1990–1999
Arrependimento
October 1991


Arrependimento

“O arrependimento é uma doutrina resgatadora - não melancólica. Está ao alcance do pecador comum, assim como da pessoa que já alcançou um certo nível de retidão e busca um desenvolvimento maior.”

Rejubilo-me convosco no testemunho e talento destas novas Autoridades Gerais.

Há alguns meses venho tentando ressaltar o arrependimento, uma das doutrinas mais vitais e misericordiosas do reino. O arrependimento é pouco compreendido, pouco aplicado por nós. É como se fosse apenas uma palavra num adesivo de çarro. Uma vez que Jesus nos disse claramente o tipo de pessoas que nos devemos tornar - como ele é (vide 3 Néfl 27:27) - como podemos fazer isso, a não ser empregando o arrependimento como instrumento regular de nosso progresso? Tomar nossa cruz diariamente inclui arrependimento pessoal. (Vide Lucas 9:23.) Sem ele, obviamente não poderia haver “aperfeiçoamento dos santos” (Efésios 4:12).

Além disso, há mais individualidade nas pessoas que são mais santas.

O pecado já produz uma semelhança; ele nos reduz a apetites viciadores e impulsos incontrolados. Por um momento breve e egoísta, o pecado pode criar a ilusão de individualidade, mas apenas como no caso dos endemoninhadas porcos gergesenos! (Vide Mateus 8:28-32.)

O arrependimento é uma doutrina resgatadora - não melancólica. Está ao alcance do pecador comum, assim como da pessoa que já alcançou um certo nível de retidão e busca um desenvolvimento maior.

O arrependimento requer que nos afastemos do pecado e, também, que nos voltemos para Deus. (Vide Deuteronômio 4:30.)Quando é exigida “uma poderosa mudança”, o arrependimento total significa uma guinada de 180 graus, sem olhar para trás! (Alma 5:12-13.) De início, esta guinada reflete um progresso do comportamento teleste para o terrestre, e, depois, para o comportamento celestial. Quando os pecados do mundo telestial são abandonados, dá-se mais ênfase aos pecados de omissão, que freqüentemente nos impedem de chegar à consagração total.

O arrependimento real envolve, não uma lista de verificação mecânica, porém o controle do eu natural. Todas as partes do processo de arrependimento são essenciais e, com freqüência, se sobrepõem e se reforçam mutuamente. Este processo repousa numa decisão interior, mas um apoio externo é de grande ajuda.

Não pode haver arrependimento sem reconhecimento do erro. Seja por sugestão, introspecção, ou lembrança dolorosa, é preciso dissolver a negação. Como com o filho pródigo, que finalmente caiu em si (vide Lucas 15:17), os primeiros vestígios do reconhecimento fazem com que comecemos a ver as “coisas como realmente são” (Jacó 4:13), aprendendo, inclusive, a distinguir os carunchos dos feijões. A admissão do erro é um momento sagrado, com freqüência seguido pelo rubor da vergonha.

Depois do reconhecimento, o remorso verdadeiro inunda a alma. Isto é uma “tristeza segundo Deus”, não simplesmente a “tristeza do mundo” nem o “lamento dos condenados”, quando não mais podemos “deleitar-(nos) no pecado” (II Coríntios 7:10; Mórmon 2:13). O falso remorso, porém, é o mesmo que “acarinhar nossas falhas”. Nessa lamentação, pranteamos nossos erros, mas não os corrigimos.

Não pode haver arrependimento verdadeiro sem sofrimento pessoal e sem que se passe tempo suficiente para a purificação e a reforma necessárias. Isto é muito mais do que simplesmente esperar até que o remorso se aquiete. A angústia, como a adversidade, tem seus próprios usos. Não é de admirar que tantas vezes o castigo seja necessário, para que a transformação realmente aconteça! (Vide D&C 1:27; Helamã 12:3.)

O remorso genuíno produz rapidamente indicadores positivos, “frutos dignos de arrependimento” (Mateus 3:8; vide também Atos 26:20; Alma 5:54). “Com o correr do tempo”, esses frutos brotam, florescem e ficam maduros.

O verdadeiro arrependimento também inclui a confissão: “Agora pois fazei confissão ao Senhor Deus de vossos pais” (Esdras 10:11). A pessoa que tem o coração quebrantado não esconde nada. Quando a confissão escoa o pecado repugnante, o Espírito, que se afastara, retorna, trazendo a renovação.

Neste momento, o apoio de outras pessoas é fundamental. Assim, somos chamados para fazer parte de uma comunicade zelosa, na qual nós todos “(erguemos) as mãos que pendem e (fortalecemos) os joelhos enfraquecidos” (vide D&C 81:5). Os cidadãos da inigualável Cidade de Enoque não alcançaram este tipo de progresso, “com o correr do tempo”? (Moisés 7:21; Moisés 68-69.)

Todos os pecados devem ser confessados ao Senhor, alguns a um oficial da Igreja, outros a outro, e alguns a todos esses. Há até uns que exigem confissão pública. A confissão ajuda a abandonar o pecado. Não podemos pecar pública e amplamente, e depois esperar um resgate particular e rápido, sendo fustigados “com apenas algumas chibatadas” (vide D&C 42:88-93).

No arrependimento genuíno, há um abandono real do pecado. “Vinde, e convertei-vos de todas as vossas transgressões, e a iniqüidade não vos servirá de tropeço” (Ezequiel 18:30). Um Corior sofredor confessou: “Sabia que existia um Deus”, mas sua reforma ainda estava incompleta (Alma 30:52); então, “Alma lhe disse: Se esta maldição te for tirada, tu novamente perverterás os corações deste povo” (Alma 30:55).

Portanto, quando “um homem se arrepende de seus pecados – eis que ele os confessará e os abandonará” (D&C 58:43).

O apoio e o amor autênticos de outras pessoas – não o isolamento - são necessários para sustentar este doloroso abandono do pecado e esta reforma!

A restituição também é exigida.

“Porquanto pecou… restituirá o roubo que roubou, ou o retido que retém violentamente, ou o depósito que lhe foi dado em guarda, ou o perdido que achou” (Levítico 6:4).

As vezes, contudo, a restituição não é possível em termos reais, como quando uma pessoa contribui para a perda de fé ou da virtude de outra. Como substitutos, exemplos de retidão são formas compensatórias de restituição.

Neste rigoroso processo, é óbvio que muito depende da humildade. O orgulho impede até mesmo o início ou a continuidade do arrependimento. Algumas pessoas falham porque estão mais preocupadas com a preservação de sua imagem pública do que com a possibilidade de ter a imagem de Cristo em seu semblante! (Alma 5:14.) O orgulho prefere o arrependimento barato, pago com mágoa superficial. Não é de admirar que quem deseje um arrependimento banal, também deseje um perdão superficial, em vez de uma reconciliação verdadeira. Assim, o arrependimento real vai muito além de um simples “Sinto muito”.

No angustiante processo do arrependimento, podemos às vezes sentir que Deus nos abandonou. Na verdade, foi nosso comportamento que nos isolou dele. Assim, enquanto nos afastamos do pecado, mas ainda não estamos inteiramente voltados para Deus, ficamos especialmente vulneráveis. Não devemos, contudo, desistir, mas sim, voltar-nos para o braço de misericórdia de Deus, que nos espera, que nos está estendido “todo o dia”. (Jacó 5:47; Jacó 6:4; 2 Néfi 28:32; Mórmon 5:11.) Diferentemente de nós, Deus não tem um horário limitado de trabalho.

Ao andarmos pela fé, nada é mais difícil do que trilhar a estrada do arrependimento. Não obstante, com “fé para o arrependimento”, podemos remover os obstáculos do caminho e ir avante, para suplicar a misericórdia divina (Alma 34:16). A verdadeira contrição traz total capitulação. A pessoa simplesmente se rende, importando-se apenas com o que Deus pensa, não com o que “eles” pensam, enquanto ora humildemente: “ó Deus,… faz-me-lo saber e abandonarei todos os meus pecados para conhecer-te” (Alma 22:18). Desistir de todos os nossos pecados é a única forma de virmos a conhecer Deus.

Aqueles, porém, que ocultarem alguns de seus pecados, serão detidos em seu progresso. Também o serão os que se recusarem a trabalhar humilde e honestamente com os servos designados do Senhor. Uma confissão parcial aos líderes designados resulta em total responsabilidade. O Profeta Joseph disse: “Não devemos… ocultar nada” (The Words of Joseph Smith, ed. Andrew F. Ehat e Lyndon W. Cook, Provo, Utah: Centro de Estudos Religiosos, Universidade Brigham Young, 1980, p. 7).

Tendo em vista nosso progresso total, o arrependimento não tem como único propósito a renúncia à transgressão. Por exemplo, Moisés foi um homem justo e notável. Não obstante, precisou mudar seu estilo de liderança, pelo seu próprio bem-estar e pelo de seu povo. ( Êxodo 18:17-19.) Moisés obteve êxito porque era o homem mais humilde da terra. (Vide Números 12:3.) Bem-aventurados são os humildes, pois nem se ofendem facilmente com conselhos nem se aborrecem com admoestações. Se fôssemos mais humildes, irmãos e irmãs, o arrependimento seria muito mais aplicado e menos teórico.

Nossas deficiências na maneira de agir geralmente refletem um atributo cristão mal desenvolvido, como quando um mau ouvinte crônico exibe falta de amor ou humildade. Somos todos rápidos demais em perdoar a nós mesmos em questões de comportamento.

Mesmo não cometendo transgressões muito graves, podemos desenvolver um sentimento de auto-satisfação, ao invés de procurarmos melhorar. Isto aconteceu uma vez com Amuleque, que mais tarde reconheceu: “fui chamado muitas vezes e não quis ouvir; portanto eu sabia, a respeito destas coisas,… embora não o quisesse saber; e assim me fui rebelando contra Deus.” (Alma 10:4-6.)

Considerando a relevância do arrependimento como um princípio de progresso para todos, não é de admirar que o Senhor tenha afirmado a seus servos, inúmeras vezes, que a coisa mais valiosa seria pregar o arrependimento a esta geração! (Vide D&C 6:9; D&C 14:8; D&C 15:6.)

Há outras coisas ainda que, teimosamente, impedem o arrependimento, como por exemplo não sermos reprovados quando poderíamos ter sido menos orgulhosos e mais aptos a reconhecer a necessidade de transformação. (Vide D&C 121:43.) Em tais situações, verdadeiramente “ninguém cuidou da minha alma” (Salmos 142:4).

Podemos, também, sentir uma grande autopiedade, essa lama na qual tão facilmente brota o pecado, ou estar envolvidos demais num comportamento que se consolidou, para nos afastarmos dele.

É possível, ainda, que estejamos muito preocupados em agradar “a mente carnal” (Alma 30:53), que sempre nos pergunta com insistência: “O que fizeste por mim ultimamente?” Podemos, também, ter dificuldade em perdoar, recusando-nos a reclassificar as pessoas. Não obstante, “aquele que não perdoa a seu irmão as suas ofensas, está em condenação diante do Senhor; pois nele permanece o pecado maior” (D&C 64:9). Não podemos arrepender-nos por outras pessoas, mas podemos perdoar outras pessoas, recusando-nos a manter como reféns aqueles que o Senhor procura libertar!

Ironicamente, há pessoas que acreditam que o Senhor pode perdoá-las, mas que se recusam a perdoar a si próprias. O que também nos atrapalha, às vezes, é não nos ter sido ensinado, na verdade, o porquê e o como do arrependimento.

Quando nos arrependemos, entretanto, temos a certeza de que, “Ainda que os vossos pecados sejam como a escarlata, eles se tornarão brancos como a neve: ainda que sejam vermelhos como o carmesim, se tornarão como a branca lã” (Isaías 1:18).

“De todas suas transgressões … não haverá lembrança contra ele” (Ezequiel 18:22).

“Eu, o Senhor, deles (seus pecados) não mais me lembro!” (D&C 58:42.)

Além de todas as razões para o arrependimento de cada um, já expostas, os membros da Igreja têm um compromisso especial, irmãos. Esse compromisso foi visto por Néfi. Num dia futuro, disse ele, o povo do convênio de Jesus, “espalhado sobre a face da terra”, será “(armado) com a justiça e o poder de Deus, em grande glória” (1 Néfi 14:14). Isto vai acontecer, mas somente depois que um número maior de membros da Igreja se tomar mais santificado e aperfeiçoado em sua conduta.

Há alguns versos orientadores em um de nossos hinos prediletos:

Vinde a Cristo, desconsolados,

Vossos pesares lhe confiareis.

Ele vos chama ao belo porto

Onde descanso tereis…

Vinde a Cristo, ele vos ouve.

Ele do mal vos libertará; Com infinitas

bênçãos vos busca

E seu amor vos dará.

(Hinos, n° 69.)

Irmãos, não precisamos jamais confundir nuvens passageiras com trevas totais. A Luz Expiatória do mundo nos indica a diferença. Por nossa causa, a consagração do maravilhoso Jesus foi perfeita. Jesus deixou que sua própria vontade fosse totalmente absorvida pela vontade do Pai. Para que nos acheguemos a Jesus precisamos, da mesma forma, entregar-nos a Deus, sem reter nada. Aí, então, outras promessas sublimes estarão à nossa espera.

O profeta Mórmon declarou que Jesus espera de “braços abertos para (nos) receber” (Mórmon 6:17), enquanto que as pessoas que não se arrependerem e não se consagrarem jamais conhecerão a alegria maior, descrita por Mórmon, que sabia de que falava, ou seja, a de sermos recebidos nos braços de Jesus (vide Mórmon 5:11).

Que Deus vos ajude a viver de modo a merecer esse maravilhoso momento, é minha oração por mim mesmo – por todos nós – no santo nome do Grande Redentor, Jesus Cristo, amém.