1990–1999
A Busca da Identidade
Abril 1995


A Busca da Identidade

Sem dúvida alguma, o ambiente que reina em nosso lar e em nossa família é o maior determinante de nossa identidade.

Alguém aqui já teve a experiência de, ao sair de casa para uma atividade dos jovens, ouvir a mãe dizer: “Agora, filho, lembre-se de quem é”? E depois ficou curioso para saber por que ela sempre diz isso? A propósito, quem sou eu afinal?

Outras pessoas já fizeram essa importante pergunta:

“Moisés disse a Deus: Quem sou eu?”1

“Então entrou o rei Davi, e ficou perante o Senhor, e disse: Quem sou eu, Senhor Deus?”2

Entre os magníficos e numerosos ensinamentos do Presidente Howard W. Hunter, encontra-se esta declaração: “A maior busca de nosso tempo é a da identidade e da dignidade humana.”3 Essa busca da identidade é essencialmente uma busca de modelos que nos instruam quanto a nosso estilo de vida. Com bem poucas exceções, um jovem não encontra exemplos adequados entre os esportistas, artistas ou músicos profissionais. Essas pessoas conhecidas do público, em vez de fornecerem bons exemplos, são, muitas vezes, o inverso do tipo de modelo aceitável pela maioria de nós. O acesso a esses ídolos contemporâneos é caro e improdutivo. Ficamos quase sempre decepcionados quando observamos os padrões superficiais e obscuros que são objeto do louvor do público. Não é de se estranhar que as áreas públicas de muitas cidades se encham de jovens com esses padrões de comportamento superficiais e obscuros. Todavia, há um grande número de exemplos bem mais acessíveis e que podem nos influenciar mais profundamente. A maioria de nós, com um esforço relativamente pequeno e com gasto muito menor, pode fornecer à família uma autêntica lista de exemplos positivos. Essa lista pode surgir de uma simples pesquisa da vida de nossos antepassados. Por exemplo:

Há alguns anos, como presente de aniversário para minha esposa, recorri ao sistema FamilySearch® (N.T. Programa computadorizado de pesquisa familiar da Igreja) para extrair todos os registros de sua árvore genealógica. Isso foi um grave erro de minha parte. O computador revelou que minha esposa é descendente da realeza européia. Desde esse dia, ficou difícil para mim conviver com ela. Acho que, por conhecer a história de seus antepassados, sinto-me mais inclinado a tratá-la como a rainha de nosso lar. Mas o problema maior, naturalmente, é que meus filhos pertencem também à linhagem real, o que faz de mim o único “plebeu” da família.

Manasseh Byrd Kearl, nascido em 1870 e criado perto do Lago Bear, no norte de Utah, conta uma história maravilhosa que pode ser educativa para seus descendentes, entre os quais me encontro. Gostaria de ler algo de seu diário:

“Naquele outono, meu pai comprou gado para John Dikens, um rebanho grande. Dikens tinha uma enorme fazenda no Rio Bear ( … ). Lembro-me de que Jimmie estava no norte comprando gado e escreveu ao pai pedindo mais dinheiro. Então o pai mandou que eu lhe levasse o dinheiro. A mãe costurou seiscentos dólares nas minhas roupas de baixo e o pai colocou-me em cima de um cavalo e disse: ‘Agora, Byrdie, meu rapaz, não desça desse cavalo até encontrar seu irmão Jimmie, e mantenha a boca fechada. Se alguém lhe fizer perguntas não responda nem diga aonde está indo, e, não importa o que lhe digam, não dê esse dinheiro a ninguém exceto a Jimmie.’ ⌦Bem, quando cheguei a DingleDell, fiquei sabendo que Jimmie estava em Montpelier. Em Montpelier fui falar com Joe Rich, amigo do pai. Ele disse que Jimmie tinha voltado para casa e convidou-me para entrar e comer algo. Eu disse que não, que meu pai me dissera que não descesse do cavalo até que encontrasse Jim, e assim eu fiz. Tomei a direção de casa. Quando cheguei em Bears Valley, ⌦( … ) mal podia andar. O sr. Potter tentou convencer-me a parar e descansar, mas não concordei. Finalmente, cheguei em casa. Jimmie tirou-me do cavalo e levou-me para dentro. A mãe chorou só de pensar que eu cavalgara oitenta milhas sem apear.”4

Vejamos, também, a eloqüente linguagem de Gustave Henriod:

“O gentil leitor destas palavras jamais conhecerá os divertimentos e reveses, alegrias e medos, risos e decepções, pesares e encantos, anseios e realizações, esperanças e desesperos, ansiedades e contentamentos, dores e prazeres, que são, ou melhor, foram meus constantes companheiros no ano de 1853, entre Omaha e a Cidade de Salt Lake. Emparelhar bois bravos toda manhã, montar a barraca toda noite, catar esterco seco de búfalo a fim de fazer fogo para a comida, carregar e descarregar caixas e roupas de cama de manhã e à noite, vigiar os animais a cavalo ou a pé toda noite e conduzir o gado solto durante o dia, abrir valas em volta das barracas para protegê-las da água das tempestades, cantar os hinos de Sião, consertar um carroção quebrado, ( … ) lavar as próprias roupas—ninguém se lembrou de trazer um varal.”5

Outra importante qualidade que serve de exemplo é o humor ante o desafio. Hannah Cornaby, outro membro da migração de 1853, escreveu:

“Passaram-se exatamente três anos desde aquele memorável 1º de junho, quando, com a chegada de nossos bois, deixamos Keokuk. Quero dedicar uma página à descrição de nossa partida. Os bois eram bravos. Ver os homens emparelhando-os foi a coisa mais engraçada que meus olhos já testemunharam; todos dando ordens e ninguém sabendo como cumpri-las. Se os homens não fossem membros da Igreja, certamente haveria muito xingamento; para os bois, contudo, isso não fazia diferença, já que não sabiam inglês. Mas era realmente engraçado ver a feição desnorteada de certo irmão simplório que, depois de lidar uma hora ou mais para prender [um boi] ( … ) numa das cangas do carroção, segurava a outra canga no alto, tentando persuadir [o segundo boi] ( … ) a entrar embaixo, só para, no fim, ver [o primeiro boi] disparar velozmente pelo campo, a canga chicoteando o ar, e o boi não dando sequer uma pista de quando tencionava parar.”6

Naturalmente, havia conflitos políticos e sociais na vida de alguns de nossos antepassados, mas mesmo esses tornaram-se instrutivos devido ao modo como foram resolvidos. John Davies era legalista durante a Guerra da Independência Americana. ⌦Ele fora uma parte importante no estabelecimento da Igreja Anglicana nos Estados Unidos, que se tornou conhecida como Primeira Sociedade Episcopal de Litchfield. Esses primeiros imigrantes haviam aprendido que, após a religião, a lealdade era a virtude fundamental. Acreditavam honestamente que ninguém, senão um infiel traidor, ousaria falar de revolução contra a Pátria Mãe. Alguns deles argumentavam que qualquer tentativa de independência seria extrema ingratidão. Consideravam o rei não só o cabeça do governo, mas também da religião.

John Davies narra o desafio de construir sua primeira igreja em Litchfield, Connecticut, para depois vê-la ser seriamente danificada por soldados da Revolução. Seu gado foi afugentado pelos revolucionários e boa parte de sua propriedade ficou seriamente danificada por causa da grande perseguição contra os que se mantinham leais ao rei. Ouçam este relato a respeito de John Davies:

“Após o término da guerra, um homem que participara da dispersão de grande parte do gado de sua fazenda e cometera outros atos de pilhagem, estando agora em estado miserável, pediu ajuda, em sua extrema aflição, ao Sr. Davies, que não só lhe perdoou as injúrias cometidas, como também liberalmente o auxiliou em suas carências.”7

O primeiro marido de Tamma Miner, Albert, morreu em janeiro de 1847, quando seu filho mais novo ainda não tinha dois anos de idade e o mais velho tinha apenas quinze. O pai de Tamma, Edmond, foi morto por uma turba em Nauvoo, Illinois, quando Tamma tinha trinta e dois anos e esperava o nono bebê. Sua filha, Melissa, morreu durante o tempo da perseguição com sete meses de idade; seu filho, Orson, morreu de febre aos dezessete anos; e outra filha, Sylvia, morreu aos dois anos. Tamma, com os cinco meninos e duas meninas restantes, iniciou a jornada para a Cidade de Salt Lake através das planícies, em 10 de junho de 1850. Os escritos de Tamma incluem esta maravilhosa declaração:

“Passei por todas as dificuldades, expulsões, incêndio, ataques e ameaças e permaneci com os santos em todas as suas perseguições, desde Huron County até Kirtland, de Kirtland a Missouri e de volta para Illinois e, depois, através do deserto. Escrevo isto para que meus filhos tenham uma pequena idéia do que seus pais enfrentaram. Espero que apreciem estas linhas, pois sinto-me altamente honrada em ser contada como santo dos últimos dias.”8

Esses são alguns grandes exemplos que se encontram a nossa disposição quando aprendemos a respeito de nossa própria história familiar.

Recentemente, nos reunimos com uma executiva de uma grande empresa de entretenimento. Dentre suas várias e excelentes credenciais, estava a etnia judaica. Obviamente, ela apreciou a visita a nossa Biblioteca de História da Família e a demonstração de nosso empenho em reunir e preservar registros vitais de todo o mundo. Ao final de nosso encontro, perguntou-me: “Por que sua Igreja se interessa tanto por genealogia?”

Eu disse: “Gostaria de responder com a mesma pergunta: Por que ⌦os judeus se interessam por sua genealogia?”

Um pouco surpresa com minha questão, ela respondeu: “Por quê? Isso é de máxima importância. É como obtemos e mantemos nossa identidade. É como sei quem sou. A história e a vida de nossos antepassados representam os elos que unem toda a comunidade judaica.” Concluindo, disse: “De que outro modo saberíamos quem somos?”

Respondi-lhe: “Essa é uma das razões por que nossa Igreja se interessa por genealogia.”

Meus irmãos do sacerdócio, como respondemos a esta antiga pergunta: Quem sou eu?

Primeiramente, somos filhos de Deus, criados segundo Sua imagem. Somos membros da Igreja de Jesus Cristo dos Santos dos Últimos Dias. Nossa ligação e identificação com a Igreja tem sido mantida por muitos de nossos membros por mais de um século e meio. Sem dúvida alguma, o ambiente que reina em nosso lar e em nossa família é o maior determinante de nossa identidade. Foi assim com a família de nossos pais e com a família dos pais de nossos pais. Não precisamos ir além de nossa própria família para encontrarmos maravilhosos modelos, cujos altos padrões são mais do que adequados a nossa busca de identidade. Como o Élder Russell M. Nelson nos ensinou esta tarde, somos filhos do convênio.

De nossa própria família vem esta magnífica promessa:

“Portanto, assim diz o Senhor a vós, com quem o sacerdócio tem continuado através da linhagem de vossos pais—

Pois de acordo com a carne, sois herdeiros legais, e fostes escondidos do mundo com Cristo, em Deus.

Portanto, a vossa vida e o sacerdócio permaneceram, e é necessário que permaneçam através de vós e de vossa linhagem, até a restauração de todas as coisas de que falaram as bocas de todos os santos profetas, desde o princípio do mundo.”9

Em nome de Jesus Cristo. ⌦Amém. 9

  1. Êxodo 3:11.

  2. II Samuel 7:18.

  3. Conference Report: abril de 1967, p. 11.

  4. Diário pessoal de Manasseh ⌦Byrd Kearl.

  5. Our Pioneer Heritage (Nossa Herança Pioneira), comp. Kate B. Carter, 20 vols. (Salt Lake City, Daughters of Utah Pioneers, 1968), 11:320.

  6. Hannah Cornaby, Autobiography and Poems (Autobiografia e Poemas), ⌦Salt Lake City, J. C. Graham, 1881, p. 32.

  7. Henry Eugene Davies, Davies Memoir (Memórias dos Davies), ⌦(s.e., 1895) p. 21–22.

  8. Our Pioneer Heritage (Nossa Herança Pioneira), 2:323.

  9. D&C 86:8–10.