2009
Como Recuperar-se do Vício: Um Passo por Vez até a Cura
Junho de 2009


Como Recuperar-se do Vício: Um Passo por Vez até a Cura

No programa de recuperação de dependentes promovido pela Igreja, as vítimas de dependência aprendem a viver o milagre da recuperação contínua, por intermédio da Expiação de Jesus Cristo.

Há cerca de um ano, acordei entupido de drogas e álcool, dentro de um trailer, em algum lugar de Illinois, sem me lembrar de nada do que tinha feito. Só lembrava que estava em viagem de negócios e que, dez minutos após a aterrissagem, escapei do meu colega, fui direto para o bar e sumi por três dias. O segundo dia, quando eu devia voltar para casa, era o aniversário da minha filha. Isso faz só um ano.

Há um ano, Marcos (os nomes foram mudados) não sabia como vencer sua dependência das drogas e do alcoolismo. Já havia tentado parar. Tinha conversado com o bispo, procurado auxílio profissional, passado por centros de recuperação e exercido toda a força de vontade que tinha, mas nada disso resultara em uma mudança permanente. Pouco depois daquele momento crítico em Illinois, ele descobriu os doze passos do programa de recuperação de dependentes, patrocinado pelos Serviços Familiares SUD da Igreja. No programa, encontrou os princípios e a orientação que mudariam sua vida.

A mudança ocorreu à medida que ele foi estudando e aplicando os princípios ensinados no manual do programa e nas reuniões semanais de recuperação. O manual conduz o leitor à recuperação usando doze passos, cada qual abordando um princípio essencial de recuperação, como a honestidade, a esperança ou a confiança em Deus. Nas reuniões semanais, os participantes podem ser fortalecidos por outras pessoas e compartilhar suas experiências pessoais de aplicação prática dos princípios.

Marcos aprendeu que a jornada da dependência até a recuperação é muito difícil, mas o fato de conhecer pessoas que já trilharam esse caminho dá esperanças para os que se debatem com esse problema. Em cada reunião, um facilitador — alguém que já conseguiu recuperar-se — encoraja os outros, compartilhando coisas que aprendeu em sua própria recuperação. Marcos agora é um facilitador. Todas as semanas, ele compartilha suas experiências pessoais (incluídas neste artigo em itálico) para ajudar outras pessoas a compreenderem que não estão sozinhas, e que o vício pode ser vencido.

A Armadilha da Dependência

A cada recaída, eu dizia: “Desta vez vai ser diferente. Por favor, Senhor, me ajuda. Não quero que isso faça parte da minha vida”. Mas continuava a fazer.

Marcos era um membro ativo da Igreja. Jamais imaginara que cairia na armadilha do vício. O cumprimento dos padrões da Igreja, como a Palavra de Sabedoria, mantém os membros a salvo de muitas coisas que causam dependência, mas num mundo em que as influências nocivas estão cada vez mais difundidas, o vício é um problema cada vez maior, até entre os santos dos últimos dias. Embora Marcos tivesse problemas com bebidas alcoólicas e drogas, a dependência não se limita ao abuso de substâncias prejudiciais. Pode incluir os jogos de azar, a pornografia, distúrbios alimentares, conduta sexual imprópria e dependência excessiva de outra pessoa.

Em toda reunião de recuperação, pode haver pessoas com diversos tipos de dependência. Mateus, por exemplo, era viciado em medicamentos. A princípio, ele havia tomado medicamentos para uma lesão nas costas, mas depois que a lesão sarou, ele mentiu e até chegou a roubar para conseguir mais medicamentos. Mateus, que servia como conselheiro no bispado, foi parar na cadeia, de terno, certo domingo, quando deveria estar dirigindo a reunião sacramental. Foi nesse momento que ele se deu conta de que precisava de ajuda.

Em alguns lugares, há grupos especificamente criados para tratar de problemas com pornografia. Carlos, que frequenta regularmente um desses grupos, diz que a princípio não se dava conta de que seu hábito era um vício. “De modo algum eu compraria uma revista pornográfica, mas era muito fácil ver essas coisas na Internet”, diz ele. Ele percebeu que tinha que mudar quando seu casamento estava prestes a ruir.

Entrar no Programa

Minha incapacidade de reconciliar meu testemunho com meu comportamento, juntamente com a incapacidade de abandonar o vício, fez com que minha vergonha se tornasse insuportável. Por fim, dispus-me a tentar algo diferente.

Uma frase muito repetida pelos participantes do programa é a de que a pessoa procura a recuperação “quando a dor causada pelo problema se torna maior do que a dor infligida pela solução.” Quando Marcos chegou a esse ponto, aceitou a sugestão de um amigo e foi a uma reunião SUD de recuperação de dependências. Algumas pessoas decidem vir por conta própria, outras são incentivadas a frequentar as reuniões por amigos ou líderes do sacerdócio. Outras ainda foram intimadas por um tribunal a participar das reuniões de recuperação de doze passos.

Muitas se sentem relutantes em participar de uma reunião por terem vergonha de seu problema. Em seu trabalho como missionária de serviço da Igreja, Suzanne se maravilha com a mudança que ocorre na vida dos participantes. “Quando eles começam a vir para as reuniões”, diz ela, “geralmente ficam com a cabeça baixa. Sentem-se envergonhados e cheios de culpa e medo. Depois de umas poucas semanas, eles erguem a cabeça com renovada esperança. Percebem que não estão sozinhos em sua luta”.

Os missionários de serviço da Igreja estão prontos a dar as boas-vindas aos participantes e oferecer-lhes esperança e incentivo. Os participantes enfocam um passo diferente do manual a cada semana, e os facilitadores compartilham suas próprias experiências referentes àquele passo. As pessoas que quiserem compartilhar algo sobre sua recuperação se apresentam apenas com o primeiro nome. Uma reunião sempre inclui o lembrete do princípio do anonimato e da confidencialidade, que são essenciais para criar um ambiente seguro.

Um aspecto importante das reuniões é o de que os participantes estão em um local no qual podem sentir novamente o Espírito. Podem fazer uma oração e prestar testemunho, mesmo que suas ações e decisões os tenham levado a ser desassociados ou excomungados. Esse ambiente espiritual dá muita força aos participantes, enquanto eles se concentram nos doze passos.

Passos para a Recuperação

O esforço para seguir os passos desse programa simplificou o evangelho de modo que eu pudesse aplicar o testemunho que sempre tive.

Como Marcos descobriu, os passos do programa de recuperação de dependências são um meio sistemático de implementar os princípios do evangelho. Os doze passos são uma adaptação dos Doze Passos dos Alcoólatras Anônimos, mas o programa da Igreja é especial porque coloca os passos dentro de uma “estrutura de doutrinas e crenças da Igreja”.1 No programa de recuperação de dependências, os doze passos são, na verdade, passos para acessar o poder da Expiação.

O manual Programa de Recuperação de Dependências: Guia para a Recuperação e Cura da Dependência (código 36764 059) explica os doze passos e os princípios a eles associados. Cada passo tem uma seção de estudo das escrituras, com perguntas para ponderar e espaço para escrever. Um participante diz que a abordagem direta dos doze passos lhe deu esperança. Quando Cesar acordou de um coma causado por overdose de drogas, seu casamento e sua carreira profissional chegaram ao fim. Ele se perguntou como conseguiria colocar sua vida em ordem novamente. “Com o evangelho dividido em doze pequenos passos, eu conseguiria fazê-lo”, diz ele.

Muitos dizem que os passos quatro e cinco, que enfocam um inventário pessoal e a confissão, são os mais desafiadores. Mas isso depende de cada pessoa. Paula, que tinha problemas com apetite compulsivo e dependência excessiva de seus relacionamentos pessoais, teve mais dificuldade com o passo oito — perdoar e reatar relacionamentos — quando tentou perdoar seu pai que a maltratava. Ela diz hoje: “Não tenho como expressar o quanto sou grata por esse milagre em minha vida, o milagre de amar e perdoar”.

Esperança na Expiação

A mudança que aconteceu comigo é que já não me sinto miserável o tempo todo. Às vezes, não é fácil. Talvez o Senhor não considere adequado tirar todo o fardo de mim agora, mas Ele me fortalece para que eu possa suportar com paciência e bom ânimo, de modo a poder progredir. Ele só o alivia o suficiente para que eu aprenda o máximo possível.

O evangelho ensina que a graça vem por meio da Expiação de Jesus Cristo (ver Éter 12:27). A graça é o poder que torna possível a recuperação. Ela é o “meio pelo qual Deus nos concede ajuda e forças” para fazermos as boas obras que não conseguiríamos realizar ou manter por nós mesmos.2

Suzanne, que também já passou pelo programa antes de tornar-se missionária de serviço da Igreja, diz: “Eu sabia que Deus poderia dizer-me o que fazer, mas não imaginava que Ele fosse me ajudar a fazê-lo. Agora compreendo a graça que vem por meio da Expiação de Jesus Cristo”.

Por meio da graça, os participantes readquirem a esperança que haviam perdido. Um participante, Eduardo, cresceu na Igreja, mas as inseguranças de sua infância o deixaram sentindo que ele não era tão bom como as outras pessoas. Ele diz: “Eu não compreendia a Expiação, não me amava, portanto nada importava de verdade”. Quando tinha seus vinte e poucos anos, começou a beber e a usar drogas, numa tentativa de amenizar seus sentimentos negativos, um padrão de conduta que prosseguiu por vinte anos.

Quando foi preso pela segunda vez por dirigir embriagado, ele foi intimado a receber tratamento. No programa da Igreja, ele aprendeu que era possível receber o perdão e recuperar o senso de respeito próprio. Passou a frequentar a Igreja todos os domingos, estudou os doze passos e aplicou esses princípios e ações do evangelho em sua vida. Dispos-se a entregar sua vida ao Pai Celestial e, nesse processo, aprendeu a amar a si mesmo e a permitir que a Expiação agisse em sua vida. “Não conseguia vencer essas coisas por mim mesmo”, diz ele. “O Salvador pode fazer por mim o que não consigo fazer sozinho.”

As vítimas de dependência não são as únicas que podem sentir uma mudança vigorosa: os entes queridos descobrem que, à medida que aplicam os doze passos em sua própria vida e frequentam as reuniões de recuperação, podem sentir as bênçãos da Expiação em relação a seu próprio sofrimento. Em alguns lugares, o programa de recuperação de dependências provê grupos de apoio para familiares e amigos, que descobrem que o Salvador pode curá-los da dor, raiva e culpa que às vezes acometem os entes queridos.

Quando Débora ficou sabendo que seu filho era dependente de drogas, foi acometida por sentimentos de culpa, ao refletir sobre como poderia ter sido uma mãe melhor. Então, ela descobriu que poderia aplicar os passos a sua própria vida. Ela diz: “O que aprendi no programa é que, a despeito de como meu filho esteja agindo no momento, ainda assim posso ser feliz e ter o Pai Celestial em minha vida”. Ela acrescenta: “Por fora, pareço a mesma, mas minha vida mudou completamente por dentro”.

Sheila, cujo marido lutava contra o vício da pornografia, frequentou o grupo de apoio para cônjuges. Ao participar, ela notou uma mudança nela mesma também. A princípio, ela se concentrava na dor que sentia pelo vício do marido. Mas depois, à medida que começou a aprender e aplicar os passos, uma milagrosa mudança aconteceu. Ela diz: “Comecei a falar cada vez menos de meu marido e mais do que eu tinha aprendido a cada passo. Comecei a ver como o Senhor estava agindo em minha vida”.

A Meta Final

No passado, eu era capaz de abster-me por algum tempo. Voltava a ter uma boa situação na Igreja e a servir nos chamados, e todos me diziam que eu era uma ótima pessoa. Mas eu não me sentia assim por dentro; e é por isso que a abstinência é apenas parte do problema. A verdadeira recuperação significa não fazer e não querer fazer, porque nossa natureza mudou.

Marcos aprendeu que, por meio da Expiação, as pessoas podem não apenas interromper sua conduta de dependência, mas também curar as causas de seu vício. E com a ajuda de seus líderes do sacerdócio, elas podem arrepender-se e receber novamente as bênçãos do evangelho em sua vida. Doug LeCheminant, dos Serviços Familiares SUD, esclarece o objetivo do programa: “Nossa meta final para os que participam do programa é a de que sejam capazes de fazer e cumprir os convênios do templo, e não apenas que se mantenham sóbrios”. Os mais doces frutos são a reativação, o batismo ou rebatismo, o avanço no sacerdócio, as ordenanças do templo e a restauração das bênçãos.

Mateus, que já esteve na cadeia de terno, diz: “Estou hoje puro e sóbrio por causa de meu Pai Celestial e dos doze passos”. Sua atividade na Igreja é particularmente significativa para ele. “Sou pai. Sou consultor do quórum de sacerdotes. Também sou facilitador, porque quero retribuir ao programa o que me foi concedido tão abundantemente.”

Manter a Recuperação Dia a Dia

Todos os dias busco meu Pai Celestial em oração e por meio das escrituras. Pela manhã, leio livros sobre recuperação e escrevo meus sentimentos e impressões. Ligo para uma pessoa de apoio do programa para ajudar a clarear meus pensamentos.Vou para as reuniões. Procuro servir. E nunca mais tive uma recaída nos dias em que fiz essas coisas.

Essas tarefas diárias mantêm Marcos espiritualmente bem. Outros que passaram pelo programa descobriram essa mesma verdade: é preciso esforço contínuo para manter as forças espirituais. Ninguém está completamente livre de uma recaída, mas vivendo o evangelho diariamente, as pessoas que lutam contra a dependência se achegam a Cristo e recebem forças e esperança.

“Estou aprendendo pouco a pouco, preceito sobre preceito”, diz Marcos. “Minha natureza está mudando, e é a primeira vez, desde que isso começou, que posso dizer que tenho esperança. Eu realmente acredito que nunca mais preciso ter outra recaída.”

Notas

  1. James E. Faust, “O Poder de Mudar” A Liahona, novembro de 2007, p. 124.

  2. Ver Bible Dictionary, “Grace”, p. 697; ver também Guia para Estudo das Escrituras, “Graça”, p. 93.

Graça é o poder que vem por intermédio da Expiação de Jesus Cristo e torna a recuperação possível. Por meio da graça, os participantes do programa de recuperação readquirem a esperança que perderam.

A Escalada, de David Edward Linn, cortesia do Museu de História da Igreja.

Cristo no Getsêmani, de Heinrich Hofmann, cortesia de C. Harrison Conroy Co.; fotografia: Busath Photography

Ilustrações fotográficas: Craig Dimond e David Stoker, posadas por modelos; A Escalada, de David Edward Linn, cortesia do Museu de História da Igreja