2017
Nosso Bom Pastor
Maio de 2017


Nosso Bom Pastor

Jesus Cristo, nosso Bom Pastor, alegra-Se ao ver Suas ovelhas doentes progredirem até que sejam curadas.

Adquirimos um vislumbre do caráter de nosso Pai Celestial à medida que reconhecemos a imensa compaixão que Ele tem pelos pecadores e valorizamos a distinção que Ele faz entre o pecado e aqueles que pecam. Esse vislumbre nos ajuda a ter um “[entendimento correto] de Sua personalidade, perfeição e atributos”1 e é fundamental para o exercício da fé que temos Nele e em Seu Filho, Jesus Cristo. A compaixão do Salvador diante de nossas imperfeições nos conduz a Ele e nos motiva a arrepender-nos e a imitá-Lo em nossos constantes desafios. Quando nos tornamos mais semelhantes a Ele, aprendemos a tratar o próximo como Ele trata, a despeito de qualquer característica ou comportamento externos.

O impacto de se distinguir entre as características externas de uma pessoa e a pessoa em si é o ponto central do romance Os Miseráveis, do autor francês Victor Hugo.2 No início do romance, o narrador apresenta Bienvenu Myriel, o bispo de Digne, e aborda um dilema enfrentado por ele. Deveria ele visitar um homem que é um ateu confesso e desprezado na comunidade devido a seu comportamento passado na Revolução Francesa?3

O narrador afirma que o bispo naturalmente podia sentir uma profunda aversão pelo homem. Em seguida, o narrador faz uma simples pergunta: “Por acaso, a sarna da ovelha deve afastar o pastor?”4 Respondendo pelo bispo, o narrador dá uma resposta definitiva: “Não”, e então acrescenta um comentário bem-humorado: “Mas que ovelha era aquela!”5

Nessa passagem, Victor Hugo compara a “perversidade” do homem com a doença de pele que tinham as ovelhas, e compara o bispo com um pastor que não se retira quando se depara com uma ovelha que está doente. O bispo é solidário e, posteriormente no romance, demonstra semelhante compaixão por outro homem, o protagonista do romance, um desprezado ex-presidiário, Jean Valjean. A misericórdia e a empatia do bispo motivam Jean Valjean a mudar o rumo de sua vida.

Uma vez que nas escrituras Deus usa a doença como uma metáfora para o pecado, é justo perguntar: “Como Jesus Cristo reage quando se depara com nossas doenças metafóricas — nossos pecados?” Afinal, o Salvador disse que Ele “não [pode] encarar o pecado com o mínimo grau de tolerância”;6 então, como Ele pode olhar para nós, imperfeitos como somos, sem Se afastar com repulsa e aversão?

A resposta é simples e clara. Sendo o Bom Pastor,7 Jesus Cristo enxerga a doença em Suas ovelhas como uma condição em que necessitam de tratamento, de cuidado e de compaixão. Esse pastor, nosso Bom Pastor, alegra-Se ao ver Suas ovelhas doentes progredirem até que sejam curadas.

O Salvador previu que Ele, como pastor, “[apascentaria] o seu rebanho”,8 “a perdida [buscaria], (…) a desgarrada [tornaria] a trazer, (…) a quebrada [ataria], e a enferma [fortaleceria]”.9 Embora a Israel apóstata tenha sido retratada como sendo consumida por “feridas, e inchaços, e chagas podres” imorais,10 o Salvador incentivou, exortou e prometeu cura.11

O ministério mortal do Salvador foi verdadeiramente caracterizado pelo amor, pela compaixão e pela empatia. Ele não andou desdenhosamente pelas estradas empoeiradas da Galileia e da Judeia, esquivando-se ao ver pecadores. Ele não Se desviava deles com extrema repulsa. Não, Ele comeu com eles.12 Ele ajudou, abençoou, elevou, edificou e substituiu o medo e o desespero pela esperança e pela alegria. Como o verdadeiro pastor que é, Ele nos busca e nos encontra para oferecer alívio e esperança.13 Compreender Sua compaixão e Seu amor nos ajuda a exercer fé Nele — para nos arrependermos e sermos curados.

O evangelho de João registra o efeito da empatia do Salvador por um pecador. Os escribas e os fariseus levaram ao Salvador uma mulher apanhada em adultério. Os acusadores insinuaram que ela deveria ser apedrejada, em conformidade com a lei de Moisés. Jesus, em resposta ao insistente questionamento, disse-lhes finalmente: “Aquele que dentre vós está sem pecado seja o primeiro que atire pedra contra ela”.

Os acusadores saíram; “ficaram só Jesus e a mulher, que estava no meio”.

E Jesus, “não vendo ninguém mais do que a mulher, disse-lhe: Mulher, onde estão aqueles teus acusadores? Ninguém te condenou?

E ela disse: Ninguém, Senhor. E disse-lhe Jesus: Nem eu também te condeno; vai-te, e não peques mais”.14

Jesus certamente não tolerava o adultério. Mas Ele também não condenou a mulher. Ele a incentivou para que ela mudasse a vida dela. Ela foi motivada a mudar por causa de Sua compaixão e de Sua misericórdia. A tradução de Joseph Smith da Bíblia atesta seu decorrente discipulado: “E a mulher glorificou a Deus a partir daquela hora, e creu no nome dele”.15

Embora Deus tenha empatia, não devemos erroneamente acreditar que Ele seja tolerante ou liberal com o pecado. Ele não é. O Salvador veio à Terra para nos salvar de nossos pecados e, sobretudo, não vai nos salvar em nossos pecados.16 Zeezrom, um hábil interrogador, tentou certa vez enganar Amuleque ao perguntar: “Salvará ele seu povo em seus pecados? E Amuleque respondeu-lhe e disse-lhe: Digo-te que ele não salvará, porque lhe é impossível negar sua própria palavra. (…) Ele não pode salvá-los em seus pecados”.17 Amuleque falou uma verdade fundamental: para sermos salvos de nossos pecados, devemos aceitar “as condições do arrependimento”, que conduz ao poder do Redentor para a salvação de nossa alma.18

A compaixão, o amor e a misericórdia do Salvador nos conduzem a Ele.19 Por meio de Sua Expiação, já não nos sentimos realizados com nosso estado pecaminoso.20 Deus é claro em relação ao que é correto e aceitável a Ele e ao que é errado e pecaminoso. Isso não acontece porque Ele deseja ter discípulos irracionais e cegos. Não, nosso Pai Celestial deseja que Seus filhos consciente e prontamente decidam tornar-se semelhantes a Ele21 e qualifiquem-se para o tipo de vida que Ele desfruta.22 Dessa forma, Seus filhos cumprem seu destino divino e tornam-se herdeiros de tudo o que Ele possui.23 Por esse motivo, os líderes da Igreja não podem alterar os mandamentos ou a doutrina de Deus, agindo de modo contrário à vontade Dele a fim de serem populares ou convenientes.

No entanto, em nossa jornada contínua para seguir a Jesus Cristo, Seu exemplo de bondade para com aqueles que pecam é particularmente instrutivo. Nós, que somos pecadores, devemos, assim como o Salvador, estender a mão para outras pessoas com compaixão e com amor. Nosso papel também é auxiliar, abençoar, elevar, edificar e substituir o medo e o desespero pela esperança e pela alegria.

O Salvador repreendeu as pessoas que se afastavam das que eram vistas como imundas e as que julgavam com superioridade outras pessoas como sendo mais pecadoras do que elas.24 Essa foi a ênfase do Salvador direcionada “a alguns que de si mesmos confiavam que eram justos, e desprezavam os outros”. Ele contou esta parábola:

“Dois homens subiram ao templo para orar: um fariseu, e o outro, publicano.

O fariseu, estando em pé, orava consigo desta maneira: Ó Deus, graças te dou, porque não sou como os demais homens, roubadores, injustos e adúlteros; nem ainda como este publicano.

Jejuo duas vezes na semana, e dou os dízimos de tudo quanto possuo.

O publicano, porém, estando em pé, de longe, nem ainda queria levantar os olhos ao céu, mas batia em seu peito, dizendo: Ó Deus, tem misericórdia de mim, pecador!”

Jesus então concluiu: “Digo-vos que este desceu justificado para sua casa, e não aquele; porque qualquer que a si mesmo se exalta será humilhado, e qualquer que a si mesmo se humilha será exaltado”.25

A mensagem para nós é clara: um pecador arrependido se aproxima mais de Deus do que a pessoa presunçosa que condena o pecador.

A tendência humana de sermos presunçosos e críticos também estava presente na época de Alma. À medida que “começaram a organizar a igreja mais plenamente, (…) o povo da igreja começou a tornar-se orgulhoso, (…) o povo da igreja começava a engrandecer-se no orgulho de seus olhos (…)[,] eles começavam a desdenhar uns dos outros e a perseguir os que não acreditavam segundo sua própria vontade e prazer”.26

A perseguição era expressamente proibida: “Ora, havia entre o povo da igreja uma lei severa que proibia a qualquer homem que pertencesse à igreja perseguir aqueles que não pertencessem à igreja; e proibia perseguições entre eles mesmos”.27 O princípio orientador para os santos dos últimos dias é o mesmo. Não devemos ser culpados de perseguir qualquer pessoa, dentro ou fora da Igreja.

As pessoas que foram perseguidas por qualquer motivo sabem o que é injustiça e intolerância. Na adolescência, morando na Europa na década de 1960, senti que estava sendo repetidamente criticado e maltratado devido ao fato de ser americano e de ser membro da Igreja. Alguns de meus colegas de escola me tratavam como se eu fosse pessoalmente responsável por normas estrangeiras impopulares dos Estados Unidos. Também fui tratado como se minha religião fosse uma afronta para as nações em que morei, pois diferia da religião patrocinada pelo Estado. Posteriormente, em vários países no mundo todo, tive pequenos vislumbres da hediondez do preconceito e da discriminação sofrida por aqueles que são marcados por causa de sua raça ou de sua etnia.

A perseguição vem de muitas formas: zombaria, assédio, intimidação, exclusão e isolamento ou ódio para com outras pessoas. Precisamos nos proteger contra a intolerância, que levanta sua repulsiva voz contra aqueles que possuem opiniões diferentes. A intolerância se manifesta, em partes, na recusa em permitir equivalente liberdade de expressão.28 Todas as pessoas, inclusive as que possuem uma religião, têm o direito de expressar sua opinião em praça pública. Mas ninguém tem o direito de ser cruel em relação aos outros quando essas opiniões são expressas.

A história da Igreja oferece ampla evidência de nossos membros sendo tratados com ódio e com intolerância. Que irônico e triste seria se tratássemos outras pessoas do mesmo modo como fomos tratados. O Salvador ensinou: “Tudo o que vós quereis que os homens vos façam, fazei-o também vós a eles”.29 Para exigir respeito, precisamos ser respeitosos. Além disso, nossa genuína conversão traz “mansidão e humildade”, que convidam o “Espírito Santo”, o qual nos enche de “perfeito amor”30, uma “caridade fraternal, não fingida”31 por outras pessoas.

Nosso Bom Pastor é imutável e tem o mesmo sentimento hoje sobre o pecado e sobre os pecadores como quando viveu na Terra. Ele não Se afasta de nós porque pecamos mesmo que Ele, ocasionalmente, possa pensar: “Mas que ovelha era aquela!” Ele nos ama tanto que preparou uma maneira de nos arrependermos e de nos tornarmos limpos para que retornemos a Ele e a nosso Pai Celestial.32 Por ter feito isso, Jesus Cristo também deixou o exemplo para seguirmos: demonstrar respeito a todos e não demonstrar ódio por ninguém.

Sendo Seus discípulos, que reflitamos plenamente sobre Seu amor e amemos uns aos outros aberta e completamente de modo que ninguém se sinta abandonado, solitário ou sem esperança. Testifico que Jesus Cristo é nosso Bom Pastor, que nos ama e Se preocupa conosco. Ele nos conhece e deu Sua vida por Suas ovelhas.33 Ele também vive por nós e deseja que O conheçamos e que exercitemos fé Nele. Eu O amo e O adoro, e sou profundamente grato por Ele. Em nome de Jesus Cristo. Amém.

Notas

  1. Lectures on Faith [Dissertações sobre a Fé], 1985, p. 38.

  2. O romance Os Miseráveis, de Victor Hugo (1802–1885), conta a história de Jean Valjean, que cometeu um crime insignificante ao roubar um pedaço de pão para alimentar a família de sua irmã. Condenado a passar cinco anos na prisão, Valjean passou 19 anos fazendo trabalho pesado por causa de quatro tentativas malsucedidas de fuga. Ele saiu da prisão sendo uma pessoa insensível e amarga.

    Devido a seu antecedente criminal, Valjean não conseguia encontrar emprego, comida e abrigo. Exausto e desmotivado, ele finalmente recebeu abrigo do bispo de Digne, que demonstrou bondade e compaixão a Valjean. Durante a noite, Valjean cedeu a um sentimento de desespero e roubou os talheres de prata que pertenciam ao bispo e fugiu.

    Valjean foi capturado e levado de volta ao bispo. Inexplicavelmente e ao contrário das expectativas de Valjean, o bispo contou à polícia que ele tinha dado os talheres de prata a Valjean e insistiu que ele levasse também mais dois castiçais de prata (ver Victor Hugo, Os Miseráveis, 1987, livro 2).

  3. Ver Victor Hugo, Os Miseráveis, 1987, livro 1.

  4. O narrador pergunta: Toutefois, la gale de la brebis doit-elle faire reculer le pasteur? [Por acaso a sarna da ovelha deve afastar o pastor?] (Ver Victor Hugo, Os Miseráveis, 1987, livro 1.) Gale, na patologia animal, refere-se a qualquer tipo de doença de pele causada por ácaros parasitas e caracterizada pela perda de pelos e por crostas de ferida (em inglês, “mange” [sarna]). Essa frase foi traduzida de diversas formas para o inglês.

  5. O comentário editorial bem-humorado do narrador sobre o convencionalista é: Mais quelle brebis! [Mas que ovelha era aquela!] Foi traduzido algumas vezes como “Mas que ovelha negra era aquela”.

  6. Doutrina e Convênios 1:31.

  7. Ver João 10:11, 14; Alma 5:38; Doutrina e Convênios 50:44.

  8. Isaías 40:11.

  9. Ezequiel 34:16.

  10. Isaías 1:6.

  11. Ver Isaías 1:18.

  12. Ver Lucas 15:1–2.

  13. Ver Mateus 18:11.

  14. Ver João 8:3–11.

  15. Tradução de Joseph Smith, João 8:11 (em João 8:11, nota de rodapé c, na Bíblia SUD em inglês).

  16. Ver D. Todd Christofferson, “Permanecei no Meu Amor”, A Liahona, novembro de 2016, p. 48.

  17. Alma 11:34, 37.

  18. Ver Helamã 5:10–11.

  19. Ver 3 Néfi 27:14–15.

  20. Nos tempos modernos, o Salvador esclareceu: “Aquilo que transgride uma lei e não obedece à lei, mas procura tornar-se uma lei para si mesmo e prefere permanecer no pecado, nele permanecendo inteiramente, não pode ser santificado por lei nem por misericórdia, justiça ou julgamento. Portanto, permanece imundo ainda” (Doutrina e Convênios 88:35).

  21. Ver 2 Néfi 2:26–27.

  22. Ver Doutrina e Convênios 14:7; 132:19–20, 24, 55.

  23. Ver Romanos 8:16–17; Doutrina e Convênios 84:38.

  24. Ver Mateus 23:13.

  25. Lucas 18:9–14.

  26. Alma 4:4, 6, 8.

  27. Alma 1:21.

  28. Ver Oxford English Dictionary [Dicionário Oxford da Língua Inglesa], “bigotry” [fanatismo] e “intolerance” [intolerância].

  29. Mateus 7:12.

  30. Morôni 8:26.

  31. 1 Pedro 1:22.

  32. Ver Regras de Fé 1:3.

  33. Ver João 10:11–15.