2021
Feijões cozidos e caixas: minha lição de fé de 2020
Março de 2021


VOZES DE MEMBROS

Feijões cozidos e caixas: minha lição de fé de 2020

“Dar aquele primeiro passo de fé foi realmente difícil e assustador para mim. Mas o resultado?”

Ainda me lembro do momento em que fiquei feliz com o distanciamento social.

Recebi a notícia de que, enquanto a África do Sul embarcava em seu confinamento como um esforço para conter a propagação do vírus COVID-19, 9,6 milhões de crianças em idade escolar na África do Sul ficariam sem comida.

O esquema de alimentação escolar na África do Sul é a forma vital de apoio social. Para muitas crianças no país, é a única refeição pela qual podem esperar ansiosamente a cada dia.

Como jornalista, acabava de concluir cinco entrevistas consecutivas com vários líderes da sociedade civil. Eles estavam desesperadamente preocupados em como as crianças sobreviveriam nos próximos meses.

“Estou muito e extremamente preocupada com o que as crianças estão a comer”, disse-me uma senhora que costuma administrar um programa de alimentação para 150 crianças em um município de Joanesburgo. “E não há nada, absolutamente nada que eu possa fazer acerca disso.”

Depois de horas de conversas semelhantes, eu podia ouvir minha voz começando a falhar de emoção. No final da última entrevista, desliguei o telefone, coloquei a cabeça nas mãos e chorei.

Foi então que fiquei contente com o distanciamento social. Em tempos normais, como jornalista, provavelmente teria tido essa conversa cara a cara. Chorar teria sido estranho, no mínimo.

Pelo menos assim eu poderia chorar sem ser vista.

Senti uma sensação crescente de peso e desespero. Como poderia ficar sentada em minha casa sem fazer nada enquanto milhões ao meu redor estavam a ir para cama com o estômago vazio? Senti que precisava fazer algo, mas, dadas as circunstâncias, não sabia o quê.

E então recebi a mensagem de texto.

Era de uma irmã da minha ala, uma benfeitora permanente. Ela me contou sobre um asilo para idosos que ela estava a ajudar. A casa tinha permissão para permanecer aberta durante o confinamento e agora estava a ajudar a alimentar as pessoas extras que geralmente dependiam de programas de alimentação que foram forçados a fechar. Eles precisavam de comida e muita comida.

No início, planeei simplesmente ir para a casa da minha amiga e deixar algumas doações de alimentos. Mas com o tempo, um pensamento me ocorreu. E se eu abrisse minha casa como um ponto de coleta? E se, em vez de simplesmente doar para a causa, eu criasse meu próprio “campo de força” de influência?

Criei um pôster digital para distribuição. Verifiquei duas vezes a legalidade do que estava a fazer. Peguei recipientes de plástico e os alinhei do lado de fora do meu portão. Depois veio a parte difícil: enviar o pôster, junto com um pedido de ajuda, para o grupo de WhatsApp (redes sociais) do meu bairro.

Havia cerca de 250 participantes no grupo, e eu sabia que alguns poderiam ser críticos severos. E se eles me atacassem, por sugerir que as pessoas saíssem de casa para deixar comida? E se eu fosse acusada de espalhar o vírus inadvertidamente? E se eu expusesse um de meus três filhos pequenos ao COVID-19? Para ser completamente honesta, eu estava apavorada.

Depois de reescrever a mensagem cerca de 20 vezes, com o coração na garganta, finalmente pressionei enviar. Poucos minutos depois, recebi uma mensagem de um estranho.

“Ficaríamos felizes em preparar uma caixa de comida para você,” disse ele. “Obrigado por isso.”

Pela segunda vez em alguns dias, senti meus olhos se encherem de lágrimas.

As ligações começaram logo em seguida. Havia pessoas que eu nunca tinha conhecido que tinham ouvido falar sobre o projeto através de um amigo e queriam ajudar. Amigos — locais e internacionais — que desejam transferir dinheiro de longe. Uma irmã de minha ala enviando um caminhão de seu distribuidor local. E um fluxo aparentemente interminável de estranhos depositando silenciosamente farinha de milho, arroz e produtos enlatados do lado de fora do meu portão.

No final, arrecadei R100 mil em dinheiro e doações de alimentos. Algumas irmãs de minha ala costuraram 150 máscaras de pano. Em vez de ajudar uma casa, pudemos ajudar três. Centenas de famílias foram auxiliadas em um momento de extrema necessidade, graças à combinação de muitos pequenos esforços. Incentivada por essa experiência, minha amiga criou uma organização sem fins lucrativos chamada Bubele (que significa bondade e generosidade em Xhosa) que ajudava desempregados a limpar a cidade e receber cestas básicas em troca.

O que essa experiência me ensinou? Ensinou-me a sagrada ligação entre fé, esperança e caridade.

Dar aquele primeiro passo de fé foi realmente difícil e assustador para mim. Mas o resultado?

A sensação de que nosso Pai Celestial conhece e se preocupa com cada um de seus filhos. Um sentimento profundo de amor pelos meus semelhantes. A capacidade de ver melhor o potencial de todos ao meu redor. Um indício de caridade, no verdadeiro sentido da palavra.

Porém, a parte mais doce disso, foi a esperança. Senti que aquela sensação de desespero começou a dissipar-se. Senti, como disse o Élder Jeffrey R. Holland, que quando exerço fé e determinação, posso “continuar em movimento, continuar vivendo” e, o mais importante, posso “continuar me alegrando”.1

Nota

  1. Ver Jeffrey R. Holland, “Esta, a Maior de Todas as Dispensações“, A Liahona, Julho de 2007, 20.