2010
Que Haja Luz!
Novembro de 2010


Que Haja Luz!

Em nosso mundo cada vez mais iníquo, é essencial que os valores que se baseiam nas crenças religiosas façam parte dos debates públicos.

Elder Quentin L. Cook

Fiz aniversário no mês passado. Minha esposa, Mary, presenteou-me com um CD de uma famosa cantora britânica chamada Vera Lynn com músicas de esperança e fé que inspiraram o público nos dias sombrios da Segunda Guerra Mundial.

Há toda uma história por trás desse presente de minha esposa. Os bombardeios em Londres, em setembro de 1940, começaram na véspera de meu nascimento.1 Minha mãe, ao ouvir no rádio do hospital o desenrolar da Blitz de Londres, decidiu dar-me o nome de um radialista chamado Quentin.

A cantora Vera Lynn hoje tem 93 anos de idade. Ano passado, algumas de suas músicas da época da guerra foram regravadas e logo chegaram ao topo das paradas britânicas. As pessoas de mais idade devem recordar algumas dessas músicas, como “The White Cliffs of Dover” [Os Penhascos Brancos de Dover].

A música chamada “When the Lights Go on Again (All over the World)” [Quando as Luzes Se Reacenderem (em Todo o Mundo)] me tocou profundamente. A música trouxe-me dois pensamentos à mente: primeiro, as palavras proféticas de um estadista britânico: “As lâmpadas estão apagando-se em toda a Europa. Não as veremos acesas em nossa época”;2 e segundo, os bombardeios que atingiram cidades britânicas como Londres. Para dificultar a localização dos alvos pelos inimigos, foram instituídos blecautes. As luzes foram apagadas e as janelas, cobertas.

Essa música era permeada da esperança otimista de que a liberdade e a luz seriam restauradas. Para nós, que compreendemos o papel do Salvador e da Luz de Cristo3 no conflito contínuo entre o bem e o mal, a analogia entre essa guerra mundial e os conflitos morais de hoje fica bem clara. É pela Luz de Cristo que toda a humanidade pode “diferenciar o bem do mal”.4

Nunca foi fácil alcançar ou conservar a liberdade e a luz. Desde a Guerra nos Céus, as forças do mal vêm usando todos os meios possíveis para destruir o arbítrio e extinguir a luz. Os ataques aos princípios morais e à liberdade religiosa nunca foram tão fortes.

Como santos dos últimos dias, precisamos dar tudo de nós para preservar a luz e proteger nossa família e a comunidade das investidas contra a moralidade e a liberdade religiosa.

Proteger a Família

Um perigo constante para a família são os ataques das forças do mal que parecem vir de todos os lados. Embora nossa principal preocupação seja buscar luz e verdade, convém-nos proteger o lar das bombas letais que destroem o desenvolvimento e o crescimento espirituais. A pornografia, em particular, é uma arma de destruição moral em massa. Seu impacto é determinante na erosão dos valores morais. Alguns programas de televisão e sites da Internet são igualmente letais. Essas forças malignas tiram a luz e a esperança do mundo. O nível de decadência aumenta em ritmo acelerado.5 Se não removermos o mal de nosso lar e de nossa vida, não devemos nos surpreender se explosões morais devastadoras estilhaçarem a paz que é a recompensa de uma vida digna. Compete-nos estar no mundo, sem ser do mundo.

Além disso, devemos aumentar muito a observância religiosa no lar. A reunião familiar semanal, a oração familiar diária e o estudo diário das escrituras em família são essenciais. Devemos ainda fazer um esforço consciente para propor à família diversões que sejam virtuosas, amáveis, de boa fama ou louváveis.6 Se não transformarmos o lar num lugar sagrado que nos proteja do mal, não estaremos preparados para as consequências adversas preditas nas escrituras.

Proteger a Comunidade

Além de proteger nossa própria família, devemos ser uma fonte de luz para proteger a comunidade. O Salvador disse: “Assim resplandeça a vossa luz diante dos homens, para que vejam as vossas boas obras e glorifiquem a vosso Pai, que está nos céus”.7

Nossa época já foi descrita como “um tempo de abundância e uma era de dúvidas”.8 A crença básica no poder e na autoridade de Deus não é apenas questionada, mas também depreciada. Nessas circunstâncias, como podemos promover valores de modo a tocar os descrentes e os apáticos e ajudar a deter o declínio galopante rumo à violência e ao mal?

Essa questão é de suma importância. Pensem no profeta Mórmon e em sua angústia ao declarar: “Como pudestes rejeitar aquele Jesus que estava de braços abertos para vos receber?”9 A aflição de Mórmon era justificada e seu filho, Morôni, sobreviveu para narrar a “triste história da destruição de [seu] povo”.10

Minha experiência pessoal de viver e interagir com pessoas de todo o mundo fez de mim um homem otimista. Creio que a luz e a verdade podem ser preservadas em nossa época. Em todas as nações, há multidões que adoram a Deus e sentem que têm de prestar contas de sua conduta a Ele. Alguns observadores creem até mesmo que há um redespertar da fé no mundo.11 Como líderes da Igreja, ao nos reunirmos com autoridades de outras religiões, aprendemos que há um alicerce moral comum que transcende diferenças ideológicas e nos une em nossas aspirações por uma sociedade melhor.

Também constatamos que a maioria das pessoas ainda respeita os valores morais básicos. Mas não se iludam: há, também, pessoas determinadas tanto a destruir a fé quanto a rejeitar qualquer influência religiosa na sociedade. Outras pessoas más exploram, manipulam e corrompem a sociedade com drogas, pornografia, exploração sexual, tráfico de seres humanos, roubos e práticas comerciais desonestas. O poder e a influência dessas pessoas são enormes, embora sejam relativamente pouco numerosas.

Sempre houve uma batalha contínua entre as pessoas de fé e as que gostariam de expurgar a religião e Deus da vida pública.12 Muitos formadores de opinião de hoje rejeitam uma visão moral do mundo baseada nos valores judaico-cristãos. A seu ver, não existe uma ordem moral objetiva.13 Creem que não se deve dar preferência a anseios morais.14

Ainda assim, em sua maioria, as pessoas aspiram a ser boas e honradas. A Luz de Cristo, que é distinta do Espírito Santo, guia-lhes a consciência. Sabemos pelas escrituras que a Luz de Cristo é “o Espírito [que] dá luz a todo homem que vem ao mundo”.15 Essa luz é dada “para o bem do mundo todo”.16 O Presidente Boyd K. Packer ensinou que essa é uma “fonte de inspiração que cada um de nós tem em comum com todos os demais membros da família humana”.17 É por isso que muitas pessoas aceitam certos valores morais mesmo que eles se baseiem em convicções religiosas que elas não têm pessoalmente. Como lemos em Mosias, no Livro de Mórmon, “Não é comum a voz do povo desejar algo contrário ao que é direito; mas é comum a minoria do povo desejar o que não é direito”. Mosias adverte em seguida que “Se chegar o tempo em que a voz do povo escolher iniquidade, então os julgamentos de Deus recairão”.18

Em nosso mundo cada vez mais iníquo, é essencial que os valores que se baseiam nas crenças religiosas façam parte dos debates públicos. Os posicionamentos morais inspirados por uma consciência religiosa devem estar em pé de igualdade com os demais na sociedade. A constituição da maioria dos países pode não dar preferência à consciência religiosa, mas tampouco deve desconsiderá-la.19

A fé religiosa é fonte de luz, conhecimento e sabedoria e beneficia a sociedade de modo significativo, quando os seguidores se pautam por princípios morais por sentirem que devem satisfações a Deus.20

Dois princípios religiosos vão ilustrar essa questão.

Conduta Honesta Motivada pela Responsabilidade para com Deus

A décima terceira regra de fé da Igreja declara: “Cremos em ser honestos”. A honestidade é um princípio que se baseia na crença religiosa e é uma das leis básicas de Deus.

Há muitos anos, quando eu advogava na Califórnia, um amigo e cliente que não era membro da Igreja me visitou e, com grande entusiasmo, mostrou-me uma carta que recebera de um bispo mórmon de uma ala próxima. O bispo contou que esse homem, antigo funcionário de meu cliente, subtraíra materiais do escritório de meu cliente, com a justificativa de que eram excedentes. Mas depois de tornar-se um santo dos últimos dias fiel e tentar seguir a Jesus Cristo, o funcionário reconheceu que seus atos tinham sido desonestos. A carta vinha acompanhada de uma quantia que cobria não só o custo dos materiais, mas também os juros. Meu cliente ficou impressionado ao ver a Igreja, por meio de seus líderes leigos, ajudar esse homem em seu empenho para reconciliar-se com Deus.

Pensem na luz e verdade que o valor compartilhado da honestidade tem no mundo judaico-cristão. Pensem em como a sociedade se beneficiaria se os jovens não trapaceassem na escola e se os adultos fossem honestos no local de trabalho e fiéis ao cônjuge e aos votos matrimoniais. Para nós, o conceito fundamental da honestidade baseia-se na vida e nos ensinamentos do Salvador. A honestidade também é um atributo valorizado por muitas outras religiões e na literatura histórica. O poeta Robert Burns escreveu: “Um homem honesto é a obra mais nobre de Deus”.21 Em quase todos os casos, as pessoas de fé sentem que a honestidade é algo que devem a Deus. Foi por esse motivo que aquele homem na Califórnia se arrependeu de suas atitudes desonestas do passado.

Ao discursar numa cerimônia de formatura no ano passado, Clayton Christensen, professor em Harvard e líder na Igreja, contou a história verídica de um colega de trabalho e amigo de outro país que estudara a democracia e o capitalismo nos Estados Unidos. Esse amigo ficou surpreso com o papel determinante da religião na democracia. Ressaltou que, nas sociedades em que os cidadãos aprendem desde pequenos que devem a Deus um comportamento honesto e íntegro, eles seguem regras e práticas que, embora não obrigatórias, promovem ideais democráticos. Nas sociedades em que isso não ocorre, por mais que haja policiais, é impossível impor um comportamento honesto.22

Certamente, os valores morais relacionados à honestidade podem desempenhar um papel significativo para estabelecer a luz e a verdade e melhorar a sociedade, e devem ser valorizados até pelos que não têm fé.

Tratar Todos os Filhos de Deus Como Irmãos

Um segundo exemplo de como a fé religiosa beneficia a sociedade e contribui com luz para o mundo é o fato de a religião tratar todos os filhos de Deus como irmãos.

Muitas instituições de cunho religioso nos últimos dois séculos tomaram a dianteira para ajudar e resgatar pessoas submetidas a circunstâncias cruéis, porque seus membros creem que todos os homens foram criados à imagem e semelhança de Deus.23 William Wilberforce, o grande estadista britânico que desempenhou um papel crucial para proibir o tráfico de escravos na Grã-Bretanha, é um excelente exemplo.24 “Amazing Grace” [Preciosa Graça], esse hino tão tocante e o inspirador filme homônimo estão impregnados da atmosfera do início do século XIX e narram o empenho heroico desse homem. A luta incansável de Wilberforce foi uma das primeiras iniciativas para eliminar essa prática terrível, opressora, cruel e mercenária. Como parte desse esforço, ele, juntamente com outros líderes, engajou-se na reforma da moralidade pública. Ele acreditava que a educação e o governo devem ser norteados por princípios morais.25 “Sua visão do aperfeiçoamento moral e espiritual foi sua bandeira de luta ao longo da vida, seja na defesa da instituição do casamento, no ataque às práticas do tráfico negreiro ou na defesa veemente do Dia do Senhor.”26 Com grande energia, conseguiu mobilizar os líderes morais e sociais do país numa luta nacional contra os vícios.27

Nos primeiros anos da história da Igreja, nossos membros eram em sua grande maioria abolicionistas.28 Esse foi um dos motivos preponderantes (juntamente com suas crenças religiosas) para a hostilidade e a violência que eles sofreram, bem como para a ordem de extermínio decretada pelo Governador Boggs, no Missouri.29 Em 1833, Joseph Smith recebeu uma revelação que declarava: “não é certo que homem algum seja escravo de outro”.30 Nosso comprometimento para com a liberdade religiosa e o fato de tratarmos todos como filhos de Deus estão no cerne de nossa doutrina.

Esses são apenas dois exemplos de como valores que se baseiam na fé são a fonte de princípios que trazem grandes bênçãos à sociedade. Há muitos outros. Devemos envolver-nos pessoalmente, bem como apoiar pessoas de caráter e integridade para restabelecer valores morais que abençoarão a comunidade como um todo.

Ressalto que todas as vozes precisam ser ouvidas nos debates públicos. Nem as vozes religiosas nem as seculares devem ser silenciadas. Além do mais, não devemos achar que, por nossas opiniões emanarem de princípios religiosos, serão aceitas automaticamente ou receberão tratamento preferencial. Mas também é evidente que essas visões e esses valores merecem ser avaliados por seus próprios méritos.

Os alicerces morais de nossa doutrina podem ser uma luz para o mundo e uma força unificadora tanto para a moralidade quanto para a fé em Jesus Cristo. Precisamos proteger nossa família e estar na linha de frente, ao lado de seguidores de todas as denominações e pessoas de boa vontade, para fazer tudo a nosso alcance no mundo inteiro para preservar a luz, a esperança e a moralidade em nossa comunidade.

Se vivermos e proclamarmos esses princípios, estaremos seguindo a Jesus Cristo, que é a verdadeira Luz do Mundo. Podemos ser uma força para a retidão em preparação para a Segunda Vinda de nosso Senhor e Salvador, Jesus Cristo. Aguardamos com ansiedade o belo dia em que “corações livres cantarão quando as luzes se reacenderem em todo o mundo”.31 No sagrado nome de Jesus Cristo. Amém.

Notas

  1. Ver Richard Hough e Denis Richards, The Battle of Britain:The Greatest Air Battle of World War II [A Batalha da Grã-Bretanha: A Maior Batalha Aérea da Segunda Guerra Mundial], 1989, p. 264.

  2. Atribuído a Sir Edward Grey. Ver “When the Lights Go on Again All over the World”, wikipedia.org.

  3. Ver Doutrina e Convênios 88:11–13. A Luz de Cristo é a “luz que está em todas as coisas, que dá vida a todas as coisas, que é a lei pela qual todas as coisas são governadas” (v. 13). Para um estudo mais aprofundado da Luz de Cristo e da diferença entre a Luz de Cristo e o Espírito Santo, ver Boyd K. Packer, “A Luz de Cristo”, A Liahona, abril de 2005, p. 8.

  4. Morôni 7:19.

  5. Ver Jacques Barzun, From Dawn to Decadence: 500 Years of Western Cultural Life [Do Amanhecer à Decadência: 500 Anos da Vida Cultural Ocidental], 2000, p. 798.

  6. Regras de Fé 1:13.

  7. Mateus 5:16.

  8. Roger B. Porter, “Seek Ye First the Kingdom of God” [Buscai Primeiro o Reino de Deus] (discurso proferido na Ala Cambridge University, Estaca Cambridge Massachusetts, em 13 de setembro de 2009).

  9. Mórmon 6:17.

  10. Mórmon 8:3.

  11. Ver John Micklethwait e Adrian Wooldridge, God Is Back: How the Global Revival of Faith Is Changing the World [Deus Voltou: Como o Renascimento da Fé Está Mudando o Mundo], 2009.

  12. Ver Diana Butler Bass, “Peace, Love and Understanding” [Paz, Amor e Compreensão], (resenha de God Is Back, de John Micklethwait e Adrian Wooldridge), Edição Nacional Semanal do Washington Post, 27 de julho–2 de agosto de 2009, p. 39.

  13. Ver David D. Kirkpatrick, “The Right Hand of the Fathers,” [A Mão Direita dos Pais] New York Times Magazine, 20 de dezembro de 2009, p. 27.

  14. Ver Kirkpatrick, “The Right Hand of the Fathers,” p. 27. Robert P. George ensina que ou temos raciocínio moral e liberdade de escolha ou temos amoralidade e determinismo.

  15. Doutrina e Convênios 84:46.

  16. Doutrina e Convênios 84:48.

  17. Boyd K. Packer, A Liahona, abril de 2005, p. 8.

  18. Mosias 29:26–27.

  19. Ver Margaret Somerville, “Should Religion Influence Policy?” [A Religião Deve Influenciar as Normas?] www.themarknews.com/articles/1535-should-religion-influence-policy.

  20. Ver Zhao Xiao, “Market Economies with Churches and Market Economies without Churches,” [Economia de Mercado com Religiões e Economia de Mercado sem Religiões], 2002, www.danwei.org/business/churches_and_the_market_econom.php. Esse economista do governo chinês argumenta que é necessária uma base moral para impedir que as pessoas mintam e causem dano a outras.

  21. “The Cotter’s Saturday Night,” em Poemas de Robert Burns, 1811, p. 191.

  22. Ver Clayton M. Christensen, “The Importance of Asking the Right Questions” [A Importância de Se Fazer as Perguntas Certas] (discurso de formatura na Universidade do Sul de New Hampshire, Manchester, N.H., 16 de maio de 2009).

  23. Ver Gênesis 1:26.

  24. Hague, William, William Wilberforce: The Life of the Great Anti-Slave Trade Campaigner, [William Wilberforce: A Vida do Grande Defensor da Eliminação do Comércio de Escravos], 2007, pp. 352–356.

  25. Ver Hague, William Wilberforce, pp. 104–105.

  26. Ver Hague, William Wilberforce, p. 513.

  27. Ver Hague, William Wilberforce, pp. 107–108.

  28. Ver James B. Allen e Glen M. Leonard, The Story of the Latter-day Saints, [A História dos Santos dos Últimos Dias], 2ª ed., 1992, pp. 93, 120, 202.

  29. Ver Leonard J. Arrington e Davis Bitton, The Mormon Experience: A History of the Latter-day Saints, [A Experiência Mórmon: Uma História dos Santos dos Últimos Dias], 2ª ed., 1992, pp. 48–51; ver também Clyde A. Milner e outros, The Oxford History of the American West [A História do Oeste Americano, Oxford], 1994, p. 362: “Proslavery settlers and politicians persecuted them mercilessly” [Colonos e políticos escravagistas perseguiram-nos sem piedade].

  30. Doutrina e Convênios 101:79.

  31. Último verso da música “When the Lights Go on Again All over the World”.