Capítulo 11
Da Judéia Para A Galiléia
O Testemunho de João Batista acerca de Jesus
Durante o período de isolamento de nosso Senhor no deserto, João Batista prosseguiu em seu ministério, clamando arrependimento a todos os que se detinham para ouvir, administrando o batismo aos que se apresentavam devidamente preparados e o solicitavam com pureza de intenção. O povo em geral mostrava-se grandemente preocupado com a identidade de João: e, à medida que começavam a perceber a importância real da voza, sua apreensão transforma-se em medo. A pergunta sempre presente era: Quem é este novo profeta? Então os judeus, por cuja expressão podemos compreender os príncipes do povo, enviaram uma delegação de sacerdotes e levitas do grupo farisaico, para interrogá-lo pessoalmente. Ele respondeu sem evasivas: “Eu não sou o Cristo”, e com igual decisão, negou que fosse Elias ou, mais precisamente, Elias, o profeta, que, afirmavam os rabis, interpretando erroneamente a predição de Malaquias, deveria retornar à Terra como precursor imediato do Messias.b Ademais, declarou não ser ele “aquele profeta”, referindo-se ao Profeta cuja vinda Moisés havia preditoc, que não estava universalmente identificado na mentalidade judaica com o Messias esperado. “Disseram-lhe, pois: Quem és? para que demos resposta àqueles que nos enviaram; que dizes de ti mesmo? Disse: Eu sou a voz do que clama no deserto: Endireitai o caminho do Senhor, como disse o profeta Isaías.”d Os enviados farisaicos então, o interpelaram quanto à sua autoridade para batizar; em resposta, ele afirmou que a validade de seus batismos seria atestada por Um que já estava entre eles, embora eles não o conhecessem, e asseverou: “Este é aquele que vem após mim, que é antes de mim, do qual eu não sou digno de desatar a correia da alparca.”e
O testemunho de João, de que Jesus era o Redentor do mundo, foi declarado tão intrepidamente quanto o fora sua mensagem da vinda iminente do Senhor. “Eis o Cordeiro de Deus, que tira o pecado do mundo”, proclamou ele; e, para que ninguém deixasse de compreender sua identificação do Cristo, acrescentou: “Este é aquele do qual eu disse: Após mim vem um homem que é antes de mim, porque foi primeiro do que eu. E eu não o conhecia; mas, para que ele fosse manifestado a Israel, vim eu, por isso, batizando com água.”f Que a confirmação da presença ministradora do Espírito Santo, através da aparição material “como uma pomba”, fora convincente para João, está demonstrado pelo seu posterior testemunho: “E João testificou, dizendo: Eu vi o Espírito descer do céu como pomba, e repousar sobre ele. E eu não o conhecia, mas o que me mandou a batizar com água, esse me disse: Sobre aquele que vires descer o Espírito, e sobre ele repousar, esse é o que batiza com o Espírito Santo. E eu vi, e tenho testificado que este é o Filho de Deus.”g No dia subseqüente ao deste pronunciamento, João repetiu seu testemunho a dois de seus discípulos ou seguidores, ao ver Jesus passar, dizendo novamente: “Eis o Cordeiro de Deus.”h
Os primeiros discípulos de Jesusi
Dois dos seguidores de João Batista, especificamente denominados discípulos, estavam com ele, quando, pela segunda vez, designou expressamente a Jesus como o Cordeiro de Deus. Eram eles André e João; este último veio a ser conhecido, anos mais tarde, como o autor do quarto Evangelho. O primeiro é mencionado pelo nome, enquanto o narrador suprime seu próprio nome como o do segundo discípulo. André e João ficaram tão impressionados com o testemunho de João Batista, que imediatamente seguiram a Jesus; e este, voltando-se para eles, perguntou: “Que buscais?” Talvez algo embaraçados pela pergunta ou com um desejo real de saber onde encontrá-lo mais tarde, eles responderam com outra pergunta: “Rabi, onde moras?” O uso do título Rabi era um sinal de honra e respeito, a que Jesus não objetou. Sua resposta cortês a essa pergunta assegurou-lhes que sua presença não era uma intrusão indesejável. “Vinde e vede”, disse ele.j Os dois jovens seguiram-no e permaneceram com ele para aprender mais. André, cheio de admiração e alegria, ante a entrevista tão graciosamente concedida, e emocionado com o espírito de testemunho que se havia acendido em sua alma, correu a procurar seu irmão Simão, a quem disse: “Achamos o Messias.” Ele trouxe Simão para ver e ouvir por si mesmo; e Jesus, olhando para o irmão de André, chamou-o pelo nome e acrescentou um apelativo de distinção, pelo qual ele estava destinado a ser conhecido em toda a história posterior: “Tu és Simão, filho de Jonas; tu serás chamado Cefas.” O novo nome assim conferido é o equivalente aramaico ou siro-caldaico do grego “Petros” e do português atual “Pedro”, que significa “uma pedra”.k
No dia seguinte Jesus partiu para a Galiléia, possivelmente acompanhado de alguns ou de todos os Seus novos discípulos, e no caminho encontrou um homem chamado Filipe, em quem reconheceu outro filho escolhido de Israel. A Filipe Ele disse: “Segue-me.” Era costume os rabis e outros mestres daquele tempo lutarem para conseguir popularidade, a fim de que muitos fossem atraídos a eles, para se sentarem a seus pés e serem conhecidos como seus discípulos. Jesus, entretanto, selecionou Seus próprios companheiros imediatos e, à medida que os encontrava e discernia neles os espíritos que, no estado preexistente, haviam sido escolhidos para a missão terrena do apostolado, chamava-os. Aqueles eram os servos; Ele, o Senhor.l
Filipe logo encontrou seu amigo Natanael, a quem testificou que aquele sobre quem Moisés e os profetas haviam escrito, fora finalmente encontrado; e que não era outro senão Jesus de Nazaré. Natanael, como sua história posterior o demonstra, era um homem justo, fervoroso em sua esperança e expectação do Messias, ainda que aparentemente imbuído da crença comum do judaísmo — de que o Cristo deveria vir em realeza, como seria próprio ao Filho de Davi. A menção do filho de um humilde carpinteiro, vindo de Nazaré, despertou assombro, senão incredulidade na mente sincera de Natanael, e ele exclamou: “Pode vir alguma coisa boa de Nazaré?” Filipe respondeu com uma repetição das palavras de Cristo a André e João — “Vem e vê.” Natanael abandonou seu assento sob a figueira,m onde Filipe o havia encontrado, e foi ver por si mesmo. Ao aproximarse, Jesus disse: “Eis aqui um verdadeiro israelita, em quem não há dolo.” Natanael viu que Jesus podia ler sua mente e inquiriu surpreso: “Donde me conheces tu?” Em resposta, Jesus demonstrou poderes ainda maiores de entendimento e percepção, sob condições que tornavam o fato comum improvável, senão impossível: “Antes que Filipe te chamasse, te vi eu estando tu debaixo da figueira.” Natanael replicou com convicção: “Rabi, tu és o Filho de Deus, tu és o Rei de Israel.” Embora sincero fosse seu testemunho, ele ainda se apoiava essencialmente em seu reconhecimento do que tomara por um poder sobrenatural em Jesus; nosso Senhor assegurou-lhe que haveria de ver coisas maiores ainda: “E disse-lhe: Na verdade, na verdade vos digo que daqui em diante vereis o céu aberto, e os anjos de Deus subirem e descerem sobre o Filho do Homem.”
“O Filho do Homem”
Na promessa e predição feita por Cristo a Natanael, encontramos o significativo título — O Filho do Homem — mencionado pela primeira vez, cronologicamente falando, no Novo Testamento. Ele reaparece, no entanto, cerca de quarenta vezes, excluindo-se repetições em relatos paralelos, nos diversos Evangelhos. Em cada uma dessas passagens, é empregado pelo Salvador distintamente para designar a Si próprio. Em três outras circunstâncias, o título aparece no Novo Testamento, fora dos Evangelhos; e em cada um dos casos, aplica-se ao Cristo com referência específica a Seus elevados atributos de Senhor e Deus.n
No Velho Testamento, a frase “filho do homem” aparece em uso comum, denotando qualquer filho humano;o e aparece mais de noventa vezes como apelativo pelo qual Jeová Se dirige a Ezequiel, conquanto nunca aplicado pelo profeta a si mesmo.p O contexto das passagens, nas quais Ezequiel é denominado “filho do homem”, indica o divino intento de realçar a condição humana do profeta, em contraste com a divindade de Jeová.
O título é empregado no registro da visão de Daniel,q na qual se revelou a consumação, ainda futura, quando Adão — O Ancião de Dias — se sentará para julgar sua posteridade;r nessa grande ocasião, o Filho do Homem deverá aparecer e receber um domínio que será eterno, transcendentalmente superior ao do Ancião de Dias, abrangendo todo povo e nação, os quais servirão todos ao Senhor, Jesus Cristo, o Filho do Homem.s
Aplicando a designação a Si mesmo, o Senhor invariavelmente, usa o artigo definido. “O Filho do Homem” foi e é, específica e exclusivamente, Jesus Cristo. Conquanto seja objeto de solene certeza ter sido Ele o único ser humano desde Adão a não nascer de um homem mortal, Jesus empregava o título de forma a demonstrar conclusivamente que o mesmo era característica e exclusivamente Seu. E evidente que a expressão contém um significado, além daquele transmitido pelas palavras em seu uso comum. A eminente designação tem sido interpretada por muitos como indicativa do humilde estado de nosso Senhor como mortal, contendo a implicação de que Ele simboliza a humanidade, possuindo uma relação particular e única com toda a família humana. Existe, entretanto, um significado mais profundo ligado ao emprego do título “O Filho do Homem” pelo Senhor; e reside no fato de que Ele sabia ser Seu Pai o único Homem supremamente exaltadot de quem Jesus era Filho tanto em espírito como em corpo — o Primogênito de todos os filhos espirituais do Pai, o Unigénito na carne — e portanto, num sentido aplicado apenas a Si próprio, Ele era e é o Filho do “Homem de Santidade”, Eloimu, o Pai Eterno. Em Seus títulos característicos de Filiação, Jesus expressou Sua descendência física e espiritual e Sua submissão filial àquele Pai exaltado.
Conforme foi revelado a Enoque, o vidente, “Homem de Santidade” é um dos nomes pelos quais Deus, o Pai Eterno, é conhecido; “e o nome do seu Unigénito é Filho do Homem, sim Jesus Cristo.” Inteiramo-nos, além disso, de que o Pai de Jesus Cristo assim se proclamou a Enoque: “Eis que Eu sou Deus; Homem de Santidade é o meu nome; Homem de Conselho é o meu nome; e Infinito e Eterno é o meu nome também.”v “O Filho do Homem” é em grande extensão sinônimo de “O Filho de Deus”, como título indicativo de divindade, glória e exaltação; pois o “Homem de Santidade”, de quem Jesus Cristo reverentemente reconhece ser Filho, é Deus, o Pai Eterno.
O Milagre de Caná na Galiléia
Logo após a chegada de Jesus à Galiléia, vamos encontrá-Lo com Seu pequeno grupo de discípulos numa festa de casamento em Caná, cidade vizinha de Nazaré. Sua mãe estava presente ao festim e, por alguma razão não esclarecida no relato de Joãow, manifestou cuidado e responsabilidade pessoal quanto à questão de alimentar os convivas. Evidentemente, sua posição era diversa da de alguém que ali estivesse por simples convite. Se esta circunstância indica que o casamento era de um de Seus familiares imediatos ou de algum parente mais distante, não somos informados.
Era costume oferecerem nos esponsais abastança de vinho, produto puro e fraco dos vinhedos locais, que era a bebida de mesa comum na época. Nessa ocasião, o suprimento de vinho esgotou-se e Maria relatou o fato a Jesus. Disse Ele: “Mulher, que tenho eu contigo? ainda não é chegada a minha hora.” O termo “Mulher”, quando dirigido por um filho à sua mãe, pode soar a nossos ouvidos um pouco áspero, senão desrespeitoso; mas seu emprego era, na realidade, uma expressão de significado oposto.x Para todo filho, a mãe deve ser preeminentemente a mulher das mulheres; é ela a única mulher no mundo, a quem o filho deve sua existência terrena; e, conquanto o título mãe se aplique a toda mulher que tenha conquistado as honras da maternidade, para nenhum filho existe mais que uma mulher, a quem por direito natural ele possa dirigir-se com aquele título de reconhecimento respeitoso. Quando, nas últimas cenas tenebrosas de Sua experiência terrena, Cristo pendia da cruz em agonia mortal, olhou para Sua mãe, Maria, que chorava; e recomendou-a aos cuidados do amado apóstolo João, com as palavras: “Mulher, eis aí o teu filho.”y Poder-se-ia supor que nesse momento supremo, o cuidado de nosso Senhor pela mãe, de quem estava para separar-Se pela morte, estivesse associado a outro sentimento que não o de honra, carinho e amor?z
Contudo, Suas palavras a Maria nos esponsais poderiam ter encerrado uma suave advertência a respeito de sua posição como mãe de um Ser superior a ela própria, da mesma forma que, em ocasião anterior, quando ela O encontrara no templo, Jesus lhe havia indicado o fato de que sua jurisdição sobre Ele não era suprema. A forma pela qual Maria Lhe relatou a insuficiência de vinho, indicava, provavelmente, uma insinuação para que Ele fizesse uso de Seu poder sobre-humano, suprindo, assim, o necessário. Não era função de Maria dirigir ou mesmo sugerir o exercício do poder que lhe era inerente como Filho de Deus; este não havia sido herdado dela. “Que tenho eu contigo? inquiriu Ele; e acrescentou: “Ainda não é chegada a minha hora.” Não encontramos aqui qualquer negação da capacidade de fazer aquilo que ela, evidentemente, desejava Dele, mas a implicação clara de que Ele agiria apenas quando a hora fosse propicia ao objetivo, e que Ele, não ela, deveria decidir quando aquela hora era chegada. Maria compreendeu sua intenção, pelo menos em parte, e contentou-se em instruir os empregados para que fizessem tudo o que Ele ordenasse. Aqui se evidencia, novamente, sua posição de responsabilidade e autoridade doméstica na reunião social.
A hora da intervenção logo chegou. Havia no local seis talhas;a Jesus instruiu os servos a enchê-las de água. Então, sem comando ou fórmula de invocação audível, segundo consta, Ele fez processar-se uma transmutação dentro das bilhas e, quando os servos se serviram delas, foi vinho e não água o que retiraram. Numa reunião social judaica, como eram estes esponsais, alguém, em geral um parente dos anfitriões ou outra pessoa digna da honra, era feito dirigente do festim ou, como dizemos hoje, presidente ou mestre de cerimônias. O novo vinho foi primeiramente servido a esse dirigente; e ele, chamando o noivo, que era o verdadeiro anfitrião, perguntou-lhe porque havia reservado seu melhor vinho para o fim, quando o costume era servir o melhor no princípio e só depois o inferior. O resultado imediato desta ocorrência, o primeiro dos milagres de nosso Senhor a receber menção, foi assim sucintamente registrado pelo inspirado evangelista: “Jesus principiou assim os seus sinais em Caná da Galiléia, e manifestou a sua glória; e os seus discípulos creram nele.”b
As circunstâncias que cercaram o ato miraculoso são educativas. A presença de Jesus no casamento e Sua contribuição ao bom andamento da festa colocam o selo de Sua aprovação sobre as relações matrimoniais e a conveniência do entretenimento social. Ele não era um recluso nem um asceta; movia-Se entre os homens, comendo e bebendo como um ser normal.c Por ocasião da festa, reconheceu as demandas da hospitalidade liberal da época, e com elas concordou, provendo o que faltava. Ele, que poucos dias antes se havia revoltado com a sugestão do tentador, de que provesse pão para Seu próprio corpo enfraquecido, empregava agora o poder para fornecer um luxo a outros. Um dos efeitos do milagre foi confirmar a confiança daqueles, cuja crença Nele, como o Messias, era ainda nova e não experimentada. “Seus discípulos creram Nele”; certamente, haviam crido até certo ponto anteriormente ou não O teriam seguido; mas essa crença estava agora fortalecida e se aproximava, se é que não alcançava, a condição de fé permanente em seu Senhor. É notável a relativa reserva de que se cercou a manifestação; o efeito moral e espiritual estendeu-se apenas a alguns; a inauguração do ministério do Senhor não devia ser marcada por exibição pública.
Milagres em Geral
O ato de transmutação, pelo qual a água se transformou em vinho, foi manifestamente um milagre, um fenômeno não suscetível de explicação e, menos ainda, de demonstração, através daquilo que consideramos a operação comum da lei natural. Esse foi o princípio de Seus milagres ou, como expressado na versão revista do Novo Testamento, de “seus sinais”. Em muitas Escrituras, milagres são chamados sinais, bem como maravilhas, poderes, obras, obras maravilhosas, obras poderosasd etc. O efeito espiritual dos milagres ficaria inatingido, se as testemunhas não fossem levadas a admirarem-se, maravilharem-se, ponderarem e inquirirem inferiormente; mera surpresa ou deslumbramento podem ser produzidos por artifícios e passes de mágica. Qualquer manifestação milagrosa de poder divino seria desprovida de efeito espiritual, se não causasse impressão. Ademais, todo milagre é um sinal do poder de Deus; e sinais foram reclamados de profetas que afirmavam falar por autoridade divina, conquanto não se manifestassem em todos os casos. Nenhum milagre foi atribuído a João Batista, apesar de ter sido declarado por Cristo, como mais do que um profeta;ee as crônicas de alguns dos antigos profetasf são destituídas de qualquer menção de milagres. Por outro lado, Moisés, quando comissionado para libertar Israel do Egito, foi cientificado de que os egípcios buscariam o testemunho de milagres, sendo dotado de abundantes poderes para realizá-los.g
Os milagres não podem existir em contravenção à lei natural, mas são operados através da aplicação de leis não reconhecidas universal ou comumente. A gravitação é operante em toda parte, mas a aplicação local e especial de outras forças pode aparentemente, anulá-la, — como quando, por esforço muscular ou impulso mecânico, uma pedra é levantada do solo, mantida no ar ou lançada ao espaço. Em cada estágio do processo, no entanto, a gravidade está plenamente ativa, embora o seu efeito seja modificado pelo de outra energia, localmente superior. O conceito humano do miraculoso se desvanece à medida que a compreensão do processo operativo se amplia. Realizações possibilitadas pela moderna invenção do telégrafo e do telefone, com ou sem fio, a transmutação da energia mecânica em eletricidade, com suas múltiplas aplicações atuais e possibilidades futuras, o desenvolvimento do motor à gasolina, as presentes realizações da navegação aérea — não são mais milagres na concepção humana, porque são todos, até certo ponto, compreendidos, controlados pela ação do homem, sendo, além do mais, operados de maneira contínua e não prodigiosa. Nós, arbitrariamente, classificamos de milagres apenas os fenômenos invulgares, especiais, transitórios, e operados por uma força além do controle humano.
Em um sentido mais geral, toda a natureza é um milagre. O homem aprendeu que, plantando a semente da uva em solo propício e cultivando-a devidamente, pode contribuir para o crescimento do que virá a ser uma vinha madura e frutífera; mas não haverá milagres, nos próprios processos inescrutáveis daquele desenvolvimento? Há menos de milagroso no que chamamos de curso natural do desenvolvimento de uma planta — o crescimento de raiz, caule, folhas e frutos, com a elaboração final do rico néctar da vinha — do que naquilo que parece sobrenatural na transmutação da água em vinho, em Caná?
No estudo dos milagres operados por Cristo, devemos necessariamente reconhecer a operação de um poder que transcende nossa atual percepção humana. Nesse campo, a ciência ainda não avançou o suficiente para analisar e esclarecer. Negar a realidade dos milagres, baseados em que, por não podermos compreender os meios, os resultados relatados são fictícios, é arrogar para a mente humana o atributo da onisciência, subentendendo-se que aquilo que o homem não pode compreender não pode existir e que, portanto, ele é capaz de compreender tudo o que existe. Os milagres registrados nos Evangelhos são tão plenamente apoiados pela evidência como o são muitos dos fatos históricos, que não provocam protestos nem exigências de provas adicionais. Para o que crê na divindade de Cristo, os milagres estão suficientemente evidenciados; para o descrente, não são mais que mitos e fábulas.h
Para compreender as obras de Cristo, devemos reconhecê-Lo como Filho de Deus; para o homem que não aprendeu ainda a conhecer, a alma honesta que deseja investigar sobre o Senhor, o convite está pronto: “Vinde e vede.”
Notas do Capítulo 11
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Interpretação errônea da Predição de Malaquias. — No capítulo final da compilação de escrituras conhecida como Velho Testamento, o profeta Malaquias assim descreve uma condição relativa aos últimos dias, imediatamente precedente à segunda vinda de Cristo: “Porque eis que aquele dia vem ardendo como fornalha; e todos os soberbos, e todos os que cometem impiedade, serão como palha; e o dia que está para vir os abrasará, diz o Senhor dos Exércitos, de sorte que lhes não deixará nem raiz nem ramo. Mas para vós, os que temeis o meu nome, nascerá o sol da justiça, e cura trará nas suas asas.” A fatídica profecia termina com a bendita e transcendental promessa: “Eis que eu vos enviarei o profeta Elias, antes que venha o grande e terrível dia do Senhor; E ele converterá o coração dos pais aos filhos, e o coração dos filhos a seus pais: para que eu não venha e fira a terra com maldição.” (Malaquias 4:1, 2, 5, 6). Sustentam teólogos e comentaristas bíblicos que esta predição se referia ao nascimento e ministério de João Batista (comparar com Mat. 11:14; 17–11; Marcos 9:11, Lucas 1:17), sobre quem estava o espírito e poder de Elias (Lucas 1:17). No entanto, não temos registro de haver Elias, o profeta, ministrado a João e, além disso, o ministério deste, embora glorioso, não justifica concluirmos que nele a profecia tivesse encontrado sua plena realização. Acresce-se a isso, devemos lembrar, que a declaração do Senhor através de Malaquias, relativa ao dia ardente em que os iníquos seriam destruídos como palha, espera ainda seu cumprimento. É evidente, portanto, que a interpretação comumente aceita é faltosa e que devemos esperar, para uma data posterior à do ministério de João, o cumprimento das palavras proféticas de Malaquias. Essa data posterior chegou; ela pertence à atual dispensação e marca o início de uma obra especialmente reservada para a Igreja nestes últimos dias. No curso de uma gloriosa manifestação a Joseph Smith e Oliver Cowdery, no templo de Kirtland, Ohio, a 3 de abril de 1836, apareceu-lhes Elias, o profeta de outrora, que foi retirado da terra quando ainda na carne. Ele lhes declarou: “Eis que é chegado plenamente o tempo proferido pela boca de Malaquias — testificando que ele, [Elias, (o profeta)] seria enviado, antes que viesse o grande e terrível dia do Senhor — para voltar o coração dos pais para os filhos e os filhos para os pais a fim de que a Terra toda não seja ferida com uma maldição.— Portanto as chaves desta dispensação são confiadas a vossas mãos; e assim sabereis que o grande e terrível dia do Senhor está perto, sim, às portas (D&C 110:13–16.) Ver também “A Casa do Senhor”, pp. 82-83.
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O Sinal da Pomba — “João Batista… teve o privilégio de contemplar o Espírito Santo descendo na forma de uma pomba, ou melhor, no sinal da pomba, em testemunho daquela ministração. O sinal da pomba foi instituído antes da criação do mundo, como testemunho do Espírito Santo, e o demônio não pode vir nesse sinal. O Espírito Santo é uma pessoa e existe na forma de uma pessoa. Ele não se confina à forma da pomba, mas ao sinal da pomba. O Espírito Santo não pode ser transformado numa pomba, mas tal sinal foi dado a João para atestar a veracidade do fato, sendo a pomba um símbolo ou sinal de verdade e inocência.” — De um sermão de Joseph Smith, “History of the Church”, vol. 5, pp. 260–261
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O Testemunho de João Batista. — Observe-se que o testemunho de João Batista quanto à divindade da missão de Cristo, é registrado como posterior ao período dos quarenta dias de jejum e tentação de nosso Senhor, datando, portanto, de aproximadamente seis semanas após o batismo de Jesus. À delegação de sacerdotes e levitas do grupo farisaico que o visitou por ordem de seus príncipes, provavelmente por designação do Sinédrio, João, após negar que fosse o Cristo ou qualquer dos profetas especificados no inquérito, disse: “No meio de vós está um a quem vós não conheceis; este é aquele que vem após mim, que foi antes de mim”. No dia seguinte e novamente no dia que se seguiu àquele, João prestou testemunho público de Jesus como o Cordeiro de Deus; e no terceiro dia após a visita dos sacerdotes e levitas a João, Jesus iniciou Sua jornada para a Galiléia (João 1:19–43).
O emprego feito por Ele da expressão “Cordeiro de Deus” implica em Seu conceito do Messias, como sendo o que foi designado para o sacrifício, e seu uso do termo é a primeira menção encontrada na Bíblia. Para posteriores aplicações bíblicas, diretas ou subentendidas, ver Atos 8:32, I Pedro 1:19: Apoc. 5:6, 8, 12, 13; 6:1, 16; 7:9, 10, 17; etc.
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“Vinde e vede”. — O espírito do convite de nosso Senhor aos jovens perquiridores da verdade, André e João, é manifesto num privilégio semelhante, estendido a todos. O homem que quiser conhecer Cristo deve vir a Ele, para ver e ouvir, para sentir e conhecer. Os missionários podem levar as boas novas, a mensagem do Evangelho, mas a aceitação deve ser individual. Estais em dúvida quanto ao que significa a mensagem hoje? Então vinde e vede por vós mesmos. Quereis saber onde o Cristo pode ser encontrado? Vinde e vede.
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O Pai Eterno, um Ser Ressurreto o Exaltado. — “Como o Pai tem poder em Si mesmo, assim tem o Filho poder em Si mesmo, para entregar Sua vida e tornar a tomá-la, e assim possuir Seu próprio corpo. O Filho faz o que viu fazer o Pai: portanto, o Pai um dia entregou Sua vida e retomou-A novamente; assim sendo, tem um corpo que é Seu; cada um estará em Seu próprio corpo.” — Joseph Smith; ver “History of the Church”, vol. 5 p. 426.
“O próprio Deus foi um dia como somos agora; e é um Homem exaltado e assenta-se, entronizado, nos altos céus! Este é o grande segredo. Se o véu se rompesse hoje, e o Grande Deus, que sustém este mundo em sua órbita e mantém todos os mundos e todas as coisas por Seu poder, se fizesse visível, — eu digo, se vos fosse possível vê-Lo hoje, haveríeis de vê-Lo sob a forma de um homem — como vós próprios, na pessoa, imagem e forma de um homem; pois Adão foi criado na própria forma, imagem e semelhança de Deus e recebeu instrução, caminhou e conversou com Ele, como um homem fala e comunica-se com outro.” — Joseph Smith, ver Compendium, p. 190.
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Vasos para Cerimonial de Purificação. — Na casa de Caná havia, em local especialmente reservado, seis talhas de pedra “para as purificações dos judeus.” Vasos de água eram providos como ordem estabelecida nos lares judeus, para facilitar as abluções cerimoniais requeridas pela lei. Dessas talhas ou vasos, a água era retirada segundo as necessidades: tratava-se de reservatórios para suprimento, não de vasilhas empregadas para as próprias abluções.
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“A Atitude da Ciência em Relação aos Milagres” é objeto de um valioso artigo pelo Prof. H. L. Orchard, publicado no “Journal of the Transactions of the Victoria Institute, or Philosophical Society of Great Britain”, 1910, vol. 42, pp. 8–122. Esse artigo recebeu um prêmio em 1909. Após um extenso tratamento analítico do assunto, o autor apresenta o seguinte resumo com o qual concordaram aqueles que participaram das discussões subseqüentes: “Nós aqui completamos nossa investigação científica dos Milagres Bíblicos. Ela abrangeu (1) a natureza do fenômeno; (2) as condições sob as quais alega-se tenha o mesmo ocorrido; (3), o caráter do testemunho quanto a sua ocorrência. À questão: — Foram prováveis os milagres bíblicos? a ciência responde afirmativamente. À pergunta posterior — Teriam realmente ocorrido? a resposta da ciência é novamente e de maneira muito enfática, afirmativa. Se os assemelharmos ao ouro, ela fez seus ensaios e declara que o ouro é puro. Ou podem os milagres bíblicos ser comparados a um fio de pérolas. Se a ciência procura saber se as pérolas são genuínas, pode aplicar testes químicos e de outra natureza ao exame de sua qualidade; ela pode pesquisar as condições e circunstâncias em que tais pérolas foram encontradas. Foram inicialmente achadas numa ostra ou em algum laboratório industrial? Ela pode também investigar o testemunho dos peritos. Se o resultado de qualquer destes testes firmar sua veracidade, a ciência demorará a declará-las “imitação”; se todos os resultados comprovarem sua autenticidade, a ciência terá dificuldade em acreditar que sejam artificiais. Este, como vimos, é o caso dos milagres bíblicos. A ciência afirma, portanto, a realidade de sua ocorrência.
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O Testemunho de Milagres. — A promessa do Salvador, nos dias antigos (Marcos 16:17–18) como na presente dispensação (D&C 84:65–73) é explícita, quanto ao fato de que dons específicos do Espírito seguirão o que crer, indicando assim o favor divino. A posse e exercício de tais dons pode ser tomada, então, como traço essencial da Igreja de Cristo. No entanto, não somos justificados em considerar a evidência de milagres como testemunho infalível de autoridade dos céus: por outro lado, as Escrituras fornecem prova abundante de que poderes espirituais de natureza inferior têm operado milagres e continuarão a fazê-lo, para enganar os muitos que não possuem discernimento. Se os milagres forem aceitos como evidência infalível de poder divino os magos do Egito, através das maravilhas que obraram em oposição ao plano ordenado de libertação de Israel, têm tanto direito a nosso respeito como o tem Moisés (Êxo. 7:11). João, o Revelador, viu em visão um poder iníquo operando milagres e, com isso, enganando a muitos, realizando grandes maravilhas e até trazendo fogo dos céus (Apoc. 13:11–18). E viu ele, novamente, três espíritos imundos, os quais sabia serem espíritos de demônios, obrando prodígios’ (Apoc. 16:13–14). Consideremos igualmente a profecia do Senhor: ‘Porque surgirão falsos “Cristos” e falsos profetas, e farão tão grandes sinais e prodígios, que, se possível fora, enganariam até os escolhidos’ (Mat. 24:24). A invalidade dos milagres, como prova de retidão, é indicada numa declaração de Jesus Cristo sobre os eventos do grande julgamento: ‘Muitos me dirão naquele dia: Senhor, Senhor, não profetizamos nós em teu nome? e em teu nome não expulsamos demônios? e em teu nome não fizemos muitas maravilhas? E então lhes direi abertamente: Nunca vos conheci: apartai-vos de mim, vós que praticais a iniqüidade’ (Mat. 7:22–23). Os judeus, a quem foram dados esses ensinamentos, sabiam que se podiam efetuar maravilhas por poderes malignos, pois acusaram Cristo de obrar milagres pela autoridade de Belzebu, príncipe dos demônios (Mat. 12:22–30; Marcos 3:22; Lucas 11:15). — De “Regras de Fê,” do mesmo autor, cap, 12.