua expansão para as terras do Oeste adquiridas após a guerra com o México. O debate ofuscou a petição para a criação de um estado, e o congresso acabou organizando um território no vale, como parte de uma concessão mais ampla para pacificar as facções contrárias ao governo.

O congresso rejeitou o nome Deseret, dando ao território o nome de Utah, devido aos índios ute que ali moravam. Utah era bem menor do que a proposta feita pelos santos, e não chegava até o mar, mas o território ainda abrangia vastas extensões de terras. Para satisfação dos santos, o presidente nomeou membros da Igreja para mais da metade dos cargos mais elevados do governo, inclusive Brigham Young como governador. As demais nomeações foram para líderes governamentais de fora do território que não eram membros da Igreja.9 Esses líderes incluíam dois ou três membros da recém-criada suprema corte territorial, limitando o poder que os santos teriam para aplicar suas próprias leis.

Brigham e os santos receberam cautelosamente os líderes governamentais que foram para Utah no verão de 1851. Eram homens ambiciosos do Leste que, não obstante, estavam relutantes em se mudar para o território remoto. Suas primeiras reuniões com os santos foram tensas e embaraçosas. Os santos tinham passado a desconfiar de forasteiros devido às perseguições ocorridas no passado, e os líderes governamentais se sentiram ignorados e desrespeitados ao chegarem. Também pouco conheciam acerca dos santos e de suas crenças, além dos rumores que tinham ouvido sobre o casamento plural praticado na Igreja.10

Na época, os santos ainda não tinham proclamado publicamente sua crença no casamento plural. Quando o Senhor ordenou a Joseph Smith que praticasse o princípio, um anjo o encarregara de mantê-lo em sigilo e ensiná-lo apenas aos santos cuja integridade fosse inabalável. Os primeiros membros da Igreja honravam a monogamia como a única forma legítima de casamento, e qualquer forma alternativa seria chocante. Mas o Senhor prometera exaltar aqueles santos por sua obediência e seu sacrifício.

Na época de sua morte, Joseph havia se casado com algumas esposas plurais pelo tempo e pela eternidade. Ele havia sido selado a outras esposas somente pela eternidade, o que significava que o relacionamento deles começaria na próxima vida. Ele também havia ensinado a respeito do casamento plural a seus amigos mais próximos, e eles continuaram a manter essa prática em sigilo após sua morte. Para Joseph e os primeiros santos, o casamento plural era um princípio religioso solene, não uma maneira de satisfazer a luxúria.11

Quando os oficiais federais chegaram ao território no verão de 1851, os casamentos plurais haviam se tornado mais comuns na Igreja, tornando mais difícil para os santos esconder dos visitantes essa prática. Inclusive, em festas e outras reuniões sociais, os oficiais conheceram as esposas de Brigham Young e de Heber Kimball, que não fizeram nenhum esforço para ocultar seu relacionamento com seu marido.12

Em 24 de julho de 1851, os líderes se uniram aos santos na comemoração do aniversário de quatro anos da chegada dos pioneiros ao vale. A celebração começou com tiros de canhão, música patriótica e uma parada. O general Daniel Wells, um importante membro da Igreja e comandante da milícia territorial, falou aos santos sobre as provações passadas e predisse que dia viria em que os Estados Unidos seriam assolados por não terem se disposto a ajudar a Igreja.13 Os santos adoraram o discurso, mas ele ofendeu os líderes governamentais.

Várias semanas mais tarde, outro líder do governo, o juiz Perry Brocchus, chegou dos estados do Leste. Brocchus tinha aceitado sua nomeação para Utah esperando que os santos o elegessem para representá-los no congresso dos Estados Unidos. Ao chegar ao território, porém, ficou desapontado ao saber que um membro da Igreja chamado John Bernhisel já tinha sido eleito para o cargo. Também ficou alarmado e horrorizado com o que os outros líderes relataram sobre o discurso de Daniel Wells no dia 24 de julho.

Em setembro, Brocchus pediu permissão para falar numa conferência especial da Igreja. Alegou que queria solicitar fundos para um monumento em homenagem a George Washington, o primeiro presidente dos Estados Unidos. Brigham ficou desconfiado pelo pedido, mas concordou em deixar o juiz falar.14

Brocchus começou elogiando a generosidade dos santos. Citou o Livro de Mórmon e mencionou seu desejo de servi-los e fazer amizade com eles. Mas demorou a chegar a esse ponto. E quando finalmente convidou os santos a fazer doações para o monumento, insinuou que as esposas plurais deveriam abandonar seu casamento antes de contribuírem para o fundo.15 “Vocês precisam se tornar virtuosas e ensinar suas filhas a serem virtuosas”, disse ele.16

Sentindo-se insultada, a congregação exigiu que Brocchus se calasse. Mas o juiz continuou a falar. Condenou o discurso de Daniel Wells, proferido no dia 24 de julho, e acusou os santos de não serem leais ao país. “O governo dos Estados Unidos não os prejudicou”, disse ele. “O estado de Missouri é que deve uma reparação, e Illinois também.”17

Suas palavras tocaram um nervo exposto dos santos. O que ele sabia dos sofrimentos pelos quais eles tinham passado? Ouviram-se gritos e assobios da congregação, e os santos exigiam que Brigham respondesse aos insultos.

Assim que Brocchus terminou seu discurso, Brigham se levantou e andou de um lado para o outro no púlpito.18 “O juiz Brocchus é profundamente ignorante ou corruptamente iníquo”, vociferou. “Amamos o governo e a constituição, mas não amamos os malditos patifes que administram o governo.”19


Longe dos tumultos ocorridos no território de Utah, a Igreja continuava a crescer no sul do Pacífico. Depois de ficar preso por várias semanas, Addison Pratt e seu companheiro, James Brown, finalmente receberam permissão do governo francês do Taiti para permanecerem na ilha desde que obedecessem a certas restrições que limitavam a forma como poderiam compartilhar o evangelho e conduzir a Igreja.

Sob as novas restrições, os missionários santos dos últimos dias não poderiam pregar contra a religião estabelecida do país nem interferir em questões políticas ou civis. As restrições também limitavam o modo como os missionários poderiam se sustentar, corrigir membros da Igreja desobedientes, comprar terras para a Igreja e realizar reuniões. Se deixassem de cumprir essas leis, os missionários poderiam ser expulsos do país.20

Addison designou James a trabalhar com um ramo próximo, enquanto ele retornava a Tubuai para se reunir com sua família e liderar a missão. A viagem até Tubuai levou sete dias. Quando a ilha foi avistada do navio, ele pegou uma luneta e viu suas filhas na praia, olhando ansiosamente para ele com uma luneta própria. Logo surgiram fios de fumaça na ilha, enquanto os santos tubuaianos começavam a preparar um banquete pela sua chegada.

Quando o navio se aproximou da ilha, uma canoa foi buscar Addison para levá-lo até a praia. Ansioso para se reunir com a família, Addison estava prestes a pular para dentro da canoa, mas o capelão do navio o impediu. “Que ninguém saia do navio até que tenhamos oferecido graças ao Senhor”, disse ele.

Addison se ajoelhou com os outros passageiros, e o capelão proferiu uma oração. Assim que ouviu o “Amém”, Addison pulou para dentro da canoa e logo estava abraçado com a família e os amigos. Novamente Addison se surpreendeu com o quanto suas filhas tinham crescido. Todas pareciam estar muito bem e prontas para comemorar sua chegada em segurança. E Louisa estava aliviada por tê-lo de volta.

“Fiquei horrivelmente nauseada no mar na viagem desde a Califórnia”, disse-lhe ela sem afetação, “mas agora estou com boa saúde e disposição”.

Addison se mudou para a casa da família, que tinha uma cerca e um pequeno jardim. Benjamin Grouard e os outros élderes estavam construindo um navio, o Ravaai, numa cidade próxima para poderem visitar as ilhas distantes da missão. Addison logo começou a fazer velas para o navio.21

Enquanto isso, Louisa dava aulas na escola com sua irmã Caroline, na capela dos santos, um salão bem ventilado com seis grandes janelas em cada parede. As aulas começavam bem cedo pela manhã, e Louisa lecionava inglês a meninos e meninas agitadas, ensinando-lhes os números, os dias da semana e os meses do ano. Os santos tubuaianos, por sua vez, passavam as noites ensinando o idioma taitiano a Louisa e aos outros missionários.22

A fé exercida pelos santos tubuaianos realmente impressionou Louisa. Tinham prazer em orar e ler a Bíblia. Com frequência se levantavam antes do raiar do sol e reuniam a família para as devoções matinais. Um sino tocava pela manhã todos os domingos às 7 horas, e cerca de uma centena de santos se reunia na capela com a Bíblia debaixo do braço. Para o sacramento, às vezes usavam frutas e água de coco.23

Muitos santos tubuaianos estavam ansiosos para se reunirem com os santos nos Estados Unidos, mas ninguém conseguia arcar com o custo da viagem. Quando uma família missionária, a família Tompkins, decidiu voltar para casa após passarem oito meses na ilha, Addison lhes pediu que angariassem fundos para reunir os santos da ilha no sul da Califórnia.24

Quando os santos terminaram a construção do Ravaai, os missionários se espalharam pelas ilhas. Ellen acompanhou Addison em sua viagem, enquanto Louisa permanecia em casa para continuar a dar aulas na escola. Addison e Ellen retornaram seis semanas depois, e Louisa com frequência acompanhava o marido na ministração pela ilha, o que lhe dava oportunidade de praticar o idioma e refletir sobre a obra do Senhor.

Às vezes, ela se perguntava se estaria fazendo alguma diferença. “Espero que minha vinda para cá resulte em muitas coisas boas”, escreveu. “Esforcei-me para plantar a boa semente. O fruto pode ser colhido após muitos dias.”25


De volta ao leste dos Estados Unidos, a notícia da retumbante repreensão proferida por Brigham Young contra o juiz Brocchus causou alvoroço. Os jornais acusaram a Igreja de estar em franca rebelião contra a nação. Um editor recomendou o envio de tropas militares para ocupar Utah e manter a paz.26

A fonte das notícias era o próprio Brocchus. Embora Brigham tivesse tentado fazer as pazes com ele após a conferência, Brocchus se recusou a pedir desculpas aos santos e redigiu um contundente relato da reação de Brigham a seu discurso. “O fermento criado por suas palavras foi realmente aterrorizador”, escreveu Brocchus. “Parecia que as pessoas (quero dizer, grande parte delas) estavam prestes a se lançarem sobre mim como hienas e a me destruírem.”27

O Deseret News, o jornal da Igreja, repudiou as acusações, declarando não haver base para tal. Dando-se conta do dano que o relato de Brocchus poderia representar para a Igreja, porém, a Primeira Presidência pediu ajuda a Thomas Kane, esperando que seu talento na política e como autor pudesse evitar um escândalo.28 Enquanto isso, Brocchus e dois outros líderes governamentais partiram de Utah e imediatamente começaram a divulgar a versão deles da história, voltando a opinião pública contra os santos.29

Thomas Kane concordou em ajudar e trabalhou de perto com John Bernhisel, o representante de Utah no congresso, a fim de contar a versão que os santos tinham da história ao presidente dos Estados Unidos e outros líderes governamentais. Brigham também enviou Jedediah Grant, o franco e sincero prefeito de Salt Lake City e um santo dos últimos dias de confiança, para ajudar Thomas em Washington, D.C.30

Jedediah chegou pronto para defender a Igreja. Com o público decisivamente contra os santos, muitas pessoas estavam pedindo ao governo que removesse Brigham do cargo de governador. Brocchus e os outros líderes, além disso, tinham escrito um relato detalhado de seu mandato em Utah para o presidente. O relatório afirmava que Brigham e a Igreja dominavam a região, controlavam a mente e as propriedades dos membros da Igreja, e praticavam a poligamia.31

Depois que o relatório foi publicado, Jedediah levou uma cópia para Thomas e eles a examinaram juntos. Thomas leu as afirmações sobre a poligamia e as refutou de imediato. Ele acreditava que não passavam de rumores absurdos.

Jedediah se sentiu desconfortável. Os rumores não são de modo algum falsos, disse a Thomas. De fato, os santos vinham praticando o casamento plural desde quando Thomas os conhecera.32

Thomas ficou aturdido. Por cinco anos, tinha amado e defendido os santos, muitas vezes arriscando sua reputação em favor deles. Por que nunca tinham lhe dito que praticavam o casamento plural? Sentiu-se traído e humilhado.33

Thomas se angustiou por vários dias ao tomar conhecimento disso, sem saber se deveria continuar a ajudar os santos. Concluiu que a poligamia desprestigiava as mulheres e ameaçava a unidade familiar. Ficou preocupado com o fato de que, ao defender os santos, isso poderia associar para sempre seu nome a essa prática.34

Mas também admirava os santos e valorizava a amizade que tinha com eles. Queria auxiliar os oprimidos e incompreendidos em seus momentos de aflição, e não poderia abandonar os santos naquele momento.35

Em 29 de dezembro, Thomas escreveu para John Bernhisel com um plano para se opor ao relatório dos líderes governamentais. “Por ainda reconhecer o relacionamento de respeito pessoal e amizade que tenho com vocês”, declarou ele, “estou disposto a auxiliá-los se assim desejarem que eu o faça”.

Mas instou os santos a fazerem duas coisas: pararem de ocultar o casamento plural e explicarem a prática ao público.36


Depois de um ano em Tubuai, Louisa Pratt e Caroline Crosby se sentiam suficientemente à vontade com o idioma taitiano para realizarem reuniões regulares de oração com as mulheres da Igreja. Nessas reuniões, as mulheres cantavam hinos e trocavam ideias sobre o evangelho. Louisa e Caroline fizeram amizade com as mulheres da Igreja, especialmente com a rainha Pitomai, esposa do rei Tamatoa, de Tubuai.

Como Ellen Pratt tinha rapidamente dominado o idioma, a mãe e a tia com frequência dependiam dela para traduzir nas reuniões de oração. Na reunião de 30 de outubro, porém, Caroline cantou o hino de abertura em taitiano com as mulheres tubuaianas, e Louisa fez um sermão nesse idioma.

O tema do discurso de Louisa foi o Livro de Mórmon. Antes da reunião, ela tinha redigido o discurso, e Benjamin Grouard o traduzira para o taitiano. Enquanto Louisa lia o discurso, as mulheres presentes pareceram entendê-la e depois pediram que ela lhes contasse mais sobre os antigos nefitas.

À medida que sua confiança em seu taitiano aumentava, Louisa ficou cada vez mais ávida por compartilhar o evangelho. Um dia, pouco depois de seu aniversário de 49 anos, ela deu uma aula para um grupo de mulheres sobre o batismo pelos mortos, surpreendendo a si mesmo ao ver como se saíra bem. “Mal sabemos do que somos capazes até passarmos por uma provação difícil”, refletiu ela. “Tendo passado da meia idade, aprendi um novo idioma.”37

Várias semanas depois, em 29 de novembro, o Ravaai aportou em Tubuai a caminho de outras ilhas. Um dos missionários a bordo era James Brown, que era novamente prisioneiro do governo francês do Taiti. Tinha sido preso no atol Anaa depois que os sacerdotes franceses o ouviram incentivando os santos a irem para os Estados Unidos se reunir com os outros santos. Considerando suas palavras de cunho político, os líderes governamentais franceses o prenderam por rebelião e o baniram do país.

James achou que teria que ficar no Ravaai, a pão e água, até que a tripulação o deixou numa ilha que ficava fora da jurisdição francesa. Mas a rainha Pitomai subiu a bordo do navio e o convidou a descer à praia. “Esta é minha ilha”, disse ela. “Assumirei a responsabilidade por todos os problemas que surgirem.”

James permaneceu em Tubuai por dez dias, depois partiu para uma ilha que ficava fora da jurisdição francesa. O fato de ele ter sido banido mostrava que o governo francês estava ficando mais rigoroso, tornando quase impossível que os missionários estrangeiros de muitas religiões realizassem seu trabalho. Em breve, os santos dos Estados Unidos se viram tomados por desânimo e frustração, com a saudade de casa, e decidiram que era hora de voltar ao lar.38

Louisa sabia que muitos santos fiéis tubuaianos queriam ir com eles para os Estados Unidos. Telii, a amiga mais próxima da família Pratt, planejou fazer a viagem, mas as responsabilidades que tinha para com sua própria família a impediram de ir. Louisa também queria levar alguns de seus alunos para Salt Lake City, mas os pais não os deixaram ir. Outros que desejavam viajar não tinham dinheiro para pagar as despesas.

“Vamos interceder para que sejam levados até a Igreja quando chegarmos a nossa casa”, disse Louisa às mulheres em sua reunião de oração de 11 de março. “Enquanto isso, vocês devem orar por vocês mesmas e por nós.”39

Três dias depois, as mulheres tubuaianas se reuniram para sua última reunião de oração com Louisa e Caroline. O fato de saber que aquela seria sua última reunião de oração deixou Caroline profundamente tocada. Ela via que algumas mulheres estavam tristes por elas estarem indo embora. Mas o Espírito encheu a reunião, e as mulheres falaram e oraram juntas até tarde da noite. Louisa se despediu de seus alunos e deixou Telii encarregada deles. Caroline deu uma colcha que ela havia confeccionado para a rainha Pitomai, que retribuiu o presente dando-lhe um belo vestido.40

Em 6 de abril de 1852, os missionários que trabalhavam em Tubuai subiram a bordo do Ravaai. Os santos das ilhas foram até a praia se despedir, levando-lhes alimento para a viagem. “Consolem-se”, disse-lhes Louisa. “Vou orar para que um dia no futuro vocês venham para a Igreja de Cristo na América, sim, para a Sião no Vale das Montanhas Rochosas.” Todos choraram e apertaram as mãos pela última vez.

O Ravaai zarpou por volta das 4 horas da tarde. Os santos tubuaianos caminharam para dentro do mar ao lado do navio até onde foi possível, abençoando os missionários. À medida que o navio singrava silenciosamente as águas tranquilas, e a ilha se afastava até se perder de vista, os missionários continuavam a ouvir ao longe a despedida dos santos que ficaram na praia.

‘Ia ora na ‘outou.” Que a paz esteja convosco.41


Poucos meses depois, Brigham se reuniu com seus consultores mais próximos em Salt Lake City. Graças a Thomas Kane, John Bernhisel e Jedediah Grant, a controvérsia em relação aos líderes governamentais do território já havia encerrado. Brigham continuou sendo governador, e novos líderes governamentais foram enviados para substituir Brocchus e outros que tinham partido de Utah. Ainda assim, os líderes da Igreja não tinham feito nenhuma declaração oficial sobre o casamento plural, como Thomas os aconselhara a fazer.

Brigham ponderava qual seria a melhor maneira de anunciar a prática. Com sua sede em Utah seguramente estabelecida, a Igreja nunca tinha estado mais forte. Além disso, o casamento plural passara a ter um papel central na vida de muitos santos, afetando grandemente o modo como entendiam seu relacionamento de convênio com Deus e com suas famílias. Manter a prática em sigilo por mais tempo parecia ser algo tanto impossível quanto desnecessário. Era o momento certo para tornar público o casamento plural, e decidiram explicar a prática mais plenamente aos santos e ao mundo em geral em uma conferência de dois dias que seria realizada sobre o trabalho missionário.42

A conferência teve início em 28 de agosto de 1852. Naquele dia, a Primeira Presidência chamou 107 homens para missões na Índia, em Sião, na China, na África do Sul, na Austrália, na Jamaica, em Barbados e em outros lugares do mundo inteiro. “As missões para as quais faremos chamados nesta conferência, em geral, não serão muito longas”, gracejou George A. Smith. “Provavelmente de três a sete anos será o tempo que cada homem estará ausente de sua família.”43

Como missionários, esperava-se que levassem o evangelho de Jesus Cristo aos povos da Terra. “Que a verdade e a retidão sejam seu lema”, aconselhou Heber Kimball, “e não sigam para o mundo com nenhum outro propósito que não seja pregar o evangelho, edificar o reino de Deus e reunir as ovelhas ao redil”.44

No dia seguinte, Orson Pratt se levantou para fazer um sermão sobre o casamento plural para os santos. Suas palavras seriam publicadas no Deseret News, e outros jornais do mundo inteiro rapidamente reimprimiriam seu relatório. Orson redigiu seu sermão de modo a ensinar aos missionários os fundamentos doutrinários do casamento plural para que pudessem ensinar e defender a prática enquanto servissem no campo missionário.45

“Os santos dos últimos dias aceitaram a doutrina da pluralidade de esposas como parte de sua fé religiosa”, declarou Orson do púlpito. “Vamos nos empenhar para explicar perante esta assembleia esclarecida algumas de suas causas, seus motivos e suas consequências.”46

Brigham falou por duas horas, com base em seu próprio entendimento da prática. As escrituras ofereciam poucas declarações doutrinárias sobre o casamento plural. A Bíblia citava homens e mulheres justos, como Abraão e Sara, que seguiram o princípio, mas pouco revelava sobre o motivo pelo qual fizeram isso. O Livro de Mórmon, porém, explicava que Deus, às vezes, ordenava que as pessoas praticassem o casamento plural para gerar filhos para Ele.47

Orson ensinou à congregação que o casamento plural não se baseava em indulgência sexual, como muitas pessoas de fora da Igreja presumiam, mas, sim, em ajudar a levar adiante a obra eterna de Deus na Terra. Às vezes, sugeriu Orson, o Senhor pede a Seu povo que pratique o casamento plural para se multiplicar e encher a Terra, compartilhar as promessas e as bênçãos do convênio abraâmico e trazer mais filhos espirituais do Pai Celestial para o mundo. Nessas famílias, esses filhos podem aprender o evangelho de pais justos e crescer a fim de ajudar a estabelecer o reino de Deus.48

Orson também comentou que o Senhor governava a prática com leis muito rígidas. Somente o profeta tinha as chaves do convênio do casamento, e ninguém podia realizar um casamento plural sem o consentimento dele. Além disso, era esperado daqueles que praticassem o casamento plural que cumprissem seus convênios e levassem uma vida justa.49

“Podemos apenas abordar de modo superficial esse grandioso tema”, declarou Orson ao encerrar seu discurso. Os santos fiéis são herdeiros de tudo o que Deus possui, declarou ele. Ao fazerem e guardarem os convênios do casamento eterno, eles podem nutrir famílias tão numerosas quanto as areias das praias.

“Tenho vontade de bradar aleluia a Seu grandioso e santo nome”, disse Orson, “porque Ele reina nos céus e exaltará Seu povo para que se assente com Ele em tronos de poder para reinar para todo o sempre”.50


Mais tarde naquele dia, Brigham falou aos santos sobre revelação. Comentou que algumas das revelações do Senhor foram difíceis de aceitar quando reveladas pela primeira vez. Relatou a própria dificuldade que teve, 20 anos antes, para aceitar a visão de Joseph Smith sobre a vida após a morte e os três reinos de glória.51

“Quando ouvi isso pela primeira vez, era algo totalmente contrário e oposto à minha educação e às tradições”, admitiu ele. “Não a rejeitei, mas não consegui entendê-la.” Sua fé na revelação aumentou à medida que buscou esclarecimento do Senhor. “Ponderei e orei, li e pensei, orei e refleti”, disse ele aos santos, “até que soube e compreendi plenamente por mim mesmo, por meio de visões do Santo Espírito”.52

Brigham então prestou testemunho das revelações que o Senhor dera a Joseph Smith sobre o casamento eterno, testificando que Deus ainda revelava Suas palavras para a Igreja. “Se fosse necessário escrevê-las, nós as escreveríamos o tempo todo”, disse ele. “Preferimos, porém, que as pessoas vivam de modo a terem suas próprias revelações e então façam o trabalho que somos chamados a realizar. Isso é suficiente para nós.”53

Depois disso, o secretário de Brigham, Thomas Bullock, leu a revelação do Senhor sobre o casamento plural para uma congregação que excedia a capacidade do local. A maioria dos santos, inclusive aqueles que praticavam o casamento plural, nunca tinha lido a revelação antes. Alguns se regozijaram por saber que finalmente poderiam proclamar livremente o princípio para o mundo.54

Imediatamente após a conferência, os missionários recém-chamados se reuniram para receber instruções antes de partirem a fim de pregar o evangelho em todos os continentes habitados. O salão se encheu de entusiasmo quando aqueles homens pensaram na obra do Senhor que progredia com novo ímpeto. Com o verão já quase no fim, tinham pouco tempo para desperdiçar.

“Quero que partam o mais rapidamente possível”, disse Brigham aos missionários, “e atravessem as planícies antes que comece a nevar”.55