Uma Vida Equilibrada
Manter as exigências diárias da vida em equilíbrio é uma das grandes provas da mortalidade.
Alguns anos atrás, enquanto estávamos de férias, nossa família teve alguns problemas com o carro. Grande foi nosso alívio quando o mecânico informou-nos que não era nada sério; bastava um pequeno ajuste no carburador, o que permitiria uma mistura mais equilibrada da gasolina e do oxigênio.
Desde aquela época, tive muitas oportunidades de ver que um equilíbrio adequado é importante não apenas na manutenção de máquinas, mas também em nossa própria vida. Um ajuste periódico de nossas prioridades pessoais e uma inspeção regular da direção e do destino que desejamos dar a nossa vida garantem-nos proteção contra problemas materiais, emocionais e espirituais.
Manter as exigências diárias da vida em equilíbrio é uma das grandes provas da mortalidade. Todos nós podemos sentir-nos divididos entre várias atividades e responsabilidades num momento ou outro. Pode ser até que cheguemos a extremos em nosso empenho de viver o evangelho fielmente, prejudicando assim o equilíbrio delicado de nossa vida e atingindo nossa paz pessoal e harmonia familiar.
Minha esposa, Wendy, passou por essa situação difícil. Durante anos, quase chegou ao esgotamento, achando que tinha de ser a esposa e mãe perfeita, o membro perfeito da Igreja, a vizinha perfeita e a cidadã perfeita. Em vez de sentir alegria, ela não raro se sentia sobrecarregada e desanimada. Sua frustração piorava ainda mais quando líderes e amigos bem-intencionados pareciam insinuar que, caso ela tivesse fé suficiente, conseguiria realizar todas essas coisas. Somente depois de uma crise pessoal de depressão e ansiedade é que ela conseguiu compreender plenamente a raiz de seu sofrimento. Foi uma época difícil não só para ela, mas para toda a família. Conseqüentemente, saímos fortalecidos e aprendemos muitas lições. Todavia, talvez pudéssemos ter-nos poupado de boa parte da dor se houvéssemos percebido a necessidade de manter um equilíbrio material e espiritual.
Quando servi como bispo, constatei que a experiência de minha esposa não era única. Da mesma forma, o élder Dean L. Larsen, membro emérito dos Setenta, observou: “Parece que estou encontrando cada vez mais, em meus contatos com os membros da Igreja, pessoas que estão honestamente tentando abster-se do pecado, que estão verdadeiramente dando o melhor de si, da melhor forma possível, a fim de viverem segundo os princípios do evangelho, mas estão bastante infelizes, frustradas e desiludidas”.1
O rei Benjamim advertiu seu povo para que não se entregasse a extremos, mesmo na prática do bem: “E vede que todas estas coisas sejam feitas com sabedoria e ordem; porque não se exige que o homem corra mais rapidamente do que suas forças o permitam”. (Mosias 4:27)
Manter um Equilíbrio Material
O desequilíbrio entre o material e o espiritual é um problema antigo que parece estar piorando em nossa época de materialismo crescente. O élder M. Russell Ballard, do Quórum dos Doze Apóstolos, observou: “Talvez ninguém precise mais do princípio do equilíbrio em sua vida do que as pessoas ávidas por acumular bens materiais”.2 Além do mais, inúmeras causas nobres e honrosas pedem ao mesmo tempo nosso tempo e energia. Seja de modo egoísta ou abnegado, podemos passar a vida ganhando e gastando, correndo para todos os lados, em eternas idas e vindas para descobrir depois que desperdiçamos nossa energia emocional e espiritual e entregamos nosso coração a coisas de bem pouca importância no final. Jacó, profeta do Livro de Mórmon, parafraseando Isaías, advertiu-nos: “Não despendais dinheiro naquilo que não tem valor, nem vosso trabalho naquilo que não pode satisfazer”. (2 Néfi 9:51; ver Isaías 55:2.)
Tendemos a achar que, para magnificar nossos chamados, precisamos estar incessantemente servindo, liderando ou aconselhando. Contudo, pode ser que prestemos serviço mais significativo e desenvolvamos uma espiritualidade de maior qualidade ao realizarmos menos reuniões e atividades. O Presidente Spencer W. Kimball (1895–1985) exortou os santos a voltarem ao que ele caracterizou como “viver sereno e são”.3 Mais recentemente, o élder Richard G. Scott, do Quórum dos Doze Apóstolos, declarou: “Lembrem-se, não aumentem o trabalho a ser realizado, simplifiquem-no”.4 Nossa vida ficará desequilibrada se permitirmos que o excesso de atividades externas suplante nossa bondade interior.
Ao nos empenhar por um equilíbrio material, muitas vezes somos forçados a fazer escolhas difíceis entre muitas coisas boas e desejáveis. Por exemplo, várias experiências educativas e culturais podem ser valiosas para promover talentos e o crescimento de nossos filhos. Na Igreja e na comunidade, as oportunidades de servir podem proporcionar-nos experiências enriquecedoras e gratificantes. Contudo, mesmo no tocante a tais causas e atividades nobres, devemos, conforme o conselho do élder Ballard, “lembrar [que] o excesso de qualquer coisa na vida pode causar desequilíbrios. Da mesma forma, uma quantidade insuficiente das coisas importantes pode ter o mesmo efeito”.5 Em alguns casos, a pior coisa que talvez possamos dar a nossos filhos seja a oportunidade de participar de um esporte adicional, uma aula de música ou outra atividade que exija dinheiro e tempo longe da família. Ensinar nossos filhos a levarem uma vida “serena e sã” e equilibrada é uma das coisas mais vitais que podemos fazer por eles nestes frenéticos últimos dias.
às vezes, não conseguimos resistir às muitas exigências impostas a nosso tempo, temendo que tal recusa seja um ato egoísta. Contudo, o próprio Salvador às vezes Se afastava temporariamente das necessidades prementes das multidões que O cercavam. (Ver, por exemplo, Lucas 5:16.) Certamente, isso O ajudava a servir aos outros com força renovada.
A fim de preservar o equilíbrio material de nossa vida, talvez precisemos dizer “não” às atividades para as quais não tenhamos tempo, recursos ou energia. Não precisamos sentir-nos culpados nem egoístas ao tirarmos tempo periodicamente para concentrar-nos em nós mesmos, pois há uma grande força resultante do fato de simplesmente ficarmos em casa de tempos em tempos com os entes queridos.
Manter o Equilíbrio Espiritual
Assim como o desequilíbrio material pode atingir nossa paz emocional e espiritual, o desequilíbrio espiritual tem um impacto prejudicial em todos os aspectos de nossa vida. A fim de mantermos um equilíbrio espiritual adequado, precisamos recordar que o Senhor não espera que alcancemos a perfeição na mortalidade. A expectativa irrealista de que devemos ser perfeitos em tudo agora termina na verdade por prejudicar a verdadeira prática do evangelho e por inibir a espiritualidade. Quando ficamos aquém de nossas noções preconcebidas de perfeição, tendemos a condenar a nós mesmos com uma autocrítica injusta e sentimentos de culpa indevidos, bem como a extenuar-nos com esforços irrealistas na busca da perfeição.
O conselho do rei Benjamim para não corrermos mais rápido do que permitam nossas forças é significativo tanto espiritual quanto materialmente — talvez ainda mais espiritualmente. Um trecho essencial nas palavras do rei Benjamim é “seja diligente”. (Ver Mosias 4:27.) Precisamos recordar que, em geral, a força espiritual não nos advém de modo repentino, mas com o tempo e a experiência. A mensagem alentadora do evangelho é que Deus em geral não pede que realizemos coisas sensacionais ou extraordinárias, mas que nos empenhemos por sair-nos melhor hoje do que ontem. Ele está atento a nossos desejos, nossa determinação e à direção que estamos seguindo, assim como nossos atos.
Para mantermos um equilíbrio espiritual, precisamos avaliar regularmente nosso progresso espiritual. O fato de examinarmos honestamente os desejos de nosso coração e a direção que estamos dando a nossa vida pode ajudar-nos a superar a sensação de inadequação. O élder Neal A. Maxwell (1926–2004), do Quórum dos Doze Apóstolos, deixou-nos os seguintes conselhos inspirados:
“Podemos distinguir mais claramente o descontentamento divino dos sussurros destrutivos do diabo, diferenciar a insatisfação com nós mesmos do desprezo a nós mesmos. Precisamos do primeiro estado para evitar o segundo, tendo em mente que, quando a consciência nos eleva a níveis mais altos, não é apenas para repreender, mas também advertir.
(…) Devemos contemplar quão longe já chegamos na longa escalada rumo à perfeição; em geral, é muito mais do que reconhecemos. (…)
(…) Podemos avaliar nossas forças com mais honestidade. (…) Somos, na maioria das vezes, desonestos em nossos balanços e precisamos de uma ‘auditoria externa’. Aquele ser maligno que não guardou seu primeiro estado deleita-se em rebaixar-nos. O desprezo a si mesmo é de Satanás; trata-se de algo inexistente no céu. Devemos, é claro, aprender com nossos erros, mas sem ficarmos eternamente remoendo as falhas passadas.”6
Uma das barreiras para o equilíbrio espiritual é a pseudo-autoconfiança. Robert L. Millet identificou o perigo de confiarmos demais em nossas próprias capacidades limitadas. Ressaltou que alguns membros da Igreja que estão bloqueados em seu progresso e dominados pela culpa “procuram redobrar seus esforços e a trabalhar com mais afinco ainda. Se o ritmo atual não desfizer o problema, eles decidem correr ainda mais rápido. Com demasiada freqüência, o que acontece em seguida é um tipo de diminuição das recompensas espirituais — exaustão e frustrações adicionais. A resposta a todos os problemas não é necessariamente trabalhar mais tempo e com mais vigor, principalmente no tocante aos assuntos espirituais. A solução em geral é identificar nossos limites, fazer o que estiver a nosso alcance e, em seguida, voltar-nos para o Senhor em busca de auxílio”.7
Aplicar a Expiação
Na época em que minha esposa estava debatendo-se para escapar do ciclo de serviço fiel seguido de frustração e desânimo, o Espírito do Senhor sussurrou-lhe que o que ela estava exigindo de si mesma não era agradável aos olhos do Senhor, pois ela não estava permitindo que a Expiação operasse plenamente em sua vida. Não constitui sinal de fraqueza valer-nos da Expiação. Na verdade, é uma demonstração de coragem, fé e gratidão. A Expiação permite-nos não apenas nos arrepender do pecado, mas também receber a graça do Salvador, que nos fortalece quando simplesmente não temos forças para superar nossas fraquezas humanas. Permite ao Salvador partilhar nossos fardos e compensar por nossas muitas inadequações. (Ver Mateus 11:28–30; éter 12:27.)
Não há paz para aqueles cuja vida está em desequilíbrio material ou espiritual. Eles são levados em roda pelos ventos do desânimo e pelas tempestades da frustração. Contudo, assim como acalmou a tempestade no Mar da Galiléia (ver Mateus 8:26), o Salvador pode abençoar nossa vida com Sua influência serena, reconfortante e orientadora caso diminuamos o passo, corramos segundo permitam nossas forças e, em meio a tudo isso, “[prossigamos] com firmeza em Cristo”. (2 Néfi 31:20)
Brent L. Top está servindo como presidente da Missão Illinois Peoria.