2010–2019
Descontentamento Divino
Outubro de 2018


2:3

Descontentamento Divino

O descontentamento divino pode impulsionar-nos a agir com fé, a aceitar o convite do Salvador de fazer o bem e de Lhe entregar, humildemente, a nossa vida.

Quando andava no primeiro ciclo do ensino básico, usávamos um caminho pavimentado na encosta de uma colina para chegar a casa. Havia um outro caminho, não pavimentado, chamado de “o trilho dos rapazes”. O trilho dos rapazes era um caminho, de terra, sempre a subir colina acima. Era mais curto, mas muito mais íngreme. Mesmo sendo uma menina, eu sabia que conseguia fazer qualquer trilho tão bem como qualquer rapaz. Acima de tudo, eu sabia que estávamos a viver nos últimos dias e que devia aprender a fazer coisas difíceis, tal como os pioneiros — e eu queria estar preparada. Por isso, de vez em quando, distanciava-me do meu grupo de amigos no caminho pavimentado, tirava os sapatos e subia descalça pelo trilho dos rapazes. Estava a tentar fortalecer os meus pés.

Como uma menina da Primária, era assim que eu pensava que deveria preparar-me. Hoje penso de maneira diferente! Em vez de caminhar descalça por trilhos na montanha, sei que posso preparar os meus pés para trilhar o caminho do convénio, seguindo os sussurros do Espírito Santo. O Senhor, por meio dos Seus profetas, está a chamar-nos para viver e cuidar do próximo “de uma maneira mais elevada e santa” e para “subir um patamar acima”.

Estes chamados proféticos para agirmos, associados à perceção inata de que podemos fazer e ser algo mais, por vezes, geram em nós o que o Elder Neal A. Maxwell chamou de “descontentamento divino”. O descontentamento divino surgem quando comparamos “o que somos com aquilo em que temos a capacidade de nos tornarmos. Todos nós, se formos honestos, sentimos a diferença entre a nossa capacidade atual e aquilo em que queremos tornar-nos. Ansiamos por ter mais capacidade de realização. Sentimos isto porque somos filhas e filhos de Deus, nascidos com a Luz de Cristo, apesar de vivermos num mundo decaído. Estes sentimentos são nos dados por Deus e motivam-nos a agir.

Devemos aceitar, de bom grado, este descontentamento divino que nos impulsiona a alcançar um patamar mais elevado e, também, a reconhecer e a fugir da estratégia de Satanás — o desânimo paralisante. Esta é uma oportunidade imperdível para o adversário. Podemos escolher trilhar o caminho mais elevado que nos leva a buscar Deus e a Sua paz e graça, ou ouvir Satanás, que nos bombardeia com mensagens de que nunca seremos suficientemente ricos, suficientemente inteligentes ou suficientemente bonitos, e que nunca nada será suficiente. O nosso descontentamento pode tornar-se divino ou destrutivo.

Agir com fé

A diferença entre o descontentamento divino e o desânimo paralisante de Satanás, é que o descontentamento divino leva-nos a agir com fé. O descontentamento divino não é um convite para permanecermos na nossa zona de conforto, mas também não nos levará ao desespero. Já me apercebi que quando fico a pensar em tudo o que eu não sou, não progrido, e torna-se muito mais difícil sentir e seguir o Espírito.

Quando era jovem, Joseph Smith percebeu claramente quais eram as suas fraquezas e ficou preocupado com o “bem-estar da [sua] alma imortal”. Ele disse: “A minha mente ficou extremamente perturbada, porque me tornei convicto dos meus pecados e (…) senti-me movido a chorar pelos meus próprios pecados e pelos pecados do mundo”. Isto levou-o a “sérias reflexões e grande inquietação”. Isto soa-vos familiar? Já alguma vez se sentiram inquietos ou angustiados por causa das vossas fraquezas?

Bem, Joseph tomou uma atitude. Ele contou: “Muitas vezes disse a mim mesmo: Que deve ser feito?” Joseph agiu com fé. Ele voltou-se para as escrituras, leu o convite em Tiago 1:5 e voltou-se para o Senhor para obter ajuda. A visão que daí adveio deu início à Restauração. Sou muito grata por o descontentamento divino de Joseph, o seu período de inquietação e dúvida, o ter motivado a agir com fé.

Seguir os Sussurros do Espírito para Fazer o Bem

Frequentemente o mundo, usa o descontentamento como uma desculpa para a introspeção, voltar os nossos pensamentos para nós mesmos e para o passado, e para nos prender ao “quem sou eu”, “quem eu não sou” e “no que é que eu quero”. O divino descontentamento motiva-nos a seguir o exemplo do Salvador, que “andou fazendo o bem”. Ao trilharmos o caminho do discipulado, ouviremos sussurros espirituais que nos incitam a ajudar outros.

Uma história que escutei há uns anos, tem-me ajudado a reconhecer e a seguir os sussurros do Espírito Santo. A irmã Bonnie D. Parkin, ex-Presidente Geral da Sociedade de Socorro, contou o seguinte:

“A Susan era uma costureira maravilhosa. O Presidente [Spencer W.] Kimball frequentava a [sua] ala. Certo domingo, a Susan reparou que ele tinha um fato novo. Havia pouco tempo que o seu pai lhe trouxera um tecido de seda finíssima. A Susan achou que esse tecido daria uma bela gravata para usar com o novo fato do presidente Kimball. Assim, na segunda-feira seguinte, ela fez a gravata. Embrulhou-a em papel de seda e começou a caminhar até ao quarteirão onde ficava a casa do Presidente Kimball.

Quando estava a chegar à porta da frente, de repente, parou e pensou: ‘Quem sou eu para fazer uma gravata para o profeta? Ele provavelmente já tem imensas”. Convencida de que tinha cometido um erro, deu meia volta para vir embora.

Nesse exato momento, a irmã Kimball abriu a porta e disse: ‘Susan!’

A gaguejar, a Susan disse: ‘Reparei que o Presidente Kimball estava a usar um fato novo no domingo. O meu pai comprou um tecido de seda em Nova York (…) e por isso, fiz-lhe uma gravata’.

Antes que a Susan pudesse continuar, a irmã Kimball interrompeu-a, segurou-lhe o ombros e disse: ‘Susan, nunca ignore o desejo de ser generosa’”.

Adoro esta história! “Nunca ignore o desejo de ser generosa.” Às vezes, quando sinto que devo fazer alguma coisa por alguém, fico a pensar se foi inspiração ou se terá sido só uma ideia da minha cabeça. Mas, depois, lembro-me de que “aquilo que é de Deus convida e impele a fazer o bem continuamente; portanto, tudo o que convida e impele a fazer o bem e a amar a Deus e a servi-lo, é inspirado por Deus”.

Seja um sussurro do Espírito, ou só um impulso de querer ajudar, uma boa ação nunca é um desperdício; porque “a caridade nunca falha” e nunca é uma reação errada.

Muitas vezes, o momento é inconveniente e raramente sabemos o impacto dos nossos pequenos atos de serviço. Mas, de vez em quando, vamos perceber que fomos instrumentos nas mãos de Deus e sentir-nos-emos gratos por saber que o facto do Espírito Santo agir por nosso intermédio é um indício da aprovação de Deus.

Irmãs, podemos pedir que o Espírito Santo nos mostre todas as coisas que [devemos] fazer”, mesmo quando a nossa lista de afazeres parece estar cheia. Ao ouvir um sussurro do Espírito, podemos deixar os pratos no lava-loiças ou uma caixa de correio cheia de desafios que requerem a nossa atenção, para ler uma história a uma criança, visitar uma amiga, tomar conta das crianças da vizinha ou servir no templo. Não me interpretem mal — eu adoro fazer listas e adoro riscar os itens numa lista. Mas, sentimos paz ao saber que ser uma pessoa melhor não equivale, necessariamente, a fazer mais tarefas. O facto de reagirmos ao descontentamento seguindo uma inspiração, muda a minha forma de pensar acerca “do meu tempo”, e passo a ver as pessoas, não como interrupções, mas como o propósito da minha vida.

O Descontentamento Divino Conduz a Cristo

O descontentamento divino leva à humildade, não à auto comiseração nem ao desânimo que advêm de fazer comparações que nos fazem sair sempre a perder. As mulheres que guardam convénios são de todos os tamanhos e formatos; as suas famílias, as suas experiências de vida e as suas circunstâncias variam.

Claro que, todos nós estamos abaixo do nosso potencial divino e há alguma verdade na perceção de que sozinhos não somos suficientemente bons. Mas, a boa notícia do evangelho é que, com a graça de Deus, somos o suficiente. Com a ajuda de Cristo podemos fazer todas as coisas. As escrituras prometem que encontraremos “graça, para sermos ajudados em tempo oportuno”.

A verdade surpreendente é que as nossas fraquezas podem ser uma bênção, quando nos ajudam a ser humildes e nos voltam para Cristo. O descontentamento torna-se divino quando voluntariamente, nos aproximamos humildemente de Cristo, em vez de nos retraírmos em auto comiseração.

Na realidade, os milagres de Jesus, geralmente, começam com o reconhecimento de uma vontade, uma necessidade, um fracasso ou um sentimento de inadequação. Lembram-se dos pães e dos peixes? Todos os escritores dos Evangelhos relatam como Jesus, milagrosamente, alimentou os milhares que O seguiam. Mas, a história começa com os discípulos a reconhecer o que lhes faltava; eles perceberam que só tinham “cinco pães de cevada e dois peixinhos; mas o que é isto para tantos?” Os discípulos tinham razão: eles não tinham comida suficiente, mas deram o que tinham a Jesus e então Ele providenciou o milagre.

Já alguma vez sentiram que os vossos dons e talentos eram insignificantes perante a tarefa que tinham pela frente? Eu já. Mas, podemos dar o que temos a Cristo e Ele multiplicará os nossos esforços. O que têm para dar é mais do que o suficiente, mesmo com as vossas fraquezas e fragilidades humanas, se confiarem na graça de Deus.

A verdade é que todos estamos a uma geração de distância da Deidade, cada é um filho de Deus. E tal como Ele fez, tanto aos profetas como ao homem comum, em todas as eras, a intenção do Pai Celestial é a de nos transformar.

C. S. Lewis explicou o poder transformador de Deus desta forma: “Imaginem-se como uma casa viva. Deus entra e para reconstruir essa casa. A princípio, talvez não consigam perceber o que é que Ele está a fazer. Ele está a consertar as caleiras e a evitar que chova dentro de casa, e assim por diante. Sabiam que esse trabalho precisava de ser feito e, por isso, não se surpreendem. Mas, depois, Ele começa a derrubar partes da casa de um modo muito doloroso. (…) [Percebem] que Ele está a construir uma casa muito diferente daquela que imaginaram. (…) Pensavam que estavam [a ser] transformados numa bela casa de campo, mas Ele está a construir um palácio. E num palácio no qual, Ele mesmo pretende morar”.

Graças ao Sacrifício Expiatório do Salvador, podemos ser capazes de realizar a tarefa que temos pela frente. Os profetas têm ensinado que, ao trilharmos o caminho do discipulado, podemos ser santificados pela graça de Cristo. O descontentamento divino pode impulsionar-nos a agir com fé, a aceitar o convite do Salvador de fazer o bem e, de Lhe entregar, humildemente, a nossa vida. Em nome de Jesus Cristo. Amém.

Notas

  1. Russell M. Nelson, em Tad Walch, “‘The Lord’s Message Is for Everyone’: President Nelson Talks about Global Tour” [A Mensagem do Senhor É para Todos: O Presidente Nelson Fala Sobre uma Digressão Mundial], Deseret News, 12 de abril de 2018, deseretnews.com.

  2. Neal A. Maxwell, “Becoming a Disciple,” [Tornar-se num Discípulo], Ensign, junho de 1996, p. 18.

  3. Neal A. Maxwell, “Becoming a Disciple,” [Tornar-se num Discípulo], Ensign, junho de 1996, p. 16; grifo do autor.

  4. “O desânimo enfraquecerá a sua fé. Se baixar as suas expectativas, a sua eficácia diminuirá, o seu desejo enfraquecerá e terá mais dificuldade em seguir o Espírito” (“What Is My Purpose as a Missionary?” (“Qual é o Meu Propósito Como Missionário? Pregar o Meu Evangelho (Guia para o Serviço Missinário), ed. rev. (2018), lds.org/manual/missionary. (www.lds.org/bc/content/shared/content/portuguese/pdf/language-materials/36617_por.pdf?lang=por)

  5. Ensinamentos dos Presidentes da Igreja: Joseph Smith, 2007, p. 31.

  6. Joseph Smith — História 1:8.

  7. Joseph Smith — História 1:10; grifo do autor.

  8. Atos 10:38.

  9. Bonnie D. Parkin, “Personal Ministry: Sacred and Precious” [Ministério Pessoal: Importante e Sagrado] (Devocional da Universidade Brigham Young, 13 de fevereiro de 2007), speeches.byu.edu.

  10. Moróni 7:13.

  11. 1 Coríntios 13:8.

  12. 2 Néfi 32:5.

  13. “Posso todas as coisas em Cristo que me fortalece” (Filipenses 4:13).

  14. Hebreus 4:16

  15. “ E se os homens vierem a mim, mostrar-lhes-ei sua fraqueza. E dou a fraqueza aos homens a fim de que sejam humildes; e minha graça basta a todos os que se humilham perante mim; porque caso se humilhem perante mim e tenham fé em mim, então farei com que as coisas fracas se tornem fortes para eles.” (Éter 12:27; grifo ao autor).

  16. Ver Mateus 14:13 -21; Marcos 6:31-44; Lucas 9:10 -17; João 6:1-14.)

  17. João 6:9.

  18. O Presidente Boyd K. Packer ensinou: “Independente do número de gerações da vossa ancestralidade mortal, independente da raça ou do povo que representam, a linhagem do vosso espírito pode ser escrita numa única linha. São filhos de Deus!”. “Às moças e aos Rapazes”, A Liahona, julho de 1989, p. 63.)

  19. C. S. Lewis, Mere Christianity [Mero Cristianismo], 1960, p. 160.