Voltar-nos para o Senhor
Jamais permita que uma circunstância terrena prejudique sua espiritualidade.
Há muitos anos, vi um momento de tristeza transformar-se em tragédia. Um jovem casal estava prestes a ter seu primeiro bebê. A vida deles estava repleta de expectativa e de empolgação diante desse acontecimento extraordinário. Durante o parto houve complicações, e o bebê não sobreviveu. A tristeza virou pesar; o pesar virou raiva; a raiva virou acusação e a acusação virou vingança contra o médico a quem atribuíram total responsabilidade. Os pais e outros membros da família se envolveram intensamente, num esforço conjunto, para tentar arruinar a reputação e a carreira do profissional. Com o passar das semanas e dos meses, durante os quais a mágoa consumia a família, sua amargura passou a ser dirigida ao Senhor. “Como Ele permitiu que algo tão horrível acontecesse?” Eles recusaram os repetidos esforços dos líderes e dos membros da Igreja no intuito de levar-lhes consolo espiritual e emocional e, com o passar do tempo, afastaram-se da Igreja. Já são quatro gerações da família afetadas. Onde anteriormente havia fé e devoção pelo Senhor e Sua Igreja, não há mais nenhuma atividade espiritual por parte de qualquer membro da família, há décadas.
Nas circunstâncias mais difíceis da vida, em geral, só existe uma fonte de paz. O Príncipe da Paz, Jesus Cristo, estende Sua graça ao fazer o convite: “Vinde a mim, todos os que estais cansados e oprimidos, e eu vos aliviarei” (Mateus 11:28). Ele promete ainda: “A minha paz vos dou; não vo-la dou como o mundo a dá” (João 14:27).
Meus avós paternos tiveram dois filhos: um homem (meu pai) e uma mulher. Depois de servir como missionário e prestar serviço militar no Havaí, meu pai voltou às ilhas em 1946, para estabelecer-se profissionalmente e criar sua família. Seus pais moravam em Salt Lake City, e também sua irmã. Ela se casou em 1946 e, quatro anos mais tarde, teve sua primeira gestação. Existe algo muito especial para os pais que esperam ansiosamente que sua filha (neste exemplo, a única filha) dê à luz pela primeira vez. Ninguém sabia que eram gêmeos. Infelizmente, ela e os gêmeos faleceram durante o parto.
Meus avós ficaram arrasados. Sua dor, entretanto, imediatamente fez com que se voltassem para o Senhor e para Sua Expiação. Sem se deterem nos motivos pelos quais isso aconteceu e em quem poderiam pôr a culpa, concentraram-se no empenho de levar uma vida digna. Meus avós nunca foram ricos; nunca circularam entre a elite social; nunca ocuparam cargos de destaque na Igreja — eram simplesmente fiéis santos dos últimos dias.
Depois de se aposentarem, em 1956, mudaram-se para o Havaí para morar perto de seu único descendente. Nas décadas que se seguiram, amaram sua família, serviram na Igreja e, principalmente, desfrutaram da companhia um do outro. Não gostavam de se separar e até diziam que quem partisse primeiro tentaria achar um jeito de fazer com que logo voltassem a ficar juntos. Perto de seu 90º aniversário, após 65 anos de casamento, ambos faleceram com uma diferença de horas, de causas naturais. Como seu bispo, dirigi a cerimônia do duplo funeral.
A fidelidade do vovô Art e da vovó Lou, principalmente diante das dificuldades, influenciou as quatro gerações seguintes até o presente. Direta e profundamente, ela afetou seu filho (meu pai) e minha mãe, quando minha irmã, que era a caçula, faleceu devido a complicações pós-parto. Aos 34 anos, ela morreu dez dias após o parto, deixando quatro filhos, com idades entre dez dias e oito anos. Vendo o exemplo da geração que os precedera, meus pais — sem hesitar — voltaram-se para o Senhor em busca de consolo.
Tanto no mundo lá fora quanto entre os membros da Igreja existem grandes alegrias e grandes tristezas. As duas coisas fazem parte do plano. Sem uma, não conheceríamos a outra. “Os homens existem para que tenham alegria” (2 Néfi 2:25) e “porque é necessário que haja uma oposição em todas as coisas” (2 Néfi 2:11), não são afirmações contraditórias — são complementares. Ao descrever como se sentiu ao se voltar para o Senhor, Alma, o filho, disse: “Minha alma encheu-se de tanta alegria quanta havia sido minha dor” (Alma 36:20).
Há quem se sinta subjugado por problemas enormes. Outros deixam que pequenas questões se tornem grandes. Symonds Ryder foi um líder campbelita que ouviu falar da Igreja e marcou uma reunião com Joseph Smith. Movido pelo que sentiu nessa ocasião, filiou-se à Igreja em junho de 1831. Imediatamente depois, foi ordenado élder e chamado para servir em uma missão. Contudo, tanto no chamado feito pela Primeira Presidência quanto no documento oficial que o comissionava a pregar, uma letra de seu nome fora trocada. O sobrenome foi escrito R-i-d-e-r, mas o correto seria R-y-d-e-r. Isso o levou a questionar seu chamado e aqueles que o emitiram. Decidiu não servir na missão e se afastou, o que logo resultou em ódio e intensa oposição a Joseph e à Igreja. Em março de 1832, quando Joseph Smith e Sidney Rigdon foram arrancados de casa durante a noite, por uma turba furiosa, e cobertos de piche e penas, ouviu-se alguém gritando: “Simonds, Simonds [sic], onde está o balde de alcatrão?” (History of the Church, vol. 1, pp. 262–263). Em menos de dez meses, Symonds Ryder passou de converso motivado a líder da turba furiosa, tendo seu declínio espiritual começado ao sentir-se ofendido porque uma letra de seu nome fora trocada — uma única letra. Não importa o tamanho do problema — a maneira como reagimos pode mudar o curso de nossa vida.
O Profeta Joseph Smith deu o exemplo de como lidar com a tragédia pessoal e a oposição. A revelação que recebeu enquanto estava preso sob condições desumanas na Cadeia de Liberty foi esta divina orientação (que, em parte descreve a vida de Joseph até aquele momento e faz uma advertência): Se “tolos [zombarem] de ti (…), se te for requerido sofrer tribulações; se te encontrares em perigo entre os falsos irmãos; (…) se fores acusado de toda sorte de falsidades; se teus inimigos caírem sobre ti; (…) se fores lançado na cova ou nas mãos de assassinos (…) e todos os elementos se unirem para obstruir o caminho; e, acima de tudo, se as próprias mandíbulas do inferno escancararem a boca para tragar-te, sabe, meu filho, que todas essas coisas te servirão de experiência e serão para o teu bem” (D&C 122:1, 5–7). Depois, a grande declaração: “O Filho do Homem desceu abaixo de todas elas. És tu maior do que ele?” (v. 8). A isso se seguiram claras orientações e grandes promessas. “Portanto persevera em teu caminho e (…) não temas o que o homem possa fazer, pois Deus estará contigo para todo o sempre” (v. 9).
Nos anos seguintes, Joseph Smith continuou perseverando em retidão numa vida repleta de adversidade. Ele nos ofereceu esta perspectiva cheia de fé: “E quanto aos perigos que de mim é requerido passar, parecem-me coisa pequena, (…) estou habituado a nadar em águas profundas, (…) glorio-me na tribulação; pois (…) Deus (…) livrou-me de todas elas e livrar-me-á daqui em diante” (D&C 127:2). A confiança de Joseph em superar a oposição constante tinha por fundamento sua capacidade de voltar-se continuamente para o Senhor.
Se você se acha injustiçado — por alguém (um membro da família; um amigo, outro membro da Igreja; um líder da Igreja; um colega de trabalho) ou por alguma coisa (a perda de um ente querido; problemas de saúde; crise financeira; abuso ou maus-tratos; vício) — lide com a questão diretamente e empregue nisso todas as suas forças. “Persevera em teu caminho” (D&C 122:9); desistir não é uma opção. E, sem demora, volte-se para o Senhor. Exerça toda a fé que você tem Nele. Deixe-O aliviar seu fardo. Permita que Sua graça alivie sua carga. Foi-nos prometido que “não [padeceríamos] qualquer espécie de aflição que não pudesse ser sobrepujada pela alegria em Cristo” (Alma 31:38). Jamais permita que uma circunstância terrena prejudique sua espiritualidade.
Seu ato mais exemplar, a Expiação, exigiu que Jesus descesse “abaixo de todas as coisas” (D&C 88:6) e sofresse “as dores dos homens” (2 Néfi 9:21). Assim, compreendemos que a Expiação tem um propósito mais abrangente do que o de prover um meio de vencer o pecado. Essa, que foi a maior de todas as realizações terrenas, dá ao Salvador o poder de cumprir a seguinte promessa: “Se vos voltardes para o Senhor com todo o coração e colocardes vossa confiança nele e o servirdes com toda diligência (…), se assim fizerdes ele vos livrará do cativeiro” (Mosias 7:33).
Ao celebrarmos hoje a manhã da Páscoa, que nos voltemos para o Senhor, nossa “resplandecente estrela da manhã” (Apocalipse 22:16). Testifico-lhes que Ele iluminará para sempre o nosso caminho, a nossa verdade e a nossa vida (ver João 14:6). Em nome de Jesus Cristo. Amém.