Fé para seguir em frente
Mensagem proferida em uma reunião no Tabernáculo, em Salt Lake City, em 24 de julho de 2007, como parte da comemoração do Dia dos Pioneiros.
Armados com o testemunho do Senhor Jesus Cristo, membros da companhia de carrinhos de mão Willie seguiram em frente enfrentando dificuldades e fome.
A história que vou contar começou nos verdes campos da área rural da Inglaterra, onde John Bennett Hawkins nasceu, em Gloucester, em 1825. Ele foi batizado na Igreja em 1849 e no mesmo ano partiu para a América com uma companhia de santos dos últimos dias no navio Henry Ware. Chegou a Utah em agosto de 1852 e foi um dos ferreiros pioneiros no início do assentamento do estado de Utah.
Sua futura noiva, Sarah Elizabeth Moulton, também veio da área rural da Inglaterra. Irchester é uma cidadezinha perto do rio Nene, cerca de cem quilômetros ao norte de Londres e quase a mesma distância a leste de Birmingham. Sarah Elizabeth nasceu lá em 1837, filha de Thomas Moulton e Esther Marsh. A mãe de Sarah Elizabeth morreu quando ela estava com apenas 2 anos de idade e, em 1840, seu pai se casou com Sarah Denton.
Em junho de 1837, o élder Heber C. Kimball (1801–1868), do Quórum dos Doze Apóstolos, e outros líderes da Igreja estavam na Inglaterra fazendo o trabalho missionário. Entre os muitos conversos ensinados por esses missionários estava uma família que deu aos Moulton um exemplar do folheto A Voice of Warning [Uma Voz de Advertência], do élder Parley P. Pratt (1807–1857), do Quórum dos Doze Apóstolos. Depois de ler o folheto, Thomas e Sarah foram convertidos e batizados em 29 de dezembro de 1841. Naquela época, a família deles consistia de apenas duas filhas: Sarah Elizabeth, com 4 anos de idade, e Mary Ann, com 7 meses.
O espírito de coligação era forte no coração dos conversos da Europa. O grande desejo da família era imigrar para a América, onde poderiam se juntar à maioria dos santos. Como muitos outros, os Moulton não tinham dinheiro suficiente para realizar seu desejo. Mas sua resolução era forte e eles começaram a economizar em um jarro de frutas.
Fundo Perpétuo de Emigração
Em 1849, o presidente Brigham Young (1801–1877) criou o Fundo Perpétuo de Emigração para ajudar os membros da Igreja a irem para a América. Os primeiros a viajarem com a ajuda desse fundo o fizeram usando carroções, mas esse meio de transporte era lento e caro. Mesmo com a ajuda do Fundo Perpétuo de Emigração, poucos conseguiam pagar a viagem. Os líderes da Igreja estudaram o uso de carrinhos de mão e viram que os carrinhos de mão tornariam a viagem mais rápida e menos dispendiosa.
Na época a família Moulton já tinha sete filhos, mas, com as economias na jarra de frutas, a ajuda do Fundo Perpétuo de Emigração e o meio de transporte mais barato, seus sonhos de imigração se tornaram uma possibilidade. Com nove pessoas na família, foi preciso um planejamento cuidadoso em preparação para a viagem. Para economizar ainda mais para as compras que teriam que fazer, eles comeram principalmente farinha de cevada por quase um ano.
Quando a hora da partida se aproximava, Thomas hesitou em fazer a viagem porque sua esposa estava grávida. Mas Sarah Denton Moulton era uma mulher de fé e nada poderia detê-la. Antes de deixarem a Inglaterra, um dos missionários deu a Sarah uma bênção na qual prometeu que, se fosse para Utah, ela faria a viagem em segurança sem perder um único membro de sua família — uma bênção e tanto, considerando uma família que em breve contaria com dez pessoas!
A família, que saiu de Liverpool, Inglaterra, em 1856 no navio Thornton, deu as boas-vindas a um menino somente três dias após o início da viagem. O Thornton transportava 764 santos dinamarqueses, suecos e ingleses. Eles estavam sob a direção de um missionário chamado James Grey Willie.
Seis semanas depois, o Thornton entrou no porto de Nova York. A família Moulton embarcou em um trem para fazer a longa viagem para o oeste. Chegaram a Iowa City, em Iowa, em junho de 1856, que era o ponto inicial das companhias de carrinhos de mão. Três dias antes de sua chegada, a companhia de carrinhos de mão do capitão Edward Bunker saiu de Iowa City levando muitos dos carrinhos disponíveis.
Problemas com os carrinhos de mão
Duas semanas depois, a companhia Willie se juntou a outra companhia de santos, sob a direção de Edward Martin. Os agentes da Igreja em Iowa City, que haviam se empenhado muito para equipar e enviar a primeira das três companhias de carrinhos de mão, agora tinham que trabalhar freneticamente para fornecer carrinhos para um grande e inesperado grupo de pessoas. Eles tinham que construir 250 carrinhos de mão antes que esses santos pudessem continuar sua jornada.
Todo homem capaz foi colocado para trabalhar na confecção dos carrinhos, enquanto as mulheres faziam dezenas de tendas para a viagem. Muitos desses construtores amadores de carrinhos não usaram as especificações para construí-los, mas fizeram carrinhos de vários tamanhos e resistência, o que se tornaria uma dificuldade para eles. Por necessidade, a quantidade de carrinhos necessários exigiu que se usasse madeira verde, fora da estação e, em alguns casos, usaram couro cru e lata para as rodas. Cada carrinho carregava comida assim como todas as posses terrenas de muitos santos.
Não era incomum que 180 a 230 quilos de farinha, roupas de cama, utensílios de cozinha e roupas fossem carregados em cada carrinho. Somente oito quilos de bagagem pessoal por indivíduo eram permitidos em cada carrinho.
Thomas Moulton e sua família de dez pessoas foram designados para a quarta companhia de carrinhos de mão, novamente sob a direção do capitão Willie. Ela contava com mais de 400 santos, com mais pessoas idosas do que de costume. Um relatório feito em setembro daquele ano listou “404 pessoas, 6 carroções, 87 carrinhos de mão, 6 juntas de bois, 32 vacas e 5 mulas”.1
A família Moulton recebeu dois carrinhos, um coberto e outro aberto. Thomas e a esposa puxavam o carrinho coberto. O bebê Charles e a irmã Lizzie (Sophia Elizabeth) iam nesse carrinho. Lottie (Charlotte) podia ir nele sempre que o carrinho estivesse em um declive. James Heber, de 8 anos de idade, andava atrás deles com uma corda atada à cintura para evitar que se perdesse. O outro carrinho pesado era puxado pelas duas filhas mais velhas — Sarah Elizabeth (19) e Mary Ann (15) — e pelos irmãos William (12) e Joseph (10).
Em julho de 1856, os Moulton deram adeus a Iowa City e começaram sua jornada de 2 mil quilômetros rumo ao oeste. Depois de viajarem por 26 dias, chegaram a Winter Quarters (Florence), em Nebraska. Como de costume, passaram alguns dias ali, consertando os carrinhos e comprando suprimentos, já que não havia grandes cidades entre Winter Quarters e Salt Lake City.
O verão já estava acabando e a companhia Willie ainda não estava pronta para sair de Winter Quarters. Um conselho foi formado para decidir se eles deveriam prosseguir ou permanecer ali até a primavera. Alguns que já haviam feito o percurso os preveniram enfaticamente contra o perigo de se viajar no fim daquela estação. No entanto, o capitão Willie e muitos membros da companhia sentiram que deveriam ir porque não havia acomodações para passarem o inverno em Florence.
Diminuição das provisões
Com provisões inadequadas, os membros da companhia Willie começaram a jornada novamente em 18 de agosto, planejando reabastecer os suprimentos em Fort Laramie (ao norte da atual Laramie, Wyoming). Devido à advertência que receberam, colocaram mais um saco de 45 quilos de farinha em cada carrinho, acreditando que receberiam suprimentos enviados por Salt Lake City. Entretanto, os cocheiros dos carroções de suprimentos, pensando que não havia mais imigrantes na trilha, voltaram para Salt Lake City no fim de setembro, antes que a companhia Willie os alcançasse.
Em Florence, os Moulton acharam aconselhável abandonar uma caixa de suprimentos porque a carga que teriam que puxar para uma família de dez pessoas era pesada demais. Até o momento, já haviam deixado bagagem no porto em Liverpool, uma caixa de roupas a bordo do navio, um baú de roupas em Nova York e outro baú de suprimentos que continha a maior parte de seus pertences em Iowa City. Mesmo no caminho, procuraram maneiras de aliviar sua carga.
É difícil para quem desfruta de todo o conforto da vida moderna imaginar os revezes diários da família Moulton e dos outros admiráveis homens e mulheres daquelas companhias de carrinhos de mão. Conseguem imaginar as mãos e os pés cheios de bolhas, os músculos doloridos, a poeira e a areia, queimaduras de sol, moscas e mosquitos, ter que espantar rebanhos de búfalos e enfrentar encontros com os índios? Conseguem imaginar cruzar os rios com as dificuldades causadas pela areia e rochas escorregadias enquanto tentavam transportar os carrinhos em águas turbulentas ou profundas? Conseguem entender a fraqueza causada pela falta de alimentação adequada?
Durante a viagem, as crianças dos Moulton entravam nos campos com sua mãe para colher trigo selvagem e acrescentar alimento aos suprimentos que diminuíam rapidamente. Em certo momento, a família tinha apenas pão de cevada e uma maçã por dia para cada três pessoas.
Um pouco antes do anoitecer, em 12 de setembro, um grupo de missionários da Missão Britânica chegou ao acampamento. Eram liderados pelo élder Franklin D. Richards (1821–1899), do Quórum dos Doze Apóstolos, trisavô de minha mulher. Quando o élder Richards e os outros viram as dificuldades da companhia de carrinhos de mão, prometeram se apressar para chegar ao Vale do Lago Salgado e enviar ajuda assim que possível.
Em 30 de setembro, a companhia Willie chegou a Fort Laramie, Wyoming, 645 quilômetros a leste de Salt Lake City.
No início de outubro, com a chegada do inverno, as dificuldades se multiplicaram conforme a companhia tentava seguir adiante. As provisões estavam diminuindo drasticamente e o capitão Willie foi compelido a racionar a farinha para 425 gramas para os homens, 370 gramas para as mulheres, 250 gramas para as crianças e 140 gramas para os bebês. Em breve, eles enfrentariam ventos cortantes e tempestades de neve. Na manhã de 20 de outubro, a neve estava com dez centímetros de profundidade e as tendas e as coberturas dos carroções caíram devido ao peso. Cinco membros da companhia e alguns dos animais morreram de frio e de fome na noite anterior à tempestade, e outros cinco membros morreram nos três dias seguintes. Ao alimentar as mulheres, as crianças e os doentes primeiro, muitos dos homens mais fortes foram forçados a prosseguir sem nada para comer.
Grupos de socorro são estabelecidos
Três quilômetros abaixo de Rocky Ridge no rio Sweetwater, a companhia assentou acampamento e esperou em inanição, frio e miséria que a tempestade passasse.
Quando o grupo de Franklin D. Richards chegou a Salt Lake City imediatamente relatou ao presidente Young as condições precárias dos imigrantes. Os santos do vale não esperavam mais imigrantes até o ano seguinte e as notícias de sua difícil situação se espalharam como rastilho de pólvora.
Dois dias depois, em 6 de outubro de 1856, a conferência geral foi realizada no antigo tabernáculo. Do púlpito, o presidente Young requisitou homens, alimento e suprimentos em carroções puxados por mulas ou cavalos para sair no dia seguinte e prestar auxílio.2
John Bennett Hawkins estava no antigo tabernáculo naquele dia e respondeu ao chamado para ajudar. Ele estava entre as centenas de pessoas em grupos de socorro que partiram de Salt Lake City. Na noite de 21 de outubro, os carroções de resgate finalmente chegaram ao acampamento Willie. Foram recebidos com alegria e gratidão pelos sobreviventes famintos e congelados. Esse foi o primeiro encontro de John Bennett Hawkins e Sarah Elizabeth Moulton, que seriam meus bisavôs.
Em 22 de outubro, alguns dos resgatadores foram ajudar outras companhias de carrinhos de mão, enquanto William H. Kimball, com os carroções restantes, voltou para Salt Lake City levando a companhia Willie.
Os que estavam muito fracos para puxar os carrinhos colocaram seus pertences nos carroções e andaram ao lado deles. Os que não conseguiam andar foram colocados nos carroções. Quando chegaram a Rocky Ridge, outra terrível tempestade de neve se abateu sobre eles. Enquanto passavam pela cordilheira, tiveram que se enrolar em cobertores e mantas para não congelarem até a morte. Cerca de 40 pessoas da companhia já haviam morrido.3
O clima estava tão frio que muitos santos sofreram queimaduras nas mãos, nos pés e no rosto enquanto cruzavam as montanhas. Uma mulher ficou cega devido ao frio.
Conseguem imaginar os Moulton, com seus oito filhos, puxando e empurrando seus dois carrinhos, lutando para atravessar a neve profunda? Um carrinho era puxado por Thomas e sua esposa com sua preciosa carga — Lottie, Lizzie e o bebê Charles — com o pequeno James Heber tropeçando e sendo puxado pela corda em sua cintura durante a viagem. O outro carrinho era puxado e empurrado por Sarah Elizabeth e os outros três filhos. Uma senhora idosa muito gentil, vendo a luta do pequeno James Heber, segurou sua mão enquanto ele caminhava atrás do carrinho. Esse ato caridoso salvou a mão direita do menino, mas sua mão esquerda, exposta ao frio abaixo de zero, congelou. Quando eles chegaram a Salt Lake City, alguns dos dedos dessa mão foram amputados.
No início da tarde de 9 de novembro, os carroções com os sofridos viajantes pararam em frente ao prédio do escritório de dízimo, onde é agora o Edifício Memorial Joseph Smith, em Salt Lake City. Muitos chegaram com pés e membros congelados. Sessenta e nove pessoas morreram na jornada. Mas a promessa feita à família Moulton na bênção que receberam na Inglaterra foi cumprida. Thomas e Sarah Denton Moulton não perderam nenhum filho.
Do resgate ao romance
A companhia foi recepcionada por centenas de cidadãos de Salt Lake que ansiosamente esperavam sua chegada e estavam prontos para ajudar com seus cuidados. A gratidão e o apreço por um dos jovens heróis que ajudaram a salvar os Moulton das garras da morte logo se transformaram em amor por parte de Sarah Elizabeth.
Em 5 de dezembro de 1856, entre votos de felicidade de seus entes queridos, Sarah Elizabeth se casou com John Bennett Hawkins, seu resgatador. Eles foram selados para o tempo e a eternidade em julho do ano seguinte na casa de investidura. Estabeleceram residência em Salt Lake City e foram abençoados com três filhos e sete filhas. Uma dessas filhas, Esther Emily, casou-se com meu avô, Charles Rasband, em 1891.
Em 24 de julho, comemoramos o Dia do Pioneiro e expressamos nossa gratidão pelos muitos pioneiros que deram tudo que tinham para edificar o Vale do Lago Salgado e muitas outras comunidades no oeste dos Estados Unidos. Também expressamos gratidão pelos santos dos últimos dias pioneiros em todo o mundo que abriram — e ainda estão abrindo — o caminho do evangelho para outros seguirem.
O que os motivou? O que os fez seguir em frente? A resposta é o testemunho do Senhor Jesus Cristo. Como bisneto de pioneiros, acrescento meu testemunho de que sua luta não foi em vão. O que eles sentiram, eu sinto. O que eles sabiam, eu sei e disso presto testemunho.