1990–1999
Salvai as Crianças

Outubro 1994


Salvai as Crianças


Que Deus nos abençoe para que nos preocupemos com elas, para 
que as ergamos e guiemos ao trilharem caminhos perigosos, para 
que oremos por elas e as abençoemos, para que as amemos.

Busco a orientação do Santo Espírito. Sinto uma enorme responsabilidade ao falar a centenas de milhares de santos dos últimos dias, talvez até milhões, em todo o mundo.


Agradeço-vos a maravilhosa hospitalidade que nos ofereceis sempre que nos encontramos convosco. É uma experiência maravilhosa ser alvo de tanta generosidade. Vossas cartas de agradecimento nos encorajam. Estais tentando viver o evangelho e criar vossa família em luz e verdade. Sois verdadeiros santos dos últimos dias, e estou profundamente grato pela oportunidade de ser um convosco e partilhar de vossa companhia e vosso amor.


A irmã Hinckley e eu estivemos recentemente em uma conferência regional na cidade de Rexburg, no estado de Idaho. Fazia anos que não íamos ao Parque Nacional Yellowstone. Decidimos ir de carro à conferência e na segunda-feira, ao voltar para casa, passarmos pelo Parque Yellowstone.


Houve terríveis incêndios no parque em 1988. A cada dia, os noticiários traziam-nos vívidas imagens da intensidade dos incêndios, que se espalhavam por milhares de hectares e destruíam milhões de árvores. As chamas finalmente se extinguiram, e as pessoas literalmente prantearam o quadro desolador dos inúmeros pinheiros com os topos queimados, os troncos crestados e retos parecendo marcar os túmulos de um cemitério superlotado.


Ao visitarmos o parque há mais ou menos um mês, porém, vimos algo bastante interessante. Os pinheiros mortos continuavam lá, mas entre as árvores queimadas novas plantinhas brotavam do chão, milhões delas.


É óbvio que, ao serem atingidas pelo fogo, as pinhas explodiram, espalhando as sementes pelo solo. Há agora uma nova geração de árvores, belas, jovens e promissoras. As velhas árvores acabarão por cair e as novas crescerão, criando uma floresta de grande beleza e utilidade.


Passando de carro pelo parque, pensei nas maravilhas da natureza 
e no ritmo em que vivemos. Envelhecemos, e encontro-me entre os que já estão nessa condição. Nossa vitalidade e nossas faculdades diminuem. Porém, uma nova geração desponta. São ainda crianças. São também filhos de Deus, cujo momento de ocupar um lugar na Terra chegou. São como as plantinhas no parque: jovens, frágeis, sensíveis, belas e promissoras.


Como observou o poeta indiano Tagore: “Cada criança nasce com a mensagem de que Deus ainda não perdeu a esperança na humanidade.” [Charles L. Wallis, organizador, The Treasure Chest (O Baú dos Tesouros), Nova York: Harper and Row, 1965, p. 49.]


As crianças são a promessa do futuro. Elas são o próprio futuro. A tragédia é que muitas nascem para uma vida de sofrimentos, de fome, de medo, de problemas e de necessidades. As crianças tornam-se vítimas, em muitíssimos casos, da falta de humanidade dos homens para com os homens. Em meses recentes, nós as temos visto nas telas de televisão—as crianças da Somália, com os corpos inchados e, nos olhos, o olhar da morte. Mais recentemente, as temos visto em Ruanda, vítimas da cólera que se alastra e da fome perversa e implacável. Inúmeras são as que já morreram.


Elas eram a promessa de uma geração nova e melhor nesses locais, onde a doença, a má nutrição, as armas e a negligência destruíram-nas como se fossem tenras plantinhas submetidas a uma foice afiada.


Por que seriam os homens tão perversos a ponto de causar tão terríveis conflitos fratricidas? Creio que haverá grandes tribulações no Dia do Julgamento Final, quando tiverem que submeter-se ao Todo-Poderoso, acusados do sofrimento e da destruição dos pequeninos. Sou grato pelas pessoas boas e generosas, de muitas crenças e religiões espalhadas pelo mundo, cujo coração demonstra solidariedade, muitas delas doando generosamente seus bens, seu tempo e mesmo sua presença para ajudar os que tanto sofrem. Sou grato por nós, como igreja, termos dado uma ajuda tão significativa, como mencionou o Presidente Monson ontem à noite, enviando remédios, alimentos, roupas e cobertores para aquecer e abrigar os que tanto sofrem, particularmente as crianças que, de outra forma, certamente morreriam.


Por que elas sofrem tanto em tantos lugares? Com certeza Deus, nosso Pai Eterno, deve chorar quando vê os maus-tratos que são infligidos a Seus pequeninos, pois estou certo de que eles têm um lugar especial em seus grandiosos desígnios. Esse lugar foi confirmado quando Seu Filho, o Salvador do mundo, andou pelos caminhos poeirentos da Palestina.


“E traziam-lhe também meninos, para que ele lhes tocasse; e os discípulos, vendo isto, repreendiam-nos.


Mas Jesus … disse: Deixai vir a mim os meninos, e não os impeçais, porque dos tais é o reino de Deus.


Em verdade vos digo que, qualquer que não receber o reino de Deus como menino, não entrará nele.” (Lucas 18:15–17)


Como é grande nossa responsabilidade; como é séria a responsabilidade dos cristãos de boa vontade em todo o mundo de tentar aliviar as condições das crianças que sofrem, de removê-las dessa rotina de desespero em que vivem.


É óbvio que esse sofrimento não é novidade. Em séculos passados, pragas e doenças dizimaram continentes. As guerras já causaram a morte de milhões de inocentes. As crianças já foram negociadas e comercializadas; já foram usadas como instrumentos nas mãos de amos perversos; já trabalharam na mineração de carvão por longas horas, dia após dia, na escuridão das profundezas da terra; já foram exploradas em fábricas como se fossem mercadoria barata.


Com certeza, depois de todas as histórias que lemos, depois de todo o sofrimento do qual tomamos conhecimento, depois de toda a exploração da qual ficamos cientes; podemos fazer mais do que estamos fazendo atualmente para alterar as condições miseráveis que condenam milhões de crianças a uma vida em que existe muito pouca felicidade; que é tragicamente breve e plena de dor.


Não precisamos viajar a metade do planeta para encontrar crianças que sofrem. Inúmeras delas choram de medo e solidão, que são conseqüência de transgressões morais, negligência e maus-tratos. Falo francamente, talvez sendo indelicado. Mas não conheço outro modo de esclarecer um assunto sobre o qual tenho sentimentos tão intensos.


Um grave problema é o agora tão comum fenômeno de gravidez na adolescência e de filhos de mães solteiras. De algum modo parece haver na mente de muitos rapazes, e de alguns homens mais maduros, a idéia de que não há relação entre gerar-se uma criança e assumir responsabilidade pela sua vida daí em diante. Os rapazes devem estar cientes de que toda vez que uma criança é gerada fora dos laços do matrimônio, é pelo resultado da quebra de um mandamento dado por Deus desde os tempos de Moisés. Além do mais, deve-se saber claramente e compreender-se, sem dúvida alguma, que a responsabilidade é uma conseqüência inevitável, e que essa responsabilidade continuará por toda a vida. Apesar de os costumes de nossa sociedade contemporânea terem, talvez, decaído a ponto de as transgressões sexuais não serem levadas a sério ou serem consideradas aceitáveis, um dia teremos que responder perante o Deus dos céus por tudo o que fizemos de contrário a seus mandamentos. Acredito ainda em que, em algum momento, o homem que se torna pai de uma criança e a abandona, sentirá o peso da responsabilidade sobre seus ombros. Ele deve, algumas vezes, deter-se e ficar imaginando o que foi feito da criança, do menino ou menina que é sangue do seu sangue e fruto de sua alma.


A responsabilidade que recai sobre uma moça que precisa criar seu filho sozinha é incrivelmente pesada e desgastante. O peso recai também sobre a sociedade, devido aos impostos que lhe são cobrados a fim de atender às necessidades dessa criança e sua mãe.


Nos Estados Unidos, “nos seis anos compreendidos entre 1985 e 1990, estimam-se que os gastos públicos referentes às crianças nascidas de pais adolescentes sejam de mais de 120 bilhões de dólares. …


Dentre os adolescentes não-casados que têm filhos, 73% dependerão dos serviços assistenciais dentro de quatro anos (o que significa quase três em cada quatro).


Em 1991, os gastos federais e estaduais para ajuda às famílias com dependentes menores … chegou a 20 bilhões de dólares, mais os custos administrativos de 2,6 bilhões de dólares.” [Starting Points: Meeting the Needs of Our Youngest Children (Pontos de Partida: Atender às Necessidades de Nossas Crianças Mais Novas), Nova York: Carnegie Corporation, abril de 1994, p. 21.]


Os obstáculos que esperam as crianças nascidas e criadas nessas circunstâncias são, no mínimo, tremendos.


Afirmo, sem rodeios, que a resposta se encontra na fidelidade aos princípios do evangelho e aos ensinamentos da Igreja. Encontra-se na autodisciplina.


Quisera que todos os jovens se dessem conta disso e agissem de acordo com esses princípios. Haveria muito menos sofrimentos e desapontamentos. Nunca é demais enfatizar-se a importância desse assunto, pois as conseqüências são sérias e perduram por toda a eternidade.


Sei que, apesar de todos os ensinamentos, haverá sempre os que não prestam atenção e continuam a fazer o que bem lhes aprouver, para em dado momento assustarem-se ao saber que estão para se tornar pais, sendo eles próprios pouco mais do que crianças.


O aborto não é a solução. Ele só complica ainda mais o problema. É um mal e uma forma de escape repulsiva, que um dia trará arrependimento e remorso.


O casamento é a solução mais honrosa. Significa enfrentar a responsabilidade. Significa dar um nome à criança, com pais que possam cuidar dela, protegê-la e amá-la.


Quando o casamento não é possível, a experiência tem demonstrado que a adoção, apesar de difícil para a jovem mãe, pode dar à criança uma oportunidade maior de ter uma vida feliz. Os assistentes sociais sábios e experientes e os bispos devotados podem auxiliar em tais circunstâncias.


Há ainda os terríveis, imperdoáveis e malignos fenômenos do abuso sexual e dos maus-tratos.


São desnecessários. São injustificáveis. São indefensáveis.


Em termos de maus-tratos físicos, nunca aceitei o princípio de que “é de pequeno que se torce o pepino”. Serei sempre grato por um pai que nunca encostou a mão em seus filhos. De algum modo, ele possuía o maravilhoso talento de transmitir-nos o que esperava de nós e encorajar-nos para que o fizéssemos.


Estou convencido de que pais violentos produzem filhos violentos. Tenho certeza de que esse tipo de punição, na maior parte dos casos, produz mais mal do que bem. As crianças não precisam ser espancadas. Precisam de amor e encorajamento. Precisam de pais para quem possam olhar com respeito e não com medo. Mas, acima de tudo, precisam de exemplos.


Li recentemente a biografia de George H. Brimhall, que foi presidente da Universidade Brigham Young. O livro explica que ele 
sempre tratou seus filhos como 
companheiros e nunca bateu neles.


Há que se mencionar também a terrível e abominável prática do abuso sexual, que transcende a compreensão humana. É uma afronta à decência que deve existir em todo homem e toda mulher. É uma violação do que é mais sagrado e divino. Destrói a vida das crianças. Merece a mais severa condenação.


É vergonhoso para um homem ou mulher abusar sexualmente de uma criança. Ao fazê-lo, não apenas comete um tipo de ofensa seriíssima, mas está condenado diante do Senhor.


Foi o próprio Senhor quem disse: “Mas qualquer que escandalizar um destes pequeninos, que crêem em mim, melhor lhe fora que se lhe pendurasse ao pescoço uma mó de azenha, e se submergisse na profundeza do mar.” (Mateus 18:6) Como poderia Ele ter falado com mais energia?


Se houver alguém ao alcance de minha voz que seja culpado de tais práticas, peço-vos encarecidamente que as abandoneis, que vos afasteis delas, que busqueis ajuda, que imploreis perdão ao Senhor e que repareis o que fizestes. Deus não será escarnecido em razão dos abusos a Seus pequeninos.


Quando o Senhor ressuscitado apareceu neste hemisfério e ensinou Seu povo, o registro mostra claramente que, ao lhes falar “… ele chorou … e pegou as criancinhas, uma a uma, e abençoou-as e orou por elas ao Pai.


E depois de haver feito isso, chorou de novo;” (3 Néfi 17:21–22).


Não há mais terno e belo quadro nas escrituras sagradas que essa linguagem simples descrevendo o amor do Salvador pelas criancinhas.


De todas as alegrias da vida, nenhuma se iguala ao da paternidade e da maternidade feliz. De todas as responsabilidades que pesam sobre nós, nenhuma outra é mais séria. Criar os filhos numa atmosfera de amor, segurança e fé é o mais recompensador de todos os desafios. O bom resultado de tais esforços torna-se a mais gratificante recompensa de uma vida.


O Presidente Joseph F. Smith disse certa vez: “Fazer bem feito as coisas que Deus ordenou que toda a humanidade fizesse é a verdadeira grandeza. Ser um pai ou mãe bem sucedido é muito mais importante do que ser um general ou um estadista famoso. O primeiro é de grandeza universal e eterna, o outro é efêmero.” (Doutrina do Evangelho, São Paulo: Centro Editorial Brasileiro, 1975, p.259.)


Estou certo de que nenhuma outra experiência na vida aproxima-nos mais do céu que as existentes entre pais e filhos felizes.


Meu apelo—e desejaria ser mais eloqüente ao externá-lo—é para que salvemos as crianças. Há crianças demais padecendo de dor e medo, de solidão e desespero. As crianças precisam da luz do sol. Precisam de alegria. Precisam de amor e cuidados. Precisam de bondade, de conforto e de afeição. Todos os lares, independentemente do valor monetário da construção em si, podem prover um ambiente de amor que se transformará num ambiente de salvação.


Ao concluir, lerei uma carta que recebi outro dia. Fala do tipo de lar que tenho em mente. 


“Pensei em escrever-lhe a fim de dizer que a vida é boa. Estou aqui sentada olhando pela janela e vendo as belas montanhas. A macieira no quintal está cheia de frutos quase maduros, duas pombinhas que temos alimentado e observado durante todos os meses de verão estão comendo, e o tempo finalmente refrescou um pouco.


Meu marido e eu estamos casados há vinte e seis anos, temos cinco filhos maravilhosos, dois genros e um lar feliz e tranqüilo. Fico maravilhada com o amor de Deus em nossa vida. Ele nos une como casal e como família. Não tenho do que reclamar, e a maior parte de meus jejuns é de agradecimento.


Meu marido é membro da presidência da estaca … e eu dou aulas de Doutrina do Evangelho na Escola Dominical. Sempre trabalhamos na Igreja e sempre adoramos fazê-lo. Apreciamos muito o evangelho, e é maravilhoso ver nossos filhos crescendo do mesmo modo.


Gostaria apenas de lhe dizer 
que há muito amor, alegria, satisfação, divertimento e gratidão em nossa vida.”


É bom demais para ser verdade? A autora da carta não acha. Será uma visão muito idealizada? Não o creio. Não conheço a casa nem o jardim de que trata a carta. Isso é irrelevante. É o espírito daquele lar, a extensão do amor de um homem justo, que possui o sacerdócio de Deus, de uma mulher admirável, cujo coração está cheio de afeição e gratidão verdadeiras, e de filhos nascidos em um casamento sólido, tendo sido educados e criados em um ambiente de paz, fé e segurança.


Talvez não tenhais uma montanha no lugar onde viveis. Podeis não ter uma macieira no quintal nem aves para alimentar em vossa varanda. Mas podeis ter um ao outro como marido e mulher, pai, mãe e filhos que vivem juntos com amor, respeito, autodisciplina—e oração também.


A floresta velha incendeia-se e morre. Mas há uma nova que desponta em suas raízes—cheia de um maravilhoso potencial. É belíssima de se ver e está destinada a crescer. É o trabalho da própria mão do Senhor, uma parte de Seu plano divino.


Salvai as crianças. Muitas delas sofrem e choram. Que Deus nos abençoe para que nos preocupemos com elas, para que as ergamos e guiemos ao trilharem caminhos perigosos, para que oremos por elas e as abençoemos, para que as amemos, para que as mantenhamos seguras até que possam correr com suas próprias forças, oro em nome daquele que as ama tanto, o próprio Senhor Jesus Cristo. Amém. 9