O Caminho para a Paz
A paz, à maneira do homem, perecerá. A paz, à maneira de Deus, prevalecerá.
Nesta linda manhã de Páscoa e dia do Senhor, orações de gratidão pela vida e missão de nosso Senhor e Salvador Jesus Cristo enchem o ar, enquanto acordes de músicas inspiradoras confortam-nos o coração e sussurram a nossa alma a saudação imutável: “Que a paz esteja convosco”.
Em um mundo onde a paz é uma busca universal, às vezes imaginamos por que a violência caminha por nossas ruas, relatos de assassínios e mortes sem sentido preenchem as colunas dos jornais e brigas e disputas familiares prejudicam a santidade do lar e sufocam a tranqüilidade de tantas vidas.
Talvez nos extraviemos do caminho que leva à paz e percebamos ser necessário parar, ponderar e refletir sobre os ensinamentos do Príncipe da Paz, incorporá-los a nossos pensamentos e ações, viver a lei maior, caminhar por uma estrada mais elevada e ser melhores discípulos de Cristo.
Os danos causados pela fome na Somália, a brutalidade do ódio na Bósnia e as lutas étnicas por todo o globo, lembram-nos que a paz que buscamos não será conseguida sem esforço e determinação. É difícil dominar adversários como a raiva, o ódio e a divergência. Esses inimigos deixam, inevitavelmente, em seu rastro destrutivo, lágrimas de pesar, a dor causada pelos conflitos e a tristeza de ver destruída a esperança do que poderia ter sido. Sua esfera de influência não se restringe aos campos de batalha, mas todo esse conjunto pode ser observado, com muita freqüência, no lar, na família e dentro do coração. Muitos esquecem rapidamente e lembram-se tardiamente do conselho do Senhor: “Não haverá disputas entre vós( … )
Pois em verdade, em verdade vos digo que aquele que tem o espírito de discórdia não é meu, mas é do demônio, que é o pai da discórdia e leva a cólera aos corações dos homens, para contenderem uns com os outros.
E eis que esta não é a minha doutrina, ou seja, a de agitar com ira os corações dos homens, uns contra os outros; ao contrário, é preceito de minha doutrina que tais coisas devem cessar”.1
Ao retrocedermos os ponteiros do relógio do tempo, recordamo-nos que houve, há cerca de cinqüenta e cinco anos, uma tentativa desesperada de paz, uma conferência de paz realizada na cidade alemã de Munique. Os líderes das potências européias reuniram-se, enquanto o mundo vacilava à beira da guerra. Seu propósito, claramente declarado, era tomar um rumo que, sentiam, talvez evitasse a guerra e garantisse a paz. A falta de confiança, as intrigas e o desejo de poder condenaram essa conferência ao insucesso. O resultado não foi “paz em nossa época”, mas, sim, guerra e destruição em um nível nunca antes experimentado. O apelo tocante de alguém que sucumbira em uma guerra passada foi ignorado ou, pelo menos, posto de lado. Ele parecia estar escrevendo em defesa de milhões de camaradas—tanto amigos quanto inimigos:
Nos campos de Flandres as papoulas florescem
Entre as cruzes enfileiradas
Que indicam a nossa morada; e, lá no céu,
As cotovias ainda cantam intrépidas em seu vôo,
Mas quase não são ouvidas por entre os tiros de canhão.
Nós somos os mortos. Há poucos dias
Vivíamos, sentíamos o amanhecer, víamos o brilho do pôr-do-sol,
Amávamos e éramos amados e, agora, repousamos
Nos campos de Flandres.
Interrompemos a luta com o inimigo:
A vós, com nossas mãos debilitadas, passamos
A tocha; seja ela vossa para mantê-la erguida.
Se faltardes com a palavra dada a nós, os mortos,
Não descansaremos, embora as papoulas floresçam
Nos campos de Flandres.2
Estaremos fadados a repetir os erros do passado? Depois do intervalo tão curto de paz que se seguiu à Primeira Guerra Mundial, veio o cataclismo da Segunda Grande Guerra. Na verdade, o mês de junho deste ano marca o qüinquagésimo aniversário dos famosos desembarques das forças aliadas na Normandia. Dezenas de milhares de dignitários e veteranos afluirão ao local onde os desembarques serão reencenados. Um escritor observou: “A Baixa Normandia teve mais do que seu quinhão de mortos santificados. Seus corpos jazem em sepulturas que vão de Falaise a Cherbourg: 13.796 norte-americanos, 17.958 ingleses, 8.658 canadenses, 650 poloneses e cerca de 65.000 alemães—mais que 106.000 mortos, e estes são apenas os militares, todos mortos durante um feriado de verão”.3Relatos semelhantes poderiam ser feitos, descrevendo as terríveis perdas em outros palcos de combate naquele mesmo conflito.
O renomado estadista, William Gladstone, descreveu a fórmula da paz ao declarar: “Ansiamos pela época em que o poder do amor substituirá o amor pelo poder. Então o mundo conhecerá as bênçãos da paz”.
A paz mundial, embora seja uma meta grandiosa, nada mais é do que o resultado da paz pessoal que o indivíduo procura atingir. Não falo da paz fomentada pelo homem, mas a paz prometida por Deus. Falo da paz no lar, da paz no coração e até mesmo da paz na vida. A paz, à maneira do homem, perecerá. A paz, à maneira de Deus, prevalecerá.
Ouvimos dizer que “a ira nada resolve, nada edifica; pode, porém, destruir tudo”4. As conseqüências do conflito são tão devastadoras que ansiamos por orientação—até mesmo por um modo de assegurar o sucesso ao buscarmos um caminho que leve à paz. Qual é a forma de conseguir essa bênção universal? Quais são os pré-requisitos? Lembremo-nos de que, para obtermos as bênçãos de Deus, precisamos antes fazer a vontade de Deus. Sugiro três idéias para estimular nosso pensamento e guiar nossos passos:
1. Buscai interiormente;
2. Ajudai exteriormente; e
3. Olhai em direção ao céu.
Primeiro: Buscai interiormente. A auto-avaliação é sempre um procedimento difícil. Somos tentados, com muita freqüência, a atenuar áreas que exigem correção e a dependermos incessantemente de nossas forças individuais. O Presidente Ezra Taft Benson aconselha-nos: “O preço da paz é a retidão. Homens e nações podem proclamar em altos brados: ‘Paz, paz’, mas não haverá paz até que as pessoas nutram na alma os princípios da pureza pessoal, da integridade e do caráter, que forjam o desenvolvimento da paz. A paz não pode ser imposta. Deve originar-se na vida e no coração dos homens. Não há outra maneira”.5
O Élder Richard L. Evans observou: “Para encontrar a paz—a paz interior, a paz que ultrapassa o entendimento—os homens devem viver honestamente, amando e tratando os entes queridos com carinho, servindo e respeitando o próximo, com paciência, com virtude, com fé e controle, com a certeza de que a vida é para aprender, servir, arrepender-se e progredir, devendo-se agradecer a Deus pelos princípios consagrados do arrependimento e do progresso, que é um caminho aberto a todos nós”.6
Veremos que o lugar dos pais no lar e na família é de vital importância, se examinarmos nossas responsabilidades pessoais nesse sentido. Há pouco tempo, um grupo eminente reuniu-se para examinar o aumento da violência na vida das pessoas, principalmente na vida dos jovens. Algumas de suas observações nos são úteis ao examinarmos nossas prioridades: “Uma sociedade que encara a violência explícita como entretenimento, ( … ) não deveria ficar surpresa ao ver a violência sem sentido destruir os sonhos dos jovens e dos mais inteligentes. ( … ) O desemprego e a falta de esperança podem levar ao desespero, mas a maior parte do povo não comete ações desesperadas se tiver aprendido que a dignidade, a honestidade e a integridade são mais importantes que vingança ou ódio, e se entender que, em última análise, respeito e gentileza dão à pessoa melhor oportunidade de sucesso.
As mulheres, numa reunião contra a violência, encontraram a solução—a única que pode reverter a queda causada pelo comportamento destrutivo e pela dor sem sentido. A volta aos valores familiares tradicionais fará prodígios”.7
Com muita freqüência, cremos que nossos filhos precisam de mais coisas, quando na realidade suas súplicas silenciosas são simplesmente por mais de nosso tempo. O acúmulo de riquezas ou a multiplicação de bens desvirtuam o ensinamento do Mestre: “Não ajunteis tesouros na terra, onde a traça e a ferrugem tudo consomem, e onde os ladrões minam e roubam;
Mas ajuntai tesouros no céu, onde nem a traça nem a ferrugem consomem, e onde os ladrões não minam nem roubam.
Porque onde estiver o vosso tesouro, aí estará também o vosso coração”.8
Outra noite, vi grandes grupos de pais e filhos atravessando um cruzamento na Cidade do Lago Salgado, rumo a um ginásio, para assistir a um espetáculo de patinação no gelo que encenava “A Bela e a Fera”. Na verdade, parei meu carro junto ao meio-fio para observar a alegre multidão. Os pais, que com certeza foram persuadidos a assistir ao espetáculo, seguravam firmemente as mãozinhas de seus preciosos filhos. Ali se via o amor em ação. Presenciava-se um sermão sobre o afeto. Ali estava o remanejamento do tempo de cada um, como uma prioridade dada por Deus.
Verdadeiramente, a paz reinará triunfante quando nos aperfeiçoarmos de acordo com o padrão ensinado pelo Senhor. Então apreciaremos a profunda espiritualidade escondida atrás das palavras singelas de um hino familiar: “Tudo é belo em derredor com amor no lar”.9
Segundo: Ajudai exteriormente. Embora saibamos que a exaltação é um assunto pessoal e que as pessoas não são salvas em grupos, mas sim individualmente, não se pode viver em um vácuo. Ser membro da Igreja faz nascer a determinação de servir. Um cargo de responsabilidade talvez não tenha sua importância reconhecida nem sua recompensa seja amplamente divulgada. O serviço, para ser aceitável ao Senhor, deve vir de mentes solícitas, mãos prontas e corações dedicados.
O desânimo poderá, às vezes, obscurecer nosso caminho; a frustração talvez se torne uma companheira constante. Em nossos ouvidos talvez soe o sofisma de Satanás, sussurrando: “Não podeis salvar o mundo; vossos pequenos esforços são infundados. Não tendes tempo para vos preocupar com os outros”. Colocando nossa confiança em Deus, afastemo-nos dessas mentiras e asseguremo-nos de que nossos passos estejam firmemente voltados para o serviço e nosso coração e nossa alma estejam totalmente voltados para o exemplo do Senhor. Quando a luz da decisão se enfraquece e o coração fica oprimido, podemos confortar-nos com Sua promessa: “Não vos canseis de fazer o bem ( … ) De pequenas coisas provêm as grandes.
Eis que o Senhor exige o coração e uma mente obediente”.10
Desde o ano passado, a organização da Primária vem-se esforçando para que as crianças se familiarizem com o templo sagrado de Deus. Este esforço sempre leva a uma visita aos jardins do templo. O riso das criancinhas, a alegria da juventude livre e a exuberância da energia demonstrada por elas alegraram meu coração ao observá-las. Enquanto uma professora dedicada encaminhava uma criancinha à grande porta do Templo de Lago Salgado e ela estendia a mão para tocá-lo, eu quase vislumbrava o Mestre recebendo as crianças e ouvia Suas palavras confortadoras: “Deixai vir os pequeninos a mim, e não os impeçais; porque dos tais é o reino de Deus”.11
Terceiro: Olhai em direção ao céu. Ao fazê-lo, descobrimos que a comunicação com nosso Pai Celestial por meio da oração, que é o caminho para o poder espiritual e um passaporte para a paz, é confortadora e satisfatória. Lembramo-nos de Seu Filho Bem Amado, o Príncipe da Paz, aquele pioneiro que literalmente nos mostrou o caminho. Seu plano divino pode salvar-nos das babilônias do pecado, da complacência e do erro. Seu exemplo indica o caminho. Quando Se defrontou com a tentação, Ele afastou-Se dela. Quando lhe ofereceram o mundo, Ele recusou-o. Quando Lhe pediram a vida, Ele deu-a.
Em uma ocasião muito significativa, Jesus leu um texto de Isaías: “O Espírito do Senhor Jeová está sobre mim; porque o Senhor me ungiu, para pregar boas novas aos mansos: enviou-me a restaurar os contritos de coração, a proclamar liberdade aos cativos, e a abertura de prisão aos presos”12—um pronunciamento claro sobre a paz que ultrapassa todo entendimento.
Com freqüência, a morte chega como uma intrusa. É um inimigo que surge repentinamente no meio do banquete da vida, apagando-lhe a luz e a alegria. A morte pousa sua mão sombria sobre aqueles que nos são caros e, algumas vezes, deixa-nos perplexos e abismados. Em determinadas situações, como as de grande sofrimento e doença, a morte chega como um anjo de misericórdia. Mas aos que sofrem, a promessa de paz do Mestre é o bálsamo consolador que cura: “Deixo-vos a paz, a Minha paz vos dou: não vo-la dou como o mundo a dá. Não se turbe o vosso coração nem se atemorize”.13“Vou preparar-vos lugar ( … ) para que onde Eu estiver estejais vós também.”14
Oro para que todos os que amaram alguém que perderam saibam da realidade da ressurreição e adquiram um conhecimento inabalável de que as famílias podem ser eternas. Um deles foi o major Sullivan Ballou que, durante a Guerra Civil Americana, escreveu uma carta comovente à esposa—apenas uma semana antes de morrer na Batalha de Bull Run. Sintam comigo o amor que tinha na alma, sua confiança em Deus, sua coragem e fé.
“14 de julho de 1861, Campo Clark, Washington
Minha adorada Sarah,
Tudo indica que estaremos marchando nos próximos dias—talvez amanhã. Com receio de não poder mandar-lhe outra carta, senti o impulso de escrever-lhe algumas linhas, que talvez só venha a ler quando eu não mais existir.
Não tenho ansiedade nem falta de confiança quanto à causa pela qual estou lutando e minha coragem não diminui nem vacila ( … ) estou ( … ) perfeitamente ( … ) disposto a oferecer todas as alegrias desta vida para ajudar a manter este governo ( … )
Sarah, meu amor por você é imortal; parece que ele me prende com correntes tão fortes que nada, exceto a Onipotência, poderia rompê-las; e ainda assim, o amor que sinto por meu país domina meu ser como um vento forte e transporta-me irresistivelmente, com todas essas correntes, para o campo de batalha.
As lembranças dos momentos felizes que passei a seu lado tomam conta de mim e fazem com que me sinta grato a Deus e a você por tê-los desfrutado durante tanto tempo. É difícil desistir deles e transformar em cinzas as esperanças de anos futuros, quando, se Deus permitisse, poderíamos ainda ter vivido e amado juntos e visto nossos filhos crescerem, tornando-se adultos honrados a nosso lado. Tenho, sei, pouco direito à Providência Divina, mas algo me sussurra—talvez seja a oração de meu pequeno Edgar, trazida pelo vento—que eu voltarei ileso para meus entes queridos. Se isto não acontecer, minha querida Sarah, nunca se esqueça do quanto eu a amo; e quando eu exalar o último suspiro no campo de batalha, sussurrarei o seu nome. Perdoe[-me] por meus … erros e pelas muitas dores que lhe causei. Quantas vezes fui desatencioso e tolo! Como ficaria feliz se pudesse lavar com minhas lágrimas cada pequena mancha que empanou sua felicidade ( … )
Mas, oh, Sarah! Se os mortos retornam à Terra sem serem vistos por aqueles a quem amam, eu estarei sempre a seu lado; nos dias mais felizes e nas noites mais escuras … sempre, sempre; e se sentir uma suave brisa na face, será minha respiração; quando o ar refrescar-lhe a têmpora latejante, será o meu espírito passando por você. Sarah, não chore por mim; pense que eu me fui e que vou esperá-la, pois nos encontraremos novamente.”15
A escuridão da morte poderá ser sempre dissipada pela luz da verdade revelada. “Eu sou a ressurreição e a vida”, disse o Mestre. “Quem crê em mim, ainda que esteja morto, viverá;
E todo aquele que vive, e crê em mim, nunca morrerá”.16Além de suas palavras estão as do anjo, ditas a Maria Madalena e à outra Maria, ao se aproximarem do sepulcro para cuidar do corpo de seu Senhor: “Por que buscais o vivente entre os mortos?
Não está aqui, mas ressuscitou”.17
Esta é a mensagem da manhã de Páscoa. Ele vive! E, porque vive, todos viveremos novamente. Este conhecimento concede-nos paz em relação aos entes queridos cujas sepulturas estão marcadas por cruzes na Normandia, que repousam em lugares santos nos campos de Flandres, onde as papoulas florescem na primavera, e que descansam em inúmeros locais, inclusive nas profundezas do mar. “Oh, que doce alegria esta frase nos traz: ‘Eu sei que vive meu Redentor!’”18 Em nome de Jesus Cristo. Amém.