2005
O Perdão
Novembro de 2005


O Perdão

De algum modo o perdão, com amor e tolerância, realiza milagres que não aconteceriam de outra maneira.

Meus queridos irmãos e irmãs, agradeço ao Pai Celestial por ter prolongado minha vida para que eu participasse destes tempos desafiadores. Agradeço a Ele pela oportunidade de servir. Não tenho nenhum outro desejo, exceto o de fazer todo o possível para levar adiante a obra do Senhor, de servir a Seu povo fiel e de viver em paz com meus semelhantes.

Viajei recentemente ao redor do mundo, por mais de 40.000 quilômetros, visitando o Alasca, Rússia, Coréia, Taiwan, Hong Kong, Índia, Quênia e Nigéria, sendo que neste último país dedicamos um novo templo. Depois, dedicamos o Templo de Newport Beach Califórnia. Acabei de ir à Samoa para a dedicação de outro templo, a 16.000 quilômetros de distância. Eu não gosto de viajar, mas é meu desejo encontrar-me com nosso povo para estender-lhe apreciação e incentivo e para prestar testemunho da divindade da obra do Senhor.

Com freqüência penso em um poema que li há muito tempo. Ele é assim:

Deixem que eu viva em uma casa à beira da estrada

Onde a raça humana passa —

Os homens que são bons e os homens que são maus,

Tão bons e tão maus quanto eu.

Não me sentaria no lugar do desprezível

Nem lançaria a blasfêmia do cínico; —

Deixem que eu viva em uma casa à beira da estrada

E seja um amigo dos homens.

(Sam Walter Foss, “The House by the Side of the Road, em James Dalton Morrison, ed., Masterpieces of Religious Verse [1948], p. 422).

É dessa forma que me sinto.

A idade muda alguma coisa no homem. Parece que o torna mais atento à necessidade de ser generoso, bondoso e paciente. Ele anseia e ora para que os homens vivam unidos em paz, sem guerras nem disputas, sem contendas nem conflitos. Ele se torna cada vez mais atento ao significado da grande Expiação do Redentor, da intensidade de Seu sacrifício e da gratidão ao Filho de Deus, que deu Sua vida para que pudéssemos viver.

Gostaria de falar hoje sobre o perdão. Acredito que talvez seja a maior virtude da Terra e certamente a mais necessária. Existe tanta maldade e abuso, intolerância e ódio. Há tamanha necessidade de arrependimento e perdão. É o grande princípio enfatizado em todas as escrituras, tanto nas antigas, quanto nas modernas.

Em todas as nossas escrituras sagradas, não existe nenhuma história mais linda sobre o perdão do que a do filho pródigo, encontrada no 15º capítulo de Lucas. Todos deveriam lê-la e ponderar a seu respeito ocasionalmente.

“E, havendo [o pródigo] gastado tudo, houve naquela terra uma grande fome, e começou a padecer necessidades.

E foi, e chegou-se a um dos cidadãos daquela terra, o qual o mandou para os seus campos, a apascentar porcos.

E desejava encher o seu estômago com as bolotas que os porcos comiam, e ninguém lhe dava nada.

E tornando em si, disse: Quantos jornaleiros de meu pai têm abundância de pão, e eu aqui pereço de fome!

Levantar-me-ei, e irei ter com meu pai, e dir-lhe-ei: Pai, pequei contra o céu e perante ti;

Já não sou digno de ser chamado teu filho; faze-me como um dos teus jornaleiros.

E, levantando-se, foi para seu pai; e, quando ainda estava longe, viu-o seu pai, e se moveu de íntima compaixão e, correndo, lançou-se-lhe ao pescoço e o beijou.

E o filho lhe disse: Pai, pequei contra o céu e perante ti, e já não sou digno de ser chamado teu filho” (Lucas 15:14–21).

O pai fez um grande banquete e quando seu outro filho se indignou, ele lhe disse: “Mas era justo alegrarmo-nos e folgarmos, porque este teu irmão estava morto, e reviveu; e tinha-se perdido, e achou-se” (vers. 32).

Quando se comete uma má ação e ocorre o arrependimento, seguido do perdão, então, literalmente o ofensor que estava perdido é achado, e ele, que estava morto, tornou a viver.

Como são maravilhosas as bênçãos da misericórdia e do perdão!

O Plano Marshall que se seguiu à Segunda Guerra Mundial, com a doação de milhões de dólares, ajudou a reerguer a Europa.

No Japão, depois dessa mesma guerra, vi grandes siderúrgicas, cujo dinheiro, contaram-me, fora enviado pela América, o ex-inimigo do Japão. Como este mundo se torna melhor por causa do perdão de uma nação generosa em prol de seus antigos inimigos.

No Sermão da Montanha o Senhor ensinou:

“Ouvistes o que foi dito: Olho por olho, e dente por dente.

Eu, porém, vos digo que não resistais ao mal; mas, se qualquer te bater na face direita, oferece-lhe também a outra;

E, ao que quiser pleitear contigo, e tirar-te a túnica, larga-lhe também a capa;

E, se qualquer te obrigar a caminhar uma milha, vai com ele duas.

Dá a quem te pedir, e não te desvies daquele que quiser que lhe emprestes.

Ouvistes o que foi dito: Amarás o teu próximo, e odiarás o teu inimigo.

Eu, porém, vos digo: Amai a vossos inimigos, bendizei os que vos maldizem, fazei bem aos que vos odeiam, e orai pelos que vos maltratam e vos perseguem (…)” (Mateus 5:38–44).

Essas são palavras muito fortes.

Vocês realmente acham que poderiam seguir essa ordem? Elas são as palavras do próprio Senhor, e eu acredito que se aplicam a cada um de nós.

Os escribas e os fariseus trouxeram uma mulher diante de Jesus apanhada em adultério, para tentar armar uma cilada contra Ele.

“Mas Jesus, inclinando-se, escrevia com o dedo na terra [como se não os tivesse ouvido],

E, como insistissem, perguntando-lhe, endireitou-se, e disse-lhes: Aquele que de entre vós está sem pecado seja o primeiro que atire pedra contra ela.

E, tornando a inclinar-se, escrevia na terra.

Quando ouviram isto, redargüidos [pela própria] consciência, saíram um a um, a começar pelos mais velhos até aos últimos; ficou só Jesus e a mulher que estava no meio.

E, endireitando-se Jesus, e não vendo ninguém mais do que a mulher, disse-lhe: Mulher, onde estão aqueles teus acusadores? Ninguém te condenou?

E ela disse: Ninguém, Senhor. E disse-lhe Jesus: Nem eu também te condeno; vai-te, e não peques mais” (João 8:6–11).

O Salvador ensinou ao deixar as noventa e nove para encontrar a ovelha perdida, que o perdão e a restituição podem ocorrer.

Isaías declarou:

“Lavai-vos, purificai-vos, tirai a maldade de vossos atos de diante dos meus olhos; cessai de fazer mal.

Aprendei a fazer bem; procurai o que é justo; ajudai o oprimido; fazei justiça ao órfão; tratai da causa das viúvas.

Vinde, então, e argüí-me, diz o Senhor: ainda que os vossos pecados sejam como a escarlata, eles se tornarão brancos como a neve; ainda que sejam vermelhos como o carmesim, se tornarão como a branca lã” (Isaías 1:16–18).

O amor supremo do Salvador foi expresso quando, em Sua agonia final, Ele exclamou: “(…) Pai, perdoa-lhes, porque não sabem o que fazem (…)” (Lucas 23:34).

Em nossa época, o Senhor revelou:

“Portanto digo-vos que vos deveis perdoar uns aos outros; pois aquele que não perdoa a seu irmão suas ofensas está em condenação diante do Senhor; pois nele permanece o pecado maior.

Eu, o Senhor, perdoarei a quem desejo perdoar, mas de vós é exigido que perdoeis a todos os homens” (D&C 64:9–10).

O Senhor fez uma promessa maravilhosa. Disse Ele: “Eis que aquele que se arrependeu de seus pecados é perdoado e eu, o Senhor, deles não mais me lembro” (D&C 58:42).

Existe tanta gente em nossos dias que não está disposta a perdoar e esquecer. Filhos choram e esposas vertem lágrimas porque pais e maridos continuam a trazer à tona pequenos defeitos que não têm realmente importância alguma. E também, há muitas mulheres que fazem uma tempestade em copo d’água por algo insignificante que tenha sido dito ou feito.

Algum tempo atrás eu recortei um artigo no jornal Deseret Morning News, escrito por Jay Evensen. Com a permissão dele, vou citar uma parte do artigo. Escreveu ele:

“Como você se sentiria em relação a um adolescente que resolvesse atirar um peru congelado de cinco quilos em um carro em movimento, diretamente no pára-brisa do carro que você estivesse dirigindo? Como se sentiria depois de enfrentar seis horas de cirurgia em que usassem placas de metal e outros materiais para refazer seu rosto, e depois ficar sabendo que ainda enfrentaria anos de terapia antes de voltar ao normal — e que você ainda devia considerar-se uma pessoa de sorte por não ter morrido nem sofrido uma lesão cerebral permanente?

E agora como se sentiria depois de descobrir que seu agressor e os amigos estavam com o peru, primeiro porque tinham roubado um cartão de crédito e feito compras só por desperdício, para se divertirem? (…)

Esse é o tipo de crime revoltante que elege políticos a cargos, com promessas de punirem os crimes com mais rigidez. É o tipo de coisa que instiga os legisladores a competir entre si, em uma contenda para ver quem será o primeiro a propor a nova lei para acrescentar punições contra o uso de aves congeladas na perpetração de um crime.

O jornal The New York Times citou um promotor público que declarou que esse é o tipo de crime para o qual as vítimas sentem que nenhuma punição é dura o bastante. ‘Nem a pena de morte os satisfaz’, disse ele.

O que torna tão incomum o acontecido? A vítima, Victória Ruvolo, de 44 anos de idade, ex-gerente de uma firma de cobranças, estava mais interessada em recuperar a vida de seu agressor de 19 anos de idade, Ryan Cushing, do que em exigir qualquer tipo de vingança. Ela importunou os promotores para conseguir informações a respeito dele, de sua vida, de como fora criado, etc. Depois, insistiu em oferecer-lhe um acordo. Ryan cumpriria uma pena de seis meses na cadeia e cinco anos em liberdade condicional desde que admitisse ser culpado de agressão em segundo grau.

Se ele tivesse sido condenado por agressão em primeiro grau — a acusação mais adequada para o crime — ele poderia cumprir uma pena de 25 anos na prisão e depois ser devolvido à sociedade como um homem de meia-idade sem profissão nem expectativas.

Mas isso é só metade da história. O resto dela, o que se passou no dia em que tudo isso aconteceu no tribunal, é que é a parte verdadeiramente extraordinária.

De acordo com um relato no jornal New York Post, Ryan com cautela e hesitação foi até onde Victória estava sentada na sala do tribunal e, com lágrimas nos olhos, sussurrou uma desculpa: ‘Sinto muito mesmo pelo que fiz à senhora’.

Victória levantou-se e vítima e agressor se abraçaram chorando. Ela acariciou-lhe a cabeça e afagou-lhe as costas enquanto ele soluçava, e testemunhas, inclusive um repórter do jornal Times, ouviram-na dizer: ‘Está tudo bem. Apenas quero que faça com que sua vida seja a melhor possível’. De acordo com relatos, austeros promotores e até repórteres, tiveram de conter as lágrimas.” (“Forgiveness Has Power to Change Future”, Deseret Morning News, 21 de agosto de 2005, p. AA3)

Que ótima história, e ainda melhor, porque ocorreu na vida real e ocorreu na implacável, velha Nova York. Quem consegue sentir algo que não seja admiração por essa mulher, que perdoou o rapaz que poderia ter-lhe tirado a vida?

Sei que é uma coisa delicada e sutil o que estou falando. Há criminosos insensíveis que talvez precisem ser encarcerados. Há crimes inimagináveis, como assassinato premeditado e estupro, que justificam penas severas. Mas há alguns que poderiam ser salvos de longos anos desperdiçados na prisão, devido a um ato impensado e tolo. De algum modo, o perdão, com amor e tolerância, realiza milagres que não aconteceriam de outra maneira.

A grande Expiação foi o supremo ato de perdão. A magnitude da Expiação está além de nossa capacidade de entender completamente. Sei apenas que ela ocorreu, e que foi por mim e por vocês. O sofrimento foi tão grande, a agonia tão intensa, que nenhum de nós pode compreender como é que o Salvador ofereceu a Si mesmo para pagar o preço da redenção dos pecados de toda a humanidade.

É por intermédio Dele que recebemos o perdão. É por intermédio Dele que existe a promessa segura de que, com a ressurreição dos mortos, toda a humanidade receberá as bênçãos da salvação. É por intermédio Dele e de Seu grande sacrifício extremo, que nos foi oferecida a oportunidade, por meio da obediência, da exaltação e vida eterna.

Que Deus nos ajude a ser um pouco mais bondosos, demonstrando maior paciência, perdoando mais, estando mais dispostos a caminhar a segunda milha, a estender a mão e erguer os que talvez tenham pecado, mas, que produziram frutos dignos de arrependimento, a colocar de lado antigos ressentimentos e não alimentá-los mais. Para isso, humildemente oro, no sagrado nome de nosso Redentor, o Senhor Jesus Cristo. Amém.