Arraigados em Cristo
Neste artigo e no seguinte, o Élder Clayton e sua esposa, Kathy, prestam testemunho do Salvador e de Sua capacidade de ajudar os filhos de Deus a atingir seu potencial eterno.
Uma das cenas mais perturbadoras de todas as escrituras está registrada no livro de João. Ocorreu depois que o Salvador tinha sofrido a incompreensível agonia por nossos pecados e nossas fraquezas mortais no Jardim do Getsêmani (ver D&C 19:15–18).
Essa cena também foi subsequente à traição e prisão que Ele sofreu, tendo ocorrido após a noite de indignidades e maus-tratos físicos a que foi submetido nas mãos dos principais dos judeus. Ocorreu após ter Ele sido brutalmente açoitado pelos soldados romanos que agiam sob a direção de Pôncio Pilatos. Aconteceu depois que uma coroa de espinhos Lhe foi brutalmente colocada na cabeça.
Pilatos concluiu que Jesus nada tinha feito para merecer a crucificação. Ordenou que Jesus fosse açoitado, uma forma extrema, porém geralmente não fatal, de punição física. Talvez Pilatos esperasse que, ao torturar e humilhar o Salvador dessa forma, persuadiria os principais dos judeus de que Jesus havia recebido uma terrível lição, tornando-se um exemplo público. Talvez esperasse despertar neles algum sentimento de misericórdia. Assim, após o açoitamento, Pilatos ordenou que Jesus fosse levado para diante do povo.
“Eis Aqui o Homem”
“Saiu, pois, Jesus para fora, trazendo a coroa de espinhos e o manto de púrpura. E disse-lhes Pilatos: Eis aqui o homem.
Vendo-o, pois, os principais dos sacerdotes e os guardas clamaram, dizendo: Crucifica-o, crucifica-o! Disse-lhes Pilatos: Tomai-o vós, e crucificai-o; porque eu nenhum crime acho nele” (João 19:5–6).
Por mais fundamentalmente importante que seja o restante da história, detenho-me nas palavras de Pilatos: “Eis aqui o homem”.
A súplica de Pilatos era profundamente irônica. Naquele momento, a aparência física de Jesus estava desfigurada, porém nunca até então, e jamais depois disso, homem ou mulher algum havia merecido mais ricamente ser assim admirado e contemplado. Sua vida foi perfeita. Ele era incomparável. Ninguém havia vivido tal como Ele. Ninguém jamais o faria. Possuía todas as virtudes em sua forma consumada.
O Salvador tinha todo o poder do autocontrole. Suas emoções e Seus sentimentos eram perfeitos e Seus pensamentos também. Sua compreensão era ilimitada. Só Ele era verdadeiramente digno de ser admirado e contemplado — de todos os ângulos — e de ser examinado, avaliado e adorado. Nenhuma visão do que havia em Sua mente, Seu coração e Seus pensamentos iria ou poderia potencialmente decepcionar-nos. Sua aparência não refletia isso, mas Jesus era a personificação da vida abundante.
Assim, não é de Sua aparência, naquele momento de sofrimento, que devemos principal e primordialmente lembrar-nos (ver Isaías 53:2). O que Ele era no interior daquele afligido tabernáculo físico é que significa absolutamente tudo para todos nós. Quem Ele era possibilitou o que Ele fez. É a magnificência de quem Ele era que atrai nossa atenção.
O que devemos ver ao admirarmos e contemplarmos o homem é Seu crescente triunfo sobre as hostes do mal mesmo que não parecesse de modo algum uma vitória. É Sua perfeita calma no meio da mais violenta tempestade que qualquer ser humano viria a sofrer. Todo estratagema diabólico jamais inventado pelo inimigo havia sido ou em breve seria lançado contra Ele. Ele venceu e conquistou todos eles. Postou-Se diante de Pilatos em perfeita paz e compostura.
Seu domínio sobre os elementos físicos do mundo e sobre as condições da humanidade tinha sido demonstrado acima de qualquer dúvida. Ele tinha poder sobre os espíritos malignos. Curou enfermos e deu visão aos cegos e audição aos surdos. Restaurou a vida a mortos, incluindo crianças que devolveu aos pais. Percebia os pensamentos e sentimentos de todos. Perdoava pecados e purificava leprosos. Carregou o fardo dos pecados, das dores, enfermidades e falhas de toda a humanidade na noite anterior à cena com Pilatos. Ironicamente, sofreu até pelos pecados daqueles que naquele exato momento o maltratavam.
Realmente, “eis aqui o homem”. Ele é o Filho do Deus vivo. Ele é o exemplo de vida, Aquele que foi enviado para mostrar o caminho e ser o Caminho. Ele é “o caminho, e a verdade, e a vida” (João 14:6). Com estas quatro palavras, “eis aqui o homem”, Pilatos inadvertida e inconscientemente expressou a fórmula simples para alcançarmos os mais elevados propósitos da vida.
Quando Pilatos pediu aos judeus que contemplassem o Salvador, indicou para eles e para nós o Único ser que pode tornar nossa vida abundante e nossa “salvação perfeita”.1 Por esse motivo, recebemos o mandamento de “olhar para Deus e viver” (ver Alma 37:47).
O que devemos lembrar ao contemplá-Lo é que, graças a Ele e a tudo o que Ele fez e tudo o que foi, nós também podemos triunfar. Nós também podemos vencer. Podemos viver abundantemente em meio às provações. Se decidirmos contemplá-Lo e aceitá-Lo e colocar em prática Seu evangelho de salvação, Ele vai salvar-nos. Vai resgatar-nos dos efeitos de nossa própria natureza decaída e de nossas fraquezas e salvar-nos do pecado, da mediocridade espiritual e do fracasso eterno e final. Vai purificar, refinar, embelezar e, por fim, até aperfeiçoar-nos. Vai conceder-nos alegria e paz. Ele é a chave para a vida abundante.
O Sermão das Plantinhas
Minha esposa, Kathy, e eu moramos na encosta de uma montanha. Uma espécie de árvore — o carvalho-anão — cresce ali. Ao contrário dos grandes e vigorosos carvalhos, o carvalho-anão nunca cresce muito, porém é forte e belo.
Há alguns anos, colocamos um grande vaso de flores na calçada que vai dar na porta de entrada da casa. Plantamos flores coloridas no vaso, o qual foi colocado sob os ramos de um carvalho-anão. Quando a estação mudou e teve início o outono, o carvalho-anão começou a derrubar suas sementes, ou bolotas, e algumas caíram dentro do vaso.
Num dia de primavera, notei que algumas mudas haviam brotado. Não queríamos nada além de flores no vaso, por isso comecei a arrancar as mudas da terra do vaso. Para minha surpresa, as raízes eram três ou quatro vezes mais longas do que a parte visível das mudas que ficava acima da superfície do solo.
Em Utah, EUA, o verão é muito quente, com pouca chuva, e o inverno é gelado, com vento e neve. Mas as raízes profundas das mudas de carvalho-anão rapidamente penetram no solo. Isso permite que mais raízes expostas absorvam umidade e nutrientes do solo. As raízes profundas também ancoram firmemente as árvores a fim de mantê-las eretas e firmes no vento, desde bem jovens. As raízes profundas facilitam a sobrevivência do carvalho-anão. À medida que as mudas vão crescendo até chegarem a sua plena estatura, as raízes continuam a nutri-las, protegê-las e sustê-las.
Podemos aprender uma lição com o carvalho-anão. Todos temos experiências pessoais que são como um verão quente ou um inverno gelado. Temos momentos fáceis e difíceis, sucessos e fracassos, épocas de saúde e de enfermidade, períodos de felicidade e momentos de tristeza. A vida não é estática. Não é fácil.
A vida é semelhante em outros aspectos também. Todos estamos cercados pela cultura e a tradição de nossa comunidade e nosso país de origem. Algumas dessas influências são boas, outras, más. Algumas nos elevam, outras nos diminuem e degradam. Nosso lar pode ser abençoado com a luz do evangelho ou arruinado pela desobediência aos mandamentos de Deus. O exemplo dos amigos pode ser terrível ou fantástico. Ninguém sabe para onde a vida nos vai levar. Não podemos prever plenamente as condições futuras de saúde ou riqueza. Não podemos predizer a influência das guerras ou do clima. Circunstâncias variáveis que estão além de nosso controle impõem dificuldades a todos nós.
Mas, ao contrário das árvores, podemos escolher deliberadamente desenvolver a estrutura da raiz espiritual de nossa vida. Decidimos onde lançar nossas raízes e até que ponto aprofundá-las no solo. As decisões diárias fazem uma diferença minúscula, quase imperceptível nas raízes de nossa fé, cujo efeito pode tornar-se fundamental.
Arraigados no Salvador
Como não sabemos quando nem como virão nossas próprias dificuldades, nem quanto tempo vai durar nosso inverno ou verão particular, devemos fincar nossas raízes o mais profundamente possível na única fonte verdadeira de nutrição para nossa alma: o Senhor Jesus Cristo. Ele quer que tenhamos vida abundante. Convida-nos a achegar-nos a Ele. O Salvador declarou: “Aprende de mim e ouve minhas palavras; anda na mansidão de meu Espírito e terás paz em mim” (D&C 19:23).
Desenvolvemos força na alma para enfrentar as tempestades da vida aprendendo com Ele. Aprendemos pelo estudo e pela fé. Aprendemos observando exemplos justos. Aprendemos ao servir outras pessoas a fim de servi-Lo (ver Mateus 25:40). Aprendemos ao procurar imitá-Lo de todas as maneiras que podemos.
Ouvir significa cumprir e seguir, não apenas escutar. Nós O ouvimos no estudo pessoal das escrituras. Ouvimo-Lo na reunião sacramental e no templo. Ouvimo-Lo na “voz mansa e delicada” (1 Reis 19:12). Ouvimo-Lo na voz dos profetas e apóstolos vivos.
Ao ouvirmos com atenção, lembramos que “nem só de pão viverá o homem, mas de toda palavra que sai da boca de Deus” (Mateus 4:4). Fortalecemos nossas raízes por meio de um crescimento gradativo, passo a passo. Ao ouvirmos, seguimos o caminho que Ele trilhou. Ele é o caminho que nos conduz à vida abundante, e Ele é a luz que o ilumina (ver João 8:12).
Guardar os Mandamentos
Não há segredos ou surpresa em relação ao que podemos e devemos fazer para desenvolver nossas raízes: guardamos os mandamentos de Deus. Nossa capacidade de fazer a vontade Dele aumenta à medida que a cumprimos. Torna-se mais fácil porque crescemos em convicção e fé. Quando fielmente persistimos na aplicação dos fundamentos do evangelho em nossa vida, o Senhor nos abençoa com maior força interior.
A adoração digna e consciente faz uma importante contribuição para a profundidade de nossas raízes espirituais. Quando participamos reverentemente da reunião sacramental e tomamos o sacramento com real intenção, isso faz com que o Dia do Senhor se torne mais do que um domingo qualquer. Não podemos realmente aprofundar nossas raízes a menos que “sempre nos lembremos Dele” (ver D&C 20:77, 79). Quando nos preparamos antes das reuniões, o Dia do Senhor se torna uma experiência mais rica para nós. Ao contemplarmos nossa necessidade de perdão e da bênção de termos sempre conosco Seu Espírito, começamos a ver a capela como um santuário e o sacramento, como um tempo de santificação.
Por esse motivo, há algumas coisas que devemos sempre levar conosco quando vamos à Igreja. Acima de todas, estão um coração quebrantado e um espírito contrito. Devemos ir ansiosos para buscar e sentir as bênçãos da Expiação do Salvador. De modo semelhante, devemos sempre deixar algumas coisas em casa. Pensamentos sobre esportes, trabalho, entretenimento e compras devem ser deixados trancados num armário em casa, a ser abertos em qualquer outro dia que não seja o do Senhor. A genuína adoração promove a real conversão. Ela nos ajuda a enviar as raízes de nossa fé para bem fundo, onde encontramos um reservatório espiritual que “fará [em nós] uma fonte de água que salte para a vida eterna” (João 4:14).
Paulo escreveu:
“Pois, como recebestes o Senhor Jesus Cristo, assim também andai nele,
Arraigados e edificados nele, e confirmados na fé, assim como fostes ensinados, abundando em ação de graças” (Colossenses 2:6–7).
Se não vivenciarmos algumas tempestades pessoais e algumas secas, nossas raízes nunca terão a chance de se tornarem fortes. Ironicamente, navegar na calmaria é, em si mesmo, um teste — e um teste difícil. A ausência de problemas pode amolecer-nos se não tomarmos cuidado. Podemos deixar de “[tomar] cuidado com [nós] mesmos e [nossos] pensamentos e [nossas palavras] e [nossas] obras; e (…) [de observar] os mandamentos de Deus [e continuar] tendo fé” (Mosias 4:30) se não houver uma provação que nos faça dobrar os joelhos e que atue em nosso coração.
A vida tem um modo de proporcionar aflições a todos nós mesmo quando estamos nos esforçando ao máximo. A menos que façamos escolhas terríveis, que sempre resultam em tragédia, geralmente não escolhemos quando e como os problemas da vida baterão a nossa porta. Mas sem dúvida decidimos a cada dia como vamos nos preparar para eles. Por isso, o lembrete de Josué: “Escolhei hoje a quem sirvais” (Josué 24:15).
Eis outro lembrete:
“Entrai pela porta estreita, porque larga é a porta, e espaçoso o caminho que conduz à perdição, e muitos são os que entram por ela;
Porque estreita é a porta, e apertado o caminho que leva à vida, e poucos há que o encontrem” (Mateus 7:13–14).
Não devemos ficar surpresos se nossa fé falhar caso estejamos caminhando nas margens do caminho estreito e apertado. O que fazemos ou deixamos de fazer realmente importa porque as ações têm consequências, e a inação também. Quando nos descuidamos dos pequenos, diários, repetitivos, mas essenciais, atos de crença, enfraquecemos nossas raízes. Ao longo do tempo, afastamo-nos gradativamente de Deus.
Assim, a maneira com que falamos uns com os outros, os livros e artigos que lemos, os programas de televisão e filmes que vemos, as coisas que deixamos de ler e às quais nunca assistimos, as piadas que contamos ou que decidimos não ouvir nem repetir, tudo isso reflete onde estamos no caminho estreito e apertado: no centro ou nas margens. Não podemos dizer que estamos nutrindo nossas raízes se as coisas que fazemos ou deixamos de fazer não visam a nos tornar melhores santos. Somente encontramos segurança no centro do caminho estreito e apertado.
O Caminho para a Paz
Não há melhor padrão de vida em qualquer outro lugar, não há meio mais seguro de encontrar a paz e o rumo a trilhar do que seguir o Senhor Jesus Cristo. O nome Dele é o único dado abaixo do céu com poder de tornar nossa vida mais celestial (ver 2 Néfi 31:21; Moisés 6:52). Não há ninguém a quem possamos contemplar que tenha o poder salvador, renovador e transformador que o Salvador possui.
As palavras de Judas captam o inevitável vazio que acaba envolvendo a vida daqueles que escolhem qualquer outra pessoa ou coisa que não seja o Salvador. “São nuvens sem água, levadas dos ventos de uma a outra parte; são como árvores murchas, infrutíferas, duas vezes mortas, desarraigadas” (Judas 1:12).
Nossa alma deve estar tão firme e inabalavelmente enraizada em Cristo de modo a poder suportar quaisquer dificuldades, triunfar sobre qualquer aflição, resistir a qualquer ataque a nossa fé e tornar-se como um carvalho: firme, inamovível e constante. Esse tipo de raiz transcende o tempo e sobrepuja todo inimigo mesmo o mais sutil, invisível e insidioso.
Aprendemos com Helamã que a promessa de sermos fortes como uma rocha depende de edificarmos nossa vida no Redentor, “um alicerce seguro; e se os homens edificarem sobre esse alicerce, não cairão” (Helamã 5:12). Isaías captou em apenas algumas palavras a essência do que significa arraigar-nos no Senhor Jesus Cristo e fazer brotar em nossa alma alguns dos atributos do Salvador. Ele escreveu: “E o Senhor te guiará continuamente, e fartará a tua alma em lugares áridos, e fortificará os teus ossos; e serás como um jardim regado, e como um manancial de águas, cujas águas nunca faltam” (Isaías 58:11).
O Salvador Jesus Cristo é o exemplo de todas as virtudes. Ele foi o único homem perfeito que já viveu. Ele expiou por nossos pecados. Por meio de Sua Expiação, podemos tornar-nos mulheres e homens de Cristo. Podemos ser purificados, transformados, curados e refinados. Nossa alma pode tornar-se uma coisa bela.
Contemplemos o Salvador mais plenamente. Imitemo-Lo com maior adoração. Sigamo-Lo com mais avidez. Aprofundemos nossas raízes no solo da salvação até repousarmos Nele, a Rocha de nosso Redentor. Desfrutemos cada vez mais a bênção da vida abundante que Ele oferece.