2011
O Poder de Cura
Março de 2011


O Poder de Cura

O Salvador pode curar corações magoados, a incompreensão e o ódio, caso nos voltemos para Sua palavra e para a Expiação.

Elder Yoshihiko Kikuchi

Em agosto de 1978, recebi a designação de assistir a uma conferência de estaca em Seul, Coreia do Sul. Após a reunião de liderança do sacerdócio, eu estava no corredor quando uma irmã de cerca de 60 anos de idade sussurrou em japonês em meu ouvido: “Não gosto de japoneses”.

Fiquei chocado e surpreso. Virei-me e respondi em japonês: “Lamento que a senhora sinta isso”. Fiquei curioso para saber o que ela poderia ter passado na vida para ter aqueles sentimentos. Que mal meu povo fizera ao dela?

Em meu discurso na sessão noturna da conferência da estaca, falei da Expiação do Salvador e de Seu grande sacrifício. Contei aos membros da estaca a história de Néfi e de como o Espírito do Senhor o conduzira a uma montanha elevada. Lá ele viu a árvore da vida, que seu pai, Leí, tinha visto, e viu também o menino Jesus (ver 1 Néfi 11:1–20). Então um anjo lhe perguntou se ele sabia o significado da árvore que seu pai tinha visto.

Néfi respondeu: “Sim, é o amor de Deus, que se derrama no coração dos filhos dos homens; é, portanto, a mais desejável de todas as coisas”. O anjo acrescentou: “Sim, e a maior alegria para a alma” (1 Néfi 11:22–23).

O amor de Deus pode nos ajudar a superar todo preconceito e incompreensão. Somos verdadeiramente filhos de Deus e podemos levar Seu amor em nossa alma se assim o desejarmos.

Salvador, eu quero amar-te,

Em tua senda quero andar,

Socorrer o irmão aflito,

Minha força em ti buscar.1

Não Me Entrego a Julgamentos

Sem ter planejado, comecei a falar de minha ligação com o povo coreano. Contei à congregação que eu fora criado com nove primos coreanos. Eles nos visitavam e meus irmãos e eu também íamos à casa deles. Eu comia pratos da culinária coreana e aprendi músicas coreanas. Minha tia casou-se com um maravilhoso homem coreano. Eles criaram os filhos no Japão, na mesma cidade onde me criei.

No meio de meu discurso, pedi a alguém que tocasse piano enquanto eu cantava uma canção folclórica coreana com o Presidente Ho Nam Rhee, o primeiro presidente de estaca da Coreia do Sul. Em seguida, pedi ao Presidente Rhee que me ajudasse a cantar o hino nacional coreano, embora eu não o tivesse cantado desde a infância. Fazia muito tempo que eu aprendera o hino com meu tio coreano, mas a letra me voltou à memória. Então pedi à congregação que cantasse comigo. Todos se levantaram e cantaram seu belo hino nacional. Muitos choraram, e foi difícil para mim cantar. Reinou um espírito doce e maravilhoso.

Eu disse aos membros da estaca que, assim como eu amava meus primos coreanos, também os amava, porque somos todos filhos de Deus, porque somos todos irmãos no evangelho, e por causa do amor de Deus (ver 1 Néfi 11:22, 25). Todos sentimos esse amor eterno, e quase todos na congregação choraram. Eu lhes disse: “Amo vocês como irmãos no evangelho”.

Após o fim da sessão noturna, os membros da estaca fizeram uma longa fila para me cumprimentar. A última pessoa da fila era aquela irmã coreana de 60 anos, que veio falar comigo com lágrimas nos olhos e pediu perdão. O Espírito do Senhor estava forte. As asas curadoras do Salvador transportaram todos nós, e o espírito da paz falou à congregação. Senti-me como um deles.

Não me entrego a julgamentos,

Imperfeito sou também

Nos recônditos da alma,

Dores há que não se veem.

Sua Mensagem Mudou Meu Modo de Pensar

Fui chamado membro dos Setenta em 1977. Desde aquela época, tive o privilégio de visitar centenas de estacas. Ao fim de uma reunião de liderança do sacerdócio em Taylorsville, Utah, um homem corpulento aproximou-se de mim e sussurrou que seu irmão fora morto na Segunda Guerra Mundial e que por isso ele odiava o povo japonês. Contudo, depois da conferência, o mesmo homem me procurou com lágrimas nos olhos. Chorando de alegria, deu-me um abraço, porque contei a história de minha conversão e declarei meu amor pela América, e isso o emocionou.

Em outra ocasião, numa conferência de estaca em Geórgia, EUA, uma irmã veio contar-me que perdera o pai na Segunda Guerra Mundial. Mas depois da reunião, ela me disse: “Preciso pedir-lhe desculpas. Como meu pai foi morto por japoneses, durante muito tempo alimentei ódio no coração”. Em seguida, ela disse: “Você nos contou que seu pai também foi morto durante a guerra, mas depois você aceitou o evangelho, o que mudou sua vida. E agora nos diz que nos ama. Estou com vergonha de mim mesma. Embora eu tenha nascido na Igreja, senti ódio por seu povo até hoje. Mas sua mensagem mudou meu modo de pensar”.

Tive diversas experiências parecidas e conheci muitas pessoas; e, graças ao evangelho, podemos amar e compreender uns aos outros.

Todo o Meu Sentimento de Culpa Se Foi

Alguns anos depois, num serão realizado após uma visita a Adão-ondi-Amã, o supervisor dos missionários de serviço da área pediu-me que relatasse a história de minha conversão. Atendi ao pedido e agradeci aos casais presentes por terem preparado os filhos para servir missão e, por assim dizer, terem-nos enviado à minha porta.

Ao apertar a mão dos irmãos e preparar-me para ir embora, o supervisor pronunciou-se. “Antes de encerrarmos esta reunião”, disse ele, “tenho uma confissão pessoal a fazer”. Não me lembro das palavras exatas, mas ele disse, em essência:

“Como sabem, servi meu país como fuzileiro naval dos Estados Unidos quando jovem. Em minhas atividades, matei muitos soldados japoneses. Eu acreditava ter servido fielmente ao meu país, mas por muitos anos, sempre que via orientais, particularmente japoneses, sentia-me profundamente deprimido. Às vezes nem conseguia realizar as atividades cotidianas. Conversei com autoridades da Igreja e falei de meus sentimentos com terapeutas profissionais.

“Hoje, quando vi o Élder e a irmã Kikuchi e o filho deles, algumas lembranças vieram à tona. Mas depois ouvi o Élder Kikuchi prestar testemunho, contar a história de sua conversão e falar de seu amor pelo Senhor, pelo evangelho e por todos nós. Ele contou que antes odiava os americanos e os soldados americanos, mas o evangelho transformara sua vida por meio do poder de cura do Senhor. Ao ouvir isso, parecia que eu escutava também a voz do Senhor dizendo: ‘Acabou. Tudo está bem’.”

Ele estendeu as mãos, ergueu-as e disse, com lágrimas nos olhos: “Todo o meu sentimento de culpa se foi. Meu fardo foi retirado!”

Ele foi até onde eu estava e me abraçou. Em seguida, minha mulher e a dele se aproximaram e todos nos abraçamos e choramos.

Aprendi que o Salvador pode curar corações magoados, a incompreensão e o ódio, caso nos voltemos para Sua palavra e para a Expiação. Ele nos cura exatamente como curou os israelitas das mordidas de serpente (ver Números 21:8–9; 1 Néfi 17:41; Alma 33:19–21). É a “agradável palavra de Deus, (…) que cura a alma ferida” (Jacó 2:8), e é “pelas suas pisaduras [que] fomos sarados” (Isaías 53:5; ver também Mosias 14:5).

Cuidarei do irmão que sofre,

Sua dor consolarei

E ao fraco e ferido

Meu auxílio estenderei.

Vou Dar-lhes Dez Minutos

Nasci numa pequena comunidade na ilha de Hokkaido, no norte do Japão. Quando eu tinha cinco anos de idade, meu pai foi morto por um ataque de um submarino americano. Quando criança, sentia rancor contra os americanos. Cresci assim, sem saber exatamente o que provocara a guerra.

Quando terminei o ensino fundamental, minha família era pobre. Minha mãe não tinha condições de mandar-me para o curso médio, por isso decidi trabalhar a fim de poder continuar a estudar. Não havia trabalho em nossa cidadezinha, mas achei um emprego para produzir tofu (queijo de soja) a nove horas de distância de casa, em Muroran, onde minha mãe se criara.

Todos os dias em Muroran eu me levantava antes das 4h30, fazia tofu até o meio-dia e depois fazia entregas em várias lojas até as 18 horas. Depois do trabalho, tomava banho, trocava de roupa e corria para a escola noturna. Voltava para casa por volta das 22h30 e pulava na cama às 23 horas. Por causa da rotina exaustiva, logo perdi toda a energia e adoeci.

Eu morava na casa de um comerciante de tofu, mas pedi demissão e fui morar com meu tio para poder terminar meu primeiro ano do curso médio. Mesmo tomando remédios, continuava doente. Não sabia mais o que fazer. Fiquei desesperado e achei que estava morrendo. Orei com fervor, dizendo: “Se houver um Deus, abençoa-me para eu me recuperar”. Em seguida, disse uma coisa um tanto presunçosa: “Se eu for curado, quero retribuir-Lhe”.

Na época em que eu morava na casa de meu tio, dois estrangeiros bateram à porta certa noite. Eram missionários da Igreja de Jesus Cristo dos Santos dos Últimos Dias. Um deles, o Élder Law, que era o missionário sênior, tinha sido criado numa fazenda em St. Anthony, Idaho, EUA; o outro, o Élder Porter, vinha de Salt Lake City. Fazia frio, chovia e já quase havia anoitecido, e eles estavam prestes a ir para casa. Mas por algum motivo persistiram e continuaram fazendo contatos porta a porta.

Quando chegaram a minha casa, eu estava sozinho. Abri a porta e disse logo: “Não, obrigado”.

Os rapazes foram humildes e persistentes, mas repeti: “Não, obrigado”. Em seguida, acrescentei: “Vocês mataram meu pai”. Eu ainda guardava rancor.

Sem se deixar abater, o élder de Idaho perguntou minha idade. Eu disse: “O que minha idade tem a ver com isso? Por favor, vão embora”.

Ele replicou: “Quero contar-lhe a história de um menino de sua idade que viu seu Pai Celestial e seu Salvador, Jesus Cristo. Queremos relatar essa história”.

Retruquei: “Vou dar-lhes dez minutos”.

Aqueles dez minutos tocaram profundamente meu coração e mudaram minha vida. A história contada pelos missionários era profunda e bela. Aprendi que eu era um filho de Deus e que estivera com Ele. Os missionários vinham todos os dias, pois eu estava enfermo.

Durante nossos encontros, os missionários me ensinaram o belo evangelho da Restauração. O evangelho me deu esperança e vontade de viver. Algumas semanas depois de os missionários baterem à minha porta, fui batizado.

Quero amar meu semelhante,

Como tu amaste a mim

Dá-me forças, ó meu Mestre,

Para ser teu servo enfim.

Quero amar meu semelhante

Sim, eu te seguirei.

O poder de cura de Deus é magnífico, profundo e belo. Agradeço a Ele por Sua misericórdia, Seu amor e Sua milagrosa cura celeste. Agradeço a Ele pela realidade da Expiação do Salvador, que, por Sua Graça, “provê o poder de limpar os pecados, de curar e de conceder vida eterna”.2

Testifico que as palavras de Alma para Zeezrom no Livro de Mórmon são verdadeiras: “Se crês na redenção de Cristo, podes ser curado” (Alma 15:8).

Notas

  1. “Sim, Eu Te Seguirei”, Hinos, nº 134.

  2. L. Tom Perry, “Trazei Almas a Mim”, A Liahona, maio de 2009, p. 109.

Cristo, o Consolador, de Carl Heinrich Bloch; Cristo Curando um Cego, de Sam Lawlor

Detalhe de Moisés e a Serpente de Metal, de Sébastien Bourdon; ilustração fotográfica de David Stoker

Detalhe de A Crucificação, de Carl Heinrich Bloch, usado com permissão do Museu Histórico Nacional do Castelo de Frederiksborg, em Hillerød, Dinamarca; ilustração fotográfica de David Stoker