Cristo e a Cultura do Velho Testamento
Um estudo cuidadoso desse importante livro de escrituras vai ajudá-lo a adquirir maior apreço pelo Salvador, por Seu sacrifício eterno e por aqueles que aguardaram ansiosamente o Seu nascimento.
Ao começarmos o estudo do Velho Testamento, muitos de nós talvez tenhamos de superar o condicionamento que nos leva a olhar esse precioso livro de escrituras pelo prisma da nossa cultura. Caso contrário, a imposição do entendimento cultural moderno sobre uma sociedade que existiu milhares de anos no passado fará o Velho Testamento parecer estranho e intangível.
O condicionamento cultural pode fazer com que nos perguntemos por que na sociedade bíblica era comum que a irmã mais velha se casasse antes da irmã mais nova (ver Gênesis 29:25–26); que as mulheres carregassem água e outros fardos nos ombros (ver Gênesis 21:14; 24:15); que as pessoas descessem do camelo ou do jumento em sinal de respeito, quando cumprimentavam outras pessoas (ver Gênesis 24:64; I Samuel 25:23; II Reis 5:21); que as pessoas se inclinassem umas perante as outras (ver Gênesis 18:2–3; 19:1; 23:7, 12; 42:6); que os pais escolhessem a noiva para o filho (ver Gênesis 21:21; 24:4; 38:6); ou que os convidados lavassem os pés ao chegarem à casa do anfitrião (ver Gênesis 18:4; 19:2; 43:24).
Não podemos apreciar e compreender a Bíblia se a removermos do próprio contexto e a colocarmos em nossa cultura moderna. Em vez disso, devemos mudar nosso modo de pensar para compreender melhor o estilo de vida antigo.
O Velho Testamento fornece muitas informações interessantes e úteis sobre a cultura dos antigos profetas, povos e civilizações — informações sobre: música, idioma, arte, literatura, instituições religiosas, sistema monetário, alimentação, vestuário, estrutura do calendário, práticas matrimoniais, etc. Essas informações poderiam ser apenas um interessante estudo cultural e histórico, se o Velho Testamento não oferecesse uma recompensa muito maior e mais importante para a vida dos que estudam seu conteúdo — muitas vezes assustador — que é o de conduzi-los a Jesus Cristo.
O Velho Testamento é o primeiro testamento do Salvador e registra grande número de práticas culturais e religiosas que enfocam Cristo e Sua Expiação de modo simbólico ou profético. Cinco exemplos do Velho Testamento ilustram a prevalência de práticas religiosas que proporcionam uma compreensão mais profunda de Jesus Cristo, de Sua Expiação e de nosso relacionamento com Ele.
Como um Cordeiro ao Matadouro
Depois do sofrimento de Jesus no Getsêmani, Ele Se encontrou com Judas e “a coorte e oficiais dos principais sacerdotes e fariseus, [que foram] para ali com lanternas, e archotes e armas” (João 18:3). Jesus submeteu-Se a uma indignidade, ao permitir que aquela multidão O levasse e O prendesse (ver João 18:12).
O testemunho de João não conta como Jesus foi amarrado, mas o Élder Bruce R. McConkie, do Quórum dos Doze Apóstolos (1915–1985), deu-nos uma vigorosa ideia ao dizer que Jesus foi, então, “levado com uma corda no pescoço, como um criminoso comum”.1 Esse detalhe não se encontra nos relatos dos Evangelhos e, portanto, deve ter sido revelado profeticamente a alguém que foi apoiado como profeta, vidente e revelador.
A corda no pescoço do Salvador lembra a prática de se amarrar um criminoso comum. Também nos faz lembrar uma prática comum na Terra Santa, hoje em dia, na qual uma ovelha ou os bodes são levados para o matadouro com uma corda amarrada no pescoço. Essa prática tem suas raízes na época do Velho Testamento. Os escritos do Velho Testamento anteciparam esse acontecimento da vida de Jesus quando Isaías profetizou que o Messias seria “oprimido e afligido, mas não abriu a sua boca; como um cordeiro foi levado ao matadouro” (Isaías 53:7).
Esfolar a Vítima Sacrifical
O livro de Levítico menciona uma prática religiosa em que o bezerro é esfolado depois de morto: “Depois degolará o bezerro perante o Senhor; (…) Então esfolará o holocausto” (Levítico 1:5–6).
Esfolar significa tirar a pele do animal. Depois de a oferta sacrifical ser morta, a pessoa que fazia a oferta ou um membro do sacerdócio esfolava o animal. A palavra hebraica psht, traduzida como “esfolar”, geralmente significa “despir as vestes” (ver Gênesis 37:23; I Samuel 19:24; Ezequiel 16:39; 44:19).
Os animais esfolados eram um símbolo de Jesus Cristo. Jesus foi rudemente despido de Suas vestes — Seus garments e Sua “túnica” — antes da Crucificação:
“Tendo, pois, os soldados crucificado a Jesus, tomaram as suas vestes, e fizeram quatro partes, para cada soldado uma parte; e também a túnica. A túnica, porém, tecida toda de alto a baixo, não tinha costura.
Disseram, pois, uns aos outros: Não a rasguemos, mas lancemos sortes sobre ela, para ver de quem será. Para que se cumprisse a Escritura que diz: Repartiram entre si as minhas vestes, E sobre a minha vestidura lançaram sortes” (João 19:23–24).
O Presidente Spencer W. Kimball (1895–1985) escreveu: “Como Ele deve ter sofrido quando [os soldados] violaram Sua privacidade, despindo-O de Suas roupas e depois vestindo-Lhe um manto escarlate!”2
A esfolação dos animais do sacrifício também foi um prenúncio do flagelo de Jesus. Quando Ele foi levado perante o governador romano Pôncio Pilatos, partes da pele de Jesus tinham sido esfoladas quando Ele foi açoitado (ver Mateus 27:26). Talvez Pedro se referisse a essa flagelação ou às marcas dos cravos nas mãos e nos punhos do Salvador, quando escreveu que Jesus levou “em seu corpo os nossos pecados” (I Pedro 2:24). Isaías havia profetizado a flagelação mais de sete séculos antes. A respeito do Salvador, ele escreveu: “As minhas costas ofereci aos que me feriam” (Isaías 50:6).
O Pão Perfurado
Várias passagens do Velho Testamento se referem a um alimento especial, semelhante ao pão, que era comido pelos que adoravam no templo ou queimado no altar com as ofertas sacrificiais (ver Êxodo 29:2; Levítico 2:4; Números 6:15). Em hebraico, esse pão é chamado de halah (plural, halot), que sugere um pão “perfurado” (da raiz hebraica hll, “perfurar, traspassar”). Em outro lugar nas escrituras a raiz hebraica (hll) se refere a traspassar, especificamente a alguém que é traspassado por uma espada ou flecha (ver I Samuel 31:3; Lamentações 4:9).
Não sabemos por que aquele pão era chamado de halah, talvez porque a massa fosse perfurada antes de ser colocada no forno. O pão perfurado poderia muito bem ser um símbolo de Jesus Cristo, que é chamado de “pão da vida” (João 6:35) e que foi traspassado enquanto estava na cruz (ver João 19:34). Tanto Isaías quanto o salmista profetizaram que Jesus seria traspassado como parte da Expiação: “Ele foi ferido por causa das nossas transgressões” (Isaías 53:5). “Traspassaram-me as mãos e os pés” (Salmos 22:16).
Assim como o pão perfurado era uma parte significativa do antigo sistema sacrifical, os santos da era cristã primitiva e novamente em nossa própria dispensação usam o pão partido em lembrança do sacrifício de Cristo. Lembramos que o próprio Jesus partiu o pão sacramental como prenúncio de Seu corpo quebrantado. Lemos em Mateus: “E, quando comiam, Jesus tomou o pão, e abençoando-o, o partiu, e o deu aos discípulos, e disse: Tomai, comei, isto é o meu corpo” (Mateus 26:26).
O fato de o pão partido ser um emblema do corpo quebrantado de Jesus fica bem claro nas declarações feitas por profetas modernos, inclusive o Presidente John Taylor (1808–1887): “Alegro-me em reunir-me com os santos. Gosto de partir o pão com eles em celebração do corpo ferido de nosso Senhor e Salvador Jesus Cristo, e também de partilhar do cálice, em lembrança de Seu sangue derramado por nós”.3
O Azeite Batido
O antigo sistema sacrifical incluía várias regras referentes ao azeite de oliva batido ou ao “azeite que era feito batendo ou socando azeitonas num pilão”.4 Por exemplo: a oferta diária no templo incluía dois cordeiros, uma oferta de bebida, e farinha misturada com azeite batido (ver Êxodo 29:40; Números 28:5–6). Essas três ofertas — os cordeiros, a bebida, e a mistura de farinha e azeite — eram oferecidos “cada dia, em contínuo holocausto” (Números 28:3).
O azeite batido também era utilizado nas lâmpadas do templo para prover luz aos que trabalhavam no templo. Deus ordenou a Moisés: “Tu pois ordenarás aos filhos de Israel que te tragam azeite puro de oliveiras, batido, para o candeeiro, para fazer arder as lâmpadas continuamente” (Êxodo 27:20).
No Livro de Mórmon, Abinádi declarou: “Ele é a luz e a vida do mundo; sim, uma luz sem fim, que nunca poderá ser obscurecida” (Mosias 16:9). É muito apropriado, portanto, que o azeite batido fosse usado nas lâmpadas para iluminar o templo, assim como Cristo concede luz ao mundo inteiro.
O azeite batido tem outra relação com Jesus Cristo. O azeite batido é descrito como “refinado e caro”5 e era altamente valorizado, mais do que o azeite de oliva preparado por outros métodos, como na prensa de azeitonas. O azeite batido era usado porque simbolizava o Salvador de duas formas importantes: Primeiro, Ele é o Ungido ou aquele que foi ungido com azeite de oliva. Ele é chamado de Cristo e de Messias, que significam o ungido (com azeite de oliva) em grego e hebraico. Segundo, o azeite batido prenuncia o que aconteceu com Jesus Cristo poucas horas antes de Sua morte na cruz: também bateram Nele. Mateus, Marcos e Lucas dão testemunho disso:
“Então cuspiram-lhe no rosto e lhe davam punhadas, e outros o esbofeteavam” (Mateus 26:67).
“E alguns começaram a cuspir nele, e a cobrir-lhe o rosto, e a dar-lhe punhadas, (…) e os servidores davam-lhe bofetadas” (Marcos 14:65).
“E os homens que detinham Jesus zombavam dele, ferindo-o.
E, vendando-lhe os olhos, feriam-no no rosto, e perguntavam-lhe, dizendo: Profetiza, quem é que te feriu?” (Lucas 22:63–64).
O Presidente Kimball escreveu o seguinte a esse respeito: “Em serena, contida e divina dignidade, Ele suportou quando Lhe cuspiram no rosto. Manteve-Se calmo. Nenhuma palavra irada escapou-Lhe dos lábios. Feriram-Lhe o rosto e deram-Lhe punhadas. Mas Ele permaneceu resoluto, sem Se intimidar.”6
Sete séculos antes, Isaías havia profetizado a respeito dos maus-tratos que Jesus Cristo sofreria: “As minhas costas ofereci aos que me feriam, e a minha face aos que me arrancavam os cabelos; não escondi a minha face dos que me afrontavam e me cuspiam” (Isaías 50:6).
Imposição de Mãos
A imposição de mãos na cabeça de certos animais sacrificiais era uma parte importante do antigo sistema de oferecer sacrifícios. Várias pessoas participavam da imposição de mãos, incluindo:
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Israelitas individuais: “Quando algum de vós oferecer oferta ao Senhor, (…) porá a sua mão sobre a cabeça do holocausto, para que seja aceito a favor dele, para a sua expiação” (Levítico 1:2, 4).
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Anciões (Élderes): “E os anciãos da congregação porão as suas mãos sobre a cabeça do novilho perante o Senhor; e degolar-se-á o novilho perante o Senhor” (Levítico 4:15).
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Governantes: O governante “porá a sua mão sobre a cabeça do bode” (Levítico 4:24).
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Membros da comunidade: “Qualquer pessoa do povo (…) porá a sua mão sobre a cabeça da oferta da expiação do pecado” (Levítico 4:27, 29).
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Sumos sacerdotes: “Arão porá ambas as suas mãos sobre a cabeça do bode vivo” (Levítico 16:21).
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Levitas: “E os levitas colocarão as suas mãos sobre a cabeça dos novilhos (…) para fazer expiação pelos levitas” (Números 8:12).
O Senhor ordenou a imposição de mãos para várias ofertas sacrificiais, inclusive holocaustos, ofertas de paz e ofertas pelo pecado (ver Levítico 1:4; 3:1–2; 4:3–4; 24:10–16).
O ato de impor as mãos sobre os animais sacrificiais ensina a lei vicária ou o poder de alguém agir em lugar de outro. Nesse caso, ele transmite simbolicamente os pecados do povo para a cabeça do animal. Ou, como declarou um estudioso da Bíblia, a imposição de mãos “identifica o pecador com a vítima sacrifical a ser morta e simboliza a oferta da própria vida”.7 O simbolismo da imposição de mãos, no contexto das ofertas sacrificiais, está expresso em Levítico 16:21–22, onde o sumo sacerdote transmite os pecados e iniquidades de Israel para a cabeça do bode:
“E Arão porá ambas as suas mãos sobre a cabeça do bode vivo, e sobre ele confessará todas as iniquidades dos filhos de Israel, e todas as suas transgressões, e todos os seus pecados; e os porá sobre a cabeça do bode. (…)
Assim aquele bode levará sobre si todas as iniquidades deles”.
Os animais sacrificiais, evidentemente, eram símbolos e representações de Jesus Cristo, que tomou sobre Si os nossos pecados e iniquidades antes de Sua morte na cruz.
A compreensão da cultura do Velho Testamento pode ajudar-nos a desvendar o pleno significado das escrituras do Velho Testamento. Isso é particularmente verdadeiro em relação às coisas que apontam para Jesus Cristo e se concentram Nele. Um estudo cuidadoso desse importante livro de escrituras vai ajudar-nos a ter mais gratidão por Ele, por Seu sacrifício eterno e por aqueles que aguardavam o Seu nascimento.