Os Órfãos e as Viúvas—Amados de Deus
Que poder, que ternura e que compaixão demonstrou nosso Mestre e Exemplo. Nós, da mesma forma, podemos abençoar, seguindo Seu nobre exemplo.
Frederick W. Babbel, que acompanhou Élder Ezra Taft Benson em sua visita à Europa do pós-guerra para ajudar os santos, narra em seu livro On Wings of Faith (Nas Asas da Fé) uma história de partir o coração. Uma mulher, mãe de quatro crianças pequenas, ficara viúva havia pouco. Seu marido, jovem e bom, a quem ela amava mais que a própria vida, fora morto nos dias finais das horríveis batalhas da Prússia Oriental, sua terra natal. Ela e as crianças viram-se obrigadas a fugir para a Alemanha Ocidental, a mil e seiscentos quilômetros de distância. O clima estava ameno ao iniciarem a difícil jornada a pé. Enfrentar perigos como os refugiados em pânico e os saqueadores já era bastante difícil, mas então chegou o frio do inverno. De seus recursos parcos nada restara. Tudo o que ela possuía era uma forte fé em Deus e no evangelho, conforme revelado ao profeta SUD, Joseph Smith.
Então, certa manhã, o inimaginável aconteceu. Ela acordou com um calafrio no coração. O pequenino vulto da filha de três anos de idade estava frio e imóvel e ela percebeu que a morte a clamara para si. Com grande esforço, preparou uma sepultura rasa e enterrou a filha preciosa.
A morte, contudo, iria acompanhá-la durante toda a jornada. Sua criança de sete anos pereceu, e depois a de cinco. O desespero dela era terrível. Finalmente, quando estava chegando ao final da viagem, o bebê morreu em seus braços. Ela perdera o marido e os filhos. Desistira de todos os bens terrenos, de seu lar e até de sua terra natal.
Em profundo desespero ajoelhou-se e orou com mais fervor do que jamais o fizera na vida: “Querido Pai Celestial, não sei como poderei prosseguir. Nada restou—exceto minha fé em Ti. Em meio à desolação de minha alma há uma imensa gratidão pelo sacrifício expiatório de Teu Filho, Jesus Cristo. Sei que por Ele ter sofrido e morrido, eu viverei novamente com minha família; sei que por Ele ter rompido as cadeias da morte, verei meus filhos novamente na carne e terei a alegria de criá-los. Embora neste momento não queira continuar a viver, eu o farei, para que nos possamos reunir e retornar, juntos, a Ti.” Esta oração e testemunho susteve-a até chegar a Karlsruhe, seu destino.
Embora talvez não tão cruel nem tão dramática, porém igualmente tocante, são os obituários de nossos dias, quando o inimigo repugnante chamado morte entra no palco de nossa existência mortal e arrebata um esposo querido ou uma esposa preciosa de nossas mãos e, com freqüência, na exuberância da juventude, nossos filhos e netos. A morte não tem misericórdia e é imparcial e, de forma traiçoeira, visita todos. Em certas ocasiões ela vem após a resignação e é uma bênção, enquanto que, em outras circunstâncias, nos tira aqueles que estão no início da juventude.
Como em tempos antigos, os infortunados freqüente e silenciosamente repetem a mesma pergunta: “Não há ungüento em Gileade?”1 “Por que eu? Por que agora?” A letra de um lindo hino dá-nos uma resposta parcial:
Onde encontrar a paz e o consolo
Quando o mundo estiver contra mim?
Se n’alma carregar dor, desconsolo
Onde encontrarei a paz sem fim?
Ele é meu Salvador e meu amigo,
Responde minha oração, dá-me paz.
Sempre que eu lhe pedir, virá comigo,
Para vencer o mal, forte me faz.2
A angústia da viúva é um tema que se repete nos escritos sagrados. Nosso coração se enternece com a viúva de Sarepta. O marido partira. A parca reserva de alimentos fora consumida. A fome e a morte aguardavam-na. Mas então chegou o profeta de Deus, com a ordem aparentemente impudente de que a viúva o alimentasse. Sua resposta foi particularmente comovente: “Vive o Senhor teu Deus, que nem um bolo tenho, senão somente um punhado de farinha numa panela, e um pouco de azeite numa botija; e vês aqui, apanhei dois cavacos, e vou prepará-lo para mim e para o meu filho, para que o comamos, e morramos.”3
As palavras tranqüilizadoras de Elias penetrou-lhe o âmago:
“Não temas; vai, faze conforme à tua palavra: porém faze disso primeiro para mim um bolo pequeno e traze-mo para fora; depois farás para ti e para teu filho.
Porque assim diz o Senhor Deus de Israel: A farinha da panela não se acabará, e o azeite da botija não faltará ….
E foi ela, e fez conforme à palavra de Elias ….
Da panela a farinha se não acabou, e da botija o azeite não faltou.”4
O mesmo que aconteceu com a viúva de Sarepta ocorreu à viúva de Naim. O Novo Testamento de nosso Senhor registra um relato comovente do carinho do Mestre pela viúva angustiada:
“E aconteceu … ir ele à cidade chamada Naim, e com ele iam muitos dos seus discípulos, e uma grande multidão.
E quando chegou perto da porta da cidade, eis que levavam um defunto, filho único de sua mãe, que era viúva; e com ela ia uma grande multidão da cidade.
E, vendo-a, o Senhor moveu-se de íntima compaixão por ela, e disse-lhe: Não chores.
E, chegando-se, tocou o esquife (e os que o levavam pararam), e disse: Mancebo, a ti te digo: Levanta-te.
E o defunto assentou-se, e começou a falar. E entregou-o a sua mãe.”5
Que poder, que ternura e que compaixão demonstrou nosso Mestre e Exemplo. Nós, da mesma forma, podemos abençoar, seguindo Seu nobre exemplo. As oportunidades estão em toda parte. Precisa-se de olhos para perceber situações angustiantes, ouvidos para ouvir pedidos silenciosos de um coração partido; sim, e uma alma cheia de compaixão, para que a comunicação não seja apenas de olho para olho ou da voz para o ouvido, mas no estilo sublime do Salvador: de coração para coração.
A palavra viúva perece ter tido um significado deveras especial para nosso Senhor. Ele admoestou Seus discípulos a terem consciência do exemplo dos escribas, que aparentavam retidão com seus vestidos compridos e largas orações, mas devoravam as casas das viúvas.6
A advertência aos nefitas foi direta: “E chegar-me-ei a vós para juízo; e serei uma testemunha veloz contra … os que oprimem … a viúva.”7
E ao Profeta Joseph Smith, Ele ordenou: “O celeiro será mantido pelas consagrações da igreja; e as viúvas e os órfãos, assim como os pobres, serão amparados.”8
O lar da viúva não é, em geral, amplo e decorado. É, com freqüência, pequeno e de aparência humilde. Muitas vezes está escondido no alto das escadas ou no fundo do corredor e só possui um aposento. A esses lares Ele nos envia.
Talvez exista uma necessidade real de alimento, roupas ou até de casa. Isso pode ser conseguido. Quase sempre resta a esperança de que aquele amor-perfeito oferecido alimente a alma.
Visitai o só, o desalentado.
Confortai o triste, o cansado.
Espalhai bondade pelo caminho,
Tornando o mundo hoje mais luminoso.9
Lembremo-nos de que após o enterro as flores murcham, as demonstrações de carinho tornam-se recordações e as orações e palavras proferidas apagam-se nos corredores da mente. Os aflitos vêem-se constantemente sozinhos. Falta o riso das crianças, a agitação dos adolescentes, o cuidado terno e dedicado do companheiro que se foi. O tique-taque do relógio soa mais forte, o tempo passa mais lentamente e as quatro paredes tornam-se verdadeiramente uma prisão.
Esperemos que todos nós ouçamos novamente o eco das palavras do Mestre, inspirando-nos boas ações: “Quando o fizestes a um destes meus pequeninos … a mim o fizestes.”10
O falecido Élder Richard L. Evans deixou-nos este conselho para que reflitamos e tomemos uma atitude a respeito:
“Nós, que somos jovens, jamais nos deveríamos tornar tão completamente absorvidos por nossas próprias ocupações, que nos esqueçamos de que ainda há entre nós os que viverão envoltos na solidão, a menos que os deixemos participar de nossa vida como certa vez eles deixaram que participássemos da deles. Não podemos trazer-lhes de volta as manhãs da juventude, mas podemos ajudá-los a tornar o brilho do poente mais belo com nossa consideração, atitude e amor ativo e espontâneo. A vida em sua plenitude é um ministério de serviço dedicado, transmitido de geração em geração. Deus permita que os que nos pertencem jamais sejam abandonados à solidão.”11
Há muitos anos uma terrível seca atingiu o Vale do Lago Salgado. As mercadorias do armazém da Praça de Bem-estar não possuíam a qualidade costumeira, tampouco eram encontrados em grande quantidade. Muitos produtos estavam em falta, especialmente frutas frescas. Eu era, então, um jovem bispo, e preocupava-me com as necessidades das muitas viúvas de minha ala; uma oração que fiz certa noite foi especialmente sagrada para mim. Aleguei que aquelas viúvas, que estavam dentre as melhores mulheres que eu conhecera na mortalidade e cujas necessidades eram simples e moderadas, não tinham recursos.
Na manhã seguinte, recebi o telefonema de um membro da ala, que era proprietário de um negócio de frutas. “Bispo”, disse ele, “gostaria de enviar um caminhão com laranjas, toronjas e bananas para o armazém do bispo, para serem distribuídos entre os necessitados. Poderia fazer os preparativos?” Fazer os preparativos! O armazém foi avisado, cada bispo recebeu um telefonema e toda a carga foi distribuída. O Bispo Jesse M. Drury, dedicado pioneiro da área de bem-estar e responsável pelo armazém, disse que nunca testemunhara um dia como aquele. Descreveu a ocasião com apenas uma palavra: “Maravilhosa!”
A esposa daquele homem de negócios é hoje viúva. Sei que a decisão tomada pelo marido e por ela traz-lhe doces recordações e consolo à alma.
Expresso minha sincera gratidão a todos os que são atenciosos com as viúvas. Aos vizinhos solícitos que convidam-nas para jantar e ao nobre exército de mulheres, as professoras visitantes da Sociedade de Socorro, eu acrescento: Que Deus vos abençoe pela bondade e amor sincero demonstrado para com aquelas que estendem os braços para tentar tocar mãos que se foram e escutam vozes para sempre silenciadas. As palavras do Profeta Joseph Smith descrevem sua missão: “Pediram-me que comparecesse à Sociedade de Socorro Feminina, cujo objetivo é socorrer os pobres, os necessitados, as viúvas e os órfãos, para o cumprimento de todos os propósitos caridosos.”12
Sou grato aos bispos solícitos e zelosos que não permitem que o armário de viúva alguma fique vazio, casa alguma fique fria e vida alguma deixe de ser abençoada. Sinto admiração pelos líderes da ala que convidam as viúvas para todas as atividades sociais, com freqüência indicando um jovem para lhe servir de acompanhante na ocasião.
Com freqüência, a necessidade da viúva não é alimento ou abrigo, mas é a de sentir-se parte dos acontecimentos correntes. O Presidente Bryan Richards, da Cidade do Lago Salgado, que hoje serve como presidente de missão, trouxe ao meu escritório uma viúva encantadora, cujo marido falecera enquanto cumpriam uma missão de tempo integral. O Presidente Richards explicou que seus recursos financeiros eram sólidos e que ela gostaria de doar a quantia de duas apólices de seguro de vida do marido ao Fundo Geral Missionário. Não pude conter as lágrimas quando ela me informou: “Isso é o que quero fazer. É o que meu marido, com o pensamento sempre voltado para a obra missionária, gostaria que fosse feito.” O presente foi recebido e uma quantia substancial doada à obra missionária. O recibo foi feito em seu nome, mas meu coração acredita que tenha também sido registrado no céu. Convidei-a e ao Presidente Richards para me acompanharem, um até a sala de conselho da Primeira Presidência no Edifício do Escritório de Administração, que estava então vazia. A sala é linda e tranqüila. Pedi a essa viúva que se sentasse na cadeira normalmente ocupada pelo Presidente da Igreja. Senti que ele não se incomodaria, pois conheço seu coração. Ao sentar-se humildemente na grande cadeira de couro, ela segurou os braços da mesma com firmeza e declarou: “Este é um dos dias mais felizes de minha vida.” Também o foi para o Presidente Richards e para mim.
Nunca vou ao trabalho pela movimentada Avenida Seventh East na Cidade do Lago Salgado, mas vejo em minha mente uma filha atenciosa, que sofria de artrite, carregando um prato de comida quente para a mãe velhinha que morava do outro lado da movimentada via pública. Ela já foi encontrar-se com aquela mãe, que a precedeu na morte. Mas sua lição não foi esquecida pelas filhas, que alegram o pai viúvo limpando-lhe a casa todas as semanas, convidando-o para jantar e dividindo com ele bons e felizes momentos. Esse pai tem no coração uma prece de gratidão pelas filhas, luz de sua vida. Os pais sentem tanta solidão quanto as mães.
Certa noite, na época de Natal, minha esposa e eu visitamos um asilo na Cidade do Lago Salgado. Procuramos em vão uma viúva de 95 anos de idade cuja memória estava obscurecida e que não conseguia dizer uma palavra. Uma assistente ajudou-nos na busca e encontramos Nell na sala de jantar. Ela havia jantado e estava sentada em silêncio, olhando fixamente para o vazio. Não deu indicação alguma de reconhecer-nos. Quando tentei segurar-lhe a mão, ela afastou-a. Notei que segurava um cartão de Natal firmemente. A assistente sorriu e disse: “Não sei quem lhe enviou o cartão. Ela, porém, não o solta. Ela não fala, mas acaricia o cartão, e leva-o aos lábios e beija-o.” Reconheci o cartão; era o que minha esposa, Frances, enviara a Nell na semana anterior. Saímos do Asilo Maytime Manor sentindo mais o espírito de Natal do que quando entráramos. Guardamos para nós o mistério daquele cartão especial, da vida que alegrara e do coração que tocara. O céu estava perto.
Não precisamos esperar o Natal nem o Dia de Ação de Graças para responder ao conselho terno do Salvador: “Vai, e faze da mesma maneira.”13
Seguindo Seus passos, analisando Seus pensamentos e Suas ações e guardando Seus mandamentos seremos abençoados. A viúva angustiada, o filho órfão e o solitário de todos os lugares sentir-se-ão alegres, confortados e apoiados por nossa ajuda, e nós teremos uma compreensão mais profunda das palavras registradas na Epístola de Tiago: “A religião pura e imaculada para com Deus, o Pai, é esta: Visitar os órfãos e as viúvas nas suas tribulações, e guardar-se da corrupção do mundo.”14
Que a paz prometida pelo Salvador seja a dádiva deste Dia do Senhor e sempre, é minha fervorosa e humilde oração, em nome de Jesus Cristo. Amém.