“A rocha da revelação”, capítulo 8 de Santos: A História da Igreja de Jesus Cristo nos Últimos Dias, Volume 3, Com Coragem, Nobreza e Independência, 1893–1955, 2021
Capítulo 8: “A rocha da revelação”
Capítulo 8
A rocha da revelação
No primeiro semestre de 1904, John Widtsoe acompanhou as audiências Smoot a distância. Seu amigo e mentor, Joseph Tanner, que servia como superintendente das escolas da Igreja e conselheiro na presidência geral da Escola Dominical, foi um dos vários santos convocados para depor na comissão do Senado. Visto que havia iniciado casamentos plurais após o Manifesto, Joseph se recusou a se submeter às investigações e, em vez disso, fugiu para o Canadá.
“Não estou nem um pouco preocupado”, escreveu ele a John no final de abril, assinando a carta com um pseudônimo. “Quando o caso Smoot for decidido, talvez nos deixem em paz por algum tempo.”1
Assim como outros santos, John acreditava que as audiências do caso Smoot eram apenas outra prova de fé para a Igreja.2 Ele e Leah Widtsoe haviam voltado para Logan. Depois de sua filha Anna, eles tiveram um filho, Marsel, e mais um bebê estava a caminho. Outro filho do casal, John Jr., havia falecido em fevereiro de 1902, alguns meses antes de seu primeiro aniversário.
O restante da família Widtsoe estava muito longe. A mãe de John, Anna, e a irmã dela, Petroline Gaarden, haviam deixado Utah para servir missão na Noruega, sua terra natal, em 1903. Em uma carta para Leah, a mãe de John descreveu seu trabalho. “Encontramos muitos velhos amigos e conversamos com eles sobre o evangelho; muitos deles nunca tinham conversado com um santo dos últimos dias”, escreveu ela. “Estamos batendo à porta da ‘tradição’, mas não é nada fácil abri-la.”3
Enquanto isso, o irmão mais novo de John, Osborne, estava estudando literatura inglesa em Harvard, após ter concluído missão no Taiti.4
Leah ficava em casa com os filhos e servia na junta da Associação de Melhoramentos Mútuos das Jovens Damas de sua estaca. Ela também redigia lições sobre economia doméstica publicadas mensalmente no Young Woman’s Journal. Cada lição fazia parte de um curso anual que as moças da Igreja podiam estudar e debater nas reuniões da AMMJD. Leah usava uma abordagem científica em cada lição, valendo-se de sua formação universitária para dar às suas leitoras dicas de culinária, decoração, primeiros socorros e cuidados médicos básicos.5
John ensinava química na Faculdade Agrícola, dirigia a estação experimental da instituição e estudava formas de melhorar a agricultura no clima seco de Utah. Seu trabalho o levou a municípios rurais de todo o estado, dando-lhe a oportunidade de ensinar os agricultores a usar a ciência para melhorar as colheitas. Ele também serviu como presidente da Associação de Melhoramentos Mútuos dos Rapazes e como membro da junta da Escola Dominical da estaca. Assim como Leah, ele escrevia regularmente para as revistas da Igreja.
John sentia empatia pelos jovens santos que lutavam, assim como ele no passado, para conciliar o conhecimento do evangelho com o secular. Cada vez mais pessoas estavam abraçando a noção de que a ciência e a religião estavam em desacordo. No entanto, John acreditava que tanto a ciência quanto a religião eram fontes de princípios divinos e eternos, e não eram incompatíveis.6
Recentemente, ele começara a publicar uma série de artigos chamados “Joseph Smith como cientista” na Improvement Era, a revista oficial da Associação de Melhoramentos Mútuos dos Rapazes. Cada artigo explicava como o evangelho restaurado previra alguma grande descoberta da ciência moderna. No artigo “Tempo geológico”, por exemplo, John explicava como algumas passagens do livro de Abraão corroboravam opiniões científicas de que a Terra era muito mais antiga do que os 6 mil anos estimados por alguns estudiosos bíblicos. Em outro artigo, ele identificava paralelos entre aspectos da controversa teoria da evolução e a doutrina do progresso eterno.7
A série foi um sucesso. O presidente Joseph F. Smith, que servia como editor da Improvement Era, enviou uma carta pessoal, elogiando-a. Seu único lamento foi não poder pagar a John pelo trabalho. “Como alguns de nós”, escreveu ele, “pelo menos por enquanto você terá que aceitar seu pagamento na forma do conhecimento de que fez um bom trabalho em prol dos rapazes e das moças de Sião”.8
“Nossa situação parece bastante grave agora”, escreveu o apóstolo Francis Lyman em seu diário. O depoimento de Joseph F. Smith nas audiências do caso Reed Smoot pouco contribuíra para resolver as preocupações da comissão do Senado sobre a existência de casamentos plurais pós-Manifesto na Igreja. Tampouco foi benéfico para os santos o fato de que os apóstolos John W. Taylor e Matthias Cowley, agindo sob a orientação dos líderes da Igreja, esconderam-se logo depois que a comissão do Senado os convocou para depor nas audiências. Assim como Joseph Tanner e outros membros da Igreja, ambos os apóstolos haviam iniciado casamentos plurais após o Manifesto. Os dois também haviam celebrado muitos novos casamentos plurais, além de terem incentivado os santos a manter a prática viva.9
Como presidente dos Doze, Francis havia decidido que cada membro do quórum deveria cumprir o Segundo Manifesto, emitido recentemente. Ele havia enviado cartas a vários apóstolos, avisando-os sobre a determinação da Primeira Presidência de implementar a proclamação. “É bom que todos cheguemos a um entendimento comum desse importante assunto e que vivamos de acordo com ele”, escreveu ele, “para que não haja dissensões ou disputas entre nós”.10
Posteriormente, o presidente Smith deu a Francis a designação de garantir que não houvesse mais casamentos plurais na Igreja. Desde o final da década de 1880, alguns apóstolos tinham sido autorizados a realizar selamentos fora dos templos, em regiões remotas. Em setembro de 1904, o presidente Smith declarou que todos os selamentos deveriam ser realizados nos templos, impossibilitando assim que os santos iniciassem casamentos plurais legítimos no México, no Canadá ou em qualquer outro lugar. Francis informou prontamente os apóstolos dessa decisão.11
Em dezembro, o presidente Smith pediu a Francis que persuadisse John W. Taylor a depor nas audiências do caso Smoot. Francis encontrou John W. no Canadá e o incentivou a seguir o conselho do profeta. Por fim, John W. concordou em depor e iniciou os preparativos para viajar até Washington.
Naquela noite, Francis foi se deitar achando que sua missão havia sido um sucesso. Porém, às 3 horas da madrugada, acordou de sobressalto. A ideia de que John W. ia depor nas audiências o incomodava. John W. era profundamente comprometido com o casamento plural. Se ele revelasse que havia realizado casamentos plurais pós-Manifesto, a Igreja seria prejudicada, bem como as chances de Reed Smoot exercer seu mandato no Senado.
Francis foi tomado por um sentimento de paz e calma ao cogitar dissuadir John W. de ir para Washington. Ele pediu ao Senhor uma confirmação de que aquele era o rumo correto a seguir. Em seguida, teve um sono tranquilo e sonhou com o presidente Wilford Woodruff. Surpreso e cheio de emoção, ele chamou o presidente Woodruff e o abraçou. Então ele acordou, confiante de que sua mudança de opinião estava certa. Procurou imediatamente John W. e lhe contou o sonho. John W. estava pronto para partir para Washington, mas ficou aliviado quando Francis o aconselhou a não ir.12
Francis retornou a Salt Lake City pouco depois. Joseph F. Smith aprovou suas ações no Canadá, mas a dúvida permanecia: O que fazer com os dois apóstolos? O presidente Smith sabia que precisava demonstrar que a Igreja estava firmemente comprometida com o fim do casamento plural. Para satisfazer a comissão do Senado, ele teria que afastar formalmente John W. e Matthias da liderança da Igreja, fosse por meio de um conselho disciplinar ou solicitando-lhes que pedissem desobrigação. Nenhuma dessas opções lhe agradava.13
Os líderes da Igreja estavam divididos quanto ao modo de lidar com a crise. Entretanto, em outubro de 1905, os assessores de Reed Smoot os advertiram de que o tempo estava se esgotando para que a Igreja agisse. Enquanto depunha perante a comissão do Senado no início daquele ano, Reed havia prometido que as autoridades da Igreja investigariam as acusações feitas contra John W. e Matthias. Seis meses depois, as investigações não haviam sido efetuadas, e alguns senadores questionavam a honestidade de Reed. O adiamento indefinido das investigações indicaria ao mundo que os líderes da Igreja estavam agindo de má-fé quando afirmavam estar se opondo ativamente à poligamia.14
Os dois apóstolos foram convocados à sede da Igreja e, ao longo da semana seguinte, os Doze se reuniram dia após dia para discutir o que fazer. A princípio, John W. e Matthias defenderam suas ações, fazendo uma distinção entre a retirada formal do apoio da Igreja ao casamento plural e sua escolha individual de continuar iniciando novos matrimônios. Contudo, nenhum deles apoiava plenamente o Segundo Manifesto, uma opinião que se tornara incompatível com sua posição na Igreja.
Por fim, o quórum pediu aos dois apóstolos que assinassem cartas de renúncia. A princípio, John W. se recusou a fazê-lo. Alegou que o quórum estava cedendo à pressão política. A reação de Matthias foi mais moderada, mas ele também relutou em cumprir a determinação. Apesar disso, no fim das contas, os dois homens desejavam aquilo que fosse melhor para a Igreja. Eles assinaram as cartas, dispostos a sacrificar seu lugar entre os Doze para o bem maior.15
“Foi uma provação muito dura e dolorosa”, escreveu Francis naquele dia em seu diário. “Todos nós ficamos muito angustiados.” John W. e Matthias saíram da reunião com a boa vontade e as bênçãos de seus irmãos. Mas, mesmo que os Doze tenham permitido que eles mantivessem a condição de membros da Igreja e o apostolado, eles não eram mais membros do quórum.16
Dois meses depois, na manhã de 23 de dezembro de 1905, Susa Gates embarcou em uma carruagem em Vermont, no nordeste dos Estados Unidos. O profeta Joseph Smith havia nascido exatamente cem anos antes em uma fazenda a cerca de cinco quilômetros a leste, no vilarejo de Sharon. Agora, Susa e cerca de 50 santos estavam indo à fazenda para dedicar um monumento à memória dele.17
À frente do grupo estava o presidente Joseph F. Smith. Com as audiências do caso Smoot ainda em andamento, ele permanecia sob a vigilância constante de funcionários do governo e repórteres de jornais. Anteriormente naquele mesmo ano, o Salt Lake Tribune havia publicado o depoimento dele no caso Smoot, com editoriais que lançavam dúvidas sobre seu chamado profético e sua integridade pessoal.
“Joseph F. Smith negou publicamente que recebe revelações ou que alguma vez já recebeu revelações de Deus para guiar a igreja mórmon”, dizia um editorial. “Até que ponto os mórmons devem seguir um líder como esse?”18 Os editoriais deixaram alguns santos confusos e cheios de perguntas.
Como sobrinho de Joseph Smith, Joseph F. Smith tinha razões pessoais para ir a Vermont. Mas a dedicação do monumento também lhe daria outra oportunidade de falar publicamente sobre a Igreja e testificar sobre a divindade da Restauração.19
Assim que Susa e a comitiva se acomodaram nas carruagens, partiram para a cerimônia de dedicação. A fazenda ficava no topo de uma colina nas proximidades, e as íngremes estradas rurais estavam lamacentas por causa do degelo da neve. Os trabalhadores locais haviam rebocado o monumento de cem toneladas ao longo das mesmas estradas, pedaço por pedaço. A princípio, os planos eram simplesmente puxar a carga usando animais de tração. Porém, quando uma parelha de 20 cavalos robustos não conseguiu mover a pedra, os trabalhadores passaram quase dois exaustivos meses arrastando o monumento colina acima por meio de um sistema de cordas e roldanas puxadas por cavalos.20
Já chegando à fazenda, a comitiva ficou maravilhada ao sair da última curva da estrada. À frente deles estava um obelisco de granito polido, com quase 12 metros de altura (38 pés e meio) — para representar os anos de vida de Joseph Smith. Sob o obelisco, havia um grande pedestal com uma inscrição prestando testemunho da missão sagrada do profeta. As palavras de Tiago 1:5, a escritura que havia inspirado Joseph a buscar revelação de Deus, adornavam o topo do pedestal.21
Junius Wells, o idealizador do monumento, encontrou a comitiva em uma casa de campo construída sobre o alicerce do local de nascimento de Joseph Smith. Ao entrar na casa, Susa admirou a lareira de pedras cinza que os construtores haviam preservado da casa original. Dos santos que haviam conhecido pessoalmente o profeta, a maioria já morrera. Mas a lareira era uma testemunha duradoura de sua vida. Ela podia imaginá-lo brincando ao lado da lareira na infância.22
A cerimônia começou às 11 horas. Ao dedicar o memorial, o presidente Smith agradeceu pela Restauração do evangelho e pediu uma bênção para a população de Vermont, que apoiou a construção do monumento. Dedicou-o como um lugar ao qual as pessoas poderiam vir para meditar, aprender mais sobre a missão profética de Joseph Smith e se regozijar na Restauração. Comparou a fundação do monumento à fundação da Igreja, composta de profetas e apóstolos, com Jesus Cristo como a principal pedra de esquina. Também comparou o alicerce com a rocha da revelação, sobre a qual a Igreja foi edificada.23
Nos dias que se seguiram, Susa, Joseph F. Smith e outros santos fizeram uma breve visita aos locais históricos da Igreja no leste dos Estados Unidos. Sob a direção do presidente Smith, a Igreja começara a comprar vários locais sagrados para sua história, incluindo a cadeia de Carthage, onde seu pai e seu tio haviam sido mortos. Alguns locais históricos nos estados do Leste não puderam ser adquiridos pela Igreja, embora os proprietários geralmente permitissem que os santos os visitassem.24
Em Manchester, Nova York, a comitiva caminhou reverentemente pelo bosque onde Joseph Smith tivera sua primeira visão do Pai e do Filho. Durante a vida do profeta, ele e outros santos haviam ocasionalmente testificado publicamente de sua visão. Porém, nas décadas que se seguiram à morte de Joseph, Orson Pratt e outros líderes da Igreja passaram a ressaltar o papel central desse acontecimento na Restauração do evangelho. Um relato da visão agora aparecia como escritura na Pérola de Grande Valor, e ela se tornou um assunto frequente nas conversas dos missionários com pessoas de fora da Igreja.25
Ao pensarem naquele evento sagrado, Susa e seus companheiros sentiram profunda admiração. “Aqui, o menino se ajoelhou com fé absoluta”, refletiu Susa. “Aqui, por fim, as fontes da terra irromperam, e a verdade — o suprassumo da existência — fluiu sobre as ondas da revelação direta.”26
Mais tarde, quando voltavam para Utah, o presidente Smith dirigiu uma pequena reunião de testemunho a bordo do trem. “Não sou eu, nem homem algum, nem mesmo o profeta Joseph Smith, que está à frente deste trabalho, que o dirige e o lidera”, disse ele. “É o próprio Deus, por meio de Seu Filho, Jesus Cristo.”
A mensagem tocou Susa, que ficou impressionada com o amor do Salvador pelos filhos de Deus. “Os homens são homens e, portanto, fracos!”, observou ela. Mas Jesus Cristo era o Senhor de todo o mundo.27
Enquanto os santos celebravam a dedicação do memorial de Joseph Smith, Anna Widtsoe e Petroline Gaarden ainda estavam na Noruega, pregando o evangelho. Mais de dois anos já haviam se passado desde que as duas irmãs partiram de Utah. O chamado missionário delas tinha sido inesperado, mas não indesejado. Ambas estavam ansiosas para voltar à sua terra natal e compartilhar sua fé no evangelho restaurado com parentes e amigos.28
Anthon Skanchy, um dos missionários que ensinou o evangelho a Anna na década de 1880, era presidente da Missão Escandinava quando as irmãs chegaram em julho de 1903. Ele as designou para trabalhar na área de Trondheim, Noruega, onde Anna vivia quando se uniu à Igreja. De lá, as irmãs foram de barco até sua cidadezinha natal, Titran, em uma grande ilha na costa oeste da Noruega. Anna estava apreensiva quando chegou à ilha. Vinte anos antes, os moradores de Titran haviam virado as costas para ela por ter se filiado à Igreja. Será que aceitariam a ela e a sua religião agora?29
Rapidamente se espalhou a notícia de que as irmãs haviam retornado como missionárias santos dos últimos dias. A princípio, nenhum amigo ou familiar lhes ofereceu um lugar para ficar. Mas Anna e Petroline persistiram, até que algumas pessoas abriram as portas para elas.30
Um dia, as irmãs visitaram seu tio, Jonas Haavig, e a família dele. Todos pareciam estar na defensiva, prontos para confrontar as irmãs por causa de suas crenças. Anna e Petroline evitaram falar sobre religião, e a primeira noite terminou sem conflitos. Porém, na manhã seguinte, após o desjejum, a prima delas, Marie, começou a fazer perguntas difíceis sobre o evangelho, tentando provocar uma discussão.
“Marie”, disse Anna, “eu estava determinada a não falar com você sobre religião, mas agora você vai ouvir o que tenho a dizer”. Ela prestou um testemunho contundente, e Marie escutou em silêncio. Mas Anna percebeu que suas palavras não surtiram efeito. Mais tarde naquele dia, ela e Petroline deixaram a casa com o coração partido por causa do ocorrido.31
As irmãs logo retornaram a Trondheim, mas voltaram a Titran várias vezes durante os dois anos seguintes. Com o passar do tempo, as pessoas se tornaram mais acolhedoras, e Anna e Petroline acabaram sendo convidadas a visitar todas as casas da cidade. Seu serviço em outras partes da Noruega também foi desafiador, mas as irmãs eram gratas pela experiência que tiveram ao servirem na Igreja antes da missão.
Também eram gratas por já saberem falar norueguês antes de chegarem. “Temos mais facilidade para nos expressar em todas as ocasiões do que os jovens missionários, que não sabem falar o idioma quando chegam nem quando voltam para casa”, Anna informou a John em uma carta.32
Por mais que estivesse feliz com o trabalho missionário, Anna sentia falta de sua família em Utah. John, Osborne e Leah enviavam cartas com frequência. No meio do ano de 1905, John relatou que havia perdido o emprego na Faculdade Agrícola quando ele e dois outros membros fiéis da Igreja foram excluídos do corpo docente pela administração da instituição. Ele foi contratado imediatamente pela Universidade Brigham Young, o novo nome da Academia Brigham Young em Provo, para dirigir o departamento de química. Desde sua fundação em 1875, o estabelecimento tinha crescido até se tornar a maior instituição de ensino superior da Igreja, e John aceitou o trabalho com gratidão.
Osborne, enquanto isso, formou-se em Harvard e aceitou o cargo de chefe do departamento de inglês na Universidade dos Santos dos Últimos Dias, em Salt Lake City.33
“Deus tem sido bom para conosco”, disse Anna a John em uma carta. “Creio que, com a ajuda do Senhor, fomos capazes de fazer algo bom. Temos visto muitos frutos de nosso trabalho aqui, e espero e oro a Deus para que sejamos amparados por Ele neste novo ano, assim como fomos no ano passado.”34
Em janeiro de 1906, os líderes da missão designaram Anna e Petroline a permanecerem em Trondheim para terminar a missão entre seus familiares e fazer pesquisas genealógicas. Seus parentes ainda não estavam interessados no evangelho. No entanto, as irmãs sentiam que eles não estavam mais hostis e desconfiados em relação a elas. Essa mudança de atitude as reconfortou. Elas tinham feito sua parte para servir ao Senhor na Noruega.35
No meio daquele ano, os santos europeus ficaram sabendo que o presidente Joseph F. Smith faria uma breve viagem pelo continente. A notícia emocionou Jan Roothoff, de 11 anos, sobretudo quando ele soube que a primeira visita do profeta seria à Holanda, seu país. O garoto estava tão animado que não tinha outro assunto.
Vários anos antes, Jan havia contraído uma inflamação nos olhos que o tornara sensível à luz. Sua mãe, Hendriksje, que era solteira, deixou de levá-lo para a escola e pendurou cortinas nas janelas para que ele pudesse brincar confortavelmente no escuro. Apesar disso, ele acabou ficando cego, e os médicos disseram a sua mãe que ele nunca mais recuperaria a visão.
Jan tinha que usar ataduras sobre os olhos para protegê-los da luz. Mas ele sabia que, se havia alguém que podia curar seus olhos, era um profeta de Deus. “Mãe, ele é o missionário mais poderoso”, disse ele. “Basta-lhe olhar em meus olhos, e ficarei bem.”36
A mãe de Jan acreditava que o Senhor poderia curá-lo, mas estava relutante em incentivá-lo a buscar a ajuda do presidente Smith. “O presidente está muito ocupado agora”, ela respondeu. “Há centenas de pessoas que querem vê-lo. Você é apenas um menino, filho, e não devemos nos intrometer.”37
Em 9 de agosto de 1906, Jan e sua mãe participaram de uma reunião especial em Roterdã, onde o presidente Smith se dirigiu a cerca de 400 santos. Enquanto o escutava falar, Jan se esforçou para se lembrar das feições do profeta. Antes de perder a visão, Jan havia visto uma fotografia do presidente Smith e se recordava de seu rosto gentil. Agora, ele também podia ouvir a gentileza na voz do profeta, embora precisasse esperar que um missionário traduzisse as palavras para o holandês antes de entendê-las.38
O presidente Smith falou sobre o poder dos missionários. “O trabalho deles é vir até vocês e lhes mostrar a luz maior”, disse ele, “para que seus olhos e ouvidos se abram e para que seu coração seja tocado com amor pela verdade”.39
A fé de Jan não vacilou. Após a reunião, sua mãe o conduziu até a porta onde o presidente Smith e sua esposa Edna cumprimentavam os santos. “Este é o presidente, pequeno Jan”, disse Hendriksje. “Ele quer apertar sua mão.”
Tomando-o pela mão, o presidente Smith retirou as ataduras de Jan. Em seguida, tocou a cabeça do garoto e fitou seus olhos inflamados. “Que o Senhor o abençoe, menino”, disse ele. “Ele vai conceder os desejos de seu coração.”
Jan não entendia o inglês do presidente Smith, mas seus olhos já começavam a melhorar. Quando chegou em casa, não conseguiu esconder sua alegria. Arrancou as ataduras e olhou em direção à luz. “Olhe, mãe!”, exclamou ele. “Estou curado. Estou enxergando bem!”
Sua mãe correu até ele e testou sua visão de todas as maneiras que podia imaginar. De fato, Jan conseguia ver tão bem quanto antes da doença.
“Mamãe”, perguntou Jan, “o nome do presidente é Joseph F. Smith, não é?”
“Sim”, respondeu a mãe. “Ele é sobrinho do profeta Joseph.”
“Sempre vou orar por ele”, declarou Jan. “Sei que ele é um verdadeiro profeta.”40
Depois de deixarem Roterdã, Joseph F. Smith e sua comitiva rumaram para o Leste: foram para a Alemanha, onde viviam cerca de 3 mil santos. A Missão Suíço-Alemã era a que mais crescia na Igreja. No entanto, as leis alemãs de liberdade religiosa não reconheciam a Igreja nem a protegiam de perseguições — que estavam em ascensão após relatos escandalosos das audiências do caso Smoot terem chegado à Europa. Alguns ministros religiosos alemães, indignados pela perda de membros de suas congregações, instigaram a imprensa a voltar a opinião pública contra os santos. A polícia expulsou os missionários das cidades e impediu que os membros da Igreja se reunissem, ministrassem o sacramento ou usassem o Livro de Mórmon ou outras escrituras modernas.41
Após uma parada em Berlim para se reunir com membros locais da Igreja, missionários e um pequeno grupo de santos dos últimos dias americanos que estudavam música na cidade, o presidente Smith e sua comitiva seguiram para o sul, em direção à Suíça. Em uma conferência em Berna, o profeta aconselhou os santos a se submeterem aos governantes locais e a respeitarem as crenças religiosas dos outros. “Não queremos impor nossas ideias às pessoas, mas explicar a verdade como a entendemos”, ressaltou ele. “Permitimos que os indivíduos a aceitem ou não.” Ele ensinou que a mensagem do evangelho restaurado era de paz e liberdade.
“Um de seus efeitos mais gloriosos sobre as pessoas”, explicou ele, “é que ela as liberta das correntes de seus próprios pecados, purifica-as do pecado, coloca-as em harmonia com o céu, transforma-as em irmãos e irmãs sob o convênio do evangelho e as ensina a amar seus semelhantes”.42
O presidente Smith encerrou o sermão com uma profecia sobre os dias futuros: “Tempo virá — talvez não em meus dias nem mesmo na próxima geração — quando os templos de Deus, que são dedicados às santas ordenanças do evangelho, serão estabelecidos em diversos países da Terra”.
“Porque este evangelho deve se espalhar pelo mundo inteiro”, declarou ele, “até que o conhecimento de Deus cubra a terra, assim como as águas cobrem as grandes profundezas”.43