Capítulo 7
Anunciacao De Joao E Jesus Por Gabriel
João, o Precursor
Relacionadas às profecias sobre o nascimento de Cristo, encontramos predições concernentes a um que haveria de precedê-Lo, preparando o Seu caminho. Não é de surpreender que a anunciação do advento imediato do precursor tenha sido rapidamente seguida pela do Messias; nem que as proclamações tenham sido feitas pelo mesmo embaixador celestial — Gabriel, enviado da presença de Deus.”
Cerca de quinze meses antes do nascimento do Salvador, Zacarias, sacerdote da ordem aarônica, estava oficiando em suas funções no templo em Jerusalém. Sua esposa, Isabel, era também de família sacerdotal, pertencendo à descendência de Aarão. O casal não havia sido abençoado com filhos, e na época a que nos referimos, estavam idosos, tendo perdido, com tristeza, a esperança de posteridade. Zacarias pertencia ao turno sacerdotal de Abias. Esta era a oitava entre as vinte e quatro ordens estabelecidas pelo rei Davi, as quais se revezavam cada semana para servir no santuário. Quando o povo retornou da Babilônia, apenas quatro desses turnos estavam representados, cada um com uma média de mais de mil e quatrocentos homens.
Durante sua semana de serviço, era requerido de cada sacerdote que mantivesse escrupulosa pureza cerimonial. Ele tinha que se abster de vinho e alimentos, exceto os especialmente prescritos; tinha que banhar-se freqüentemente; permanecia dentro dos recintos dotemplo, ficando, portanto, privado da associação familiar; não lhe era permitido aproximar-se dos mortos, nem prantear, segundo o costume estabelecido, se a morte lhe roubasse mesmo um de seus entes mais próximos e queridos. A seleção diária do sacerdote que devia entrar no Lugar Santo e queimar incenso no altar de ouro, era determinada por sorte; e por fontes históricas, não escriturísticas, sabemos também que, em virtude do grande número de sacerdotes, a honra de assim oficiar raramente cabia duas vezes à mesma pessoa.
Neste dia, a sorte caíra sobre Zacarias. Era uma ocasião muito solene na vida do humilde sacerdote judeu — este único dia de sua vida em que lhe era requerido o serviço especial e particularmente sagrado. Dentro do Lugar Santo, ele ficava separado apenas pelo véu do templo do Oráculo ou Lugar Santíssimo — o santuário interior no qual ninguém, senão o sumo sacerdote, podia entrar, e este apenas no dia da Expiação, depois de uma longa preparação cerimonial. O lugar e a ocasião provocavam os sentimentos mais nobres e reverentes. Ao ministrar Zacarias no Lugar Santo, o povo fora curvou- se em oração, esperando que aparecessem as nuvens da fumaça do incenso sobre a grande divisão que formava a barreira entre o lugar de assembléia geral e o Lugar Santo, e esperando a reaparição do sacerdote e o pronunciamento de sua bênção.
Nesse momento supremo de seu serviço sacerdotal, apareceu ante os olhos assombrados de Zacarias, à direita do altar do incenso, um anjo do Senhor. Haviam passado muitas gerações entre os judeus, desde que se manifestara, dentro do templo, uma presença visível não humana, tanto no Lugar Santo como no Santíssimo; o povo considerava as visitações pessoais de seres celestiais como ocorrências do passado; haviam chegado quase a crer que não havia mais profetas em Israel.
Não obstante, havia sempre um sentimento de ansiedade, semelhante a uma expectativa preocupada, cada vez que um sacerdote se aproximava do santuário interior, que era considerado a morada particular de Jeová, na esperança de que Ele condescendesse em visitar Seu povo. Em vista dessas condições, lemos sem surpresa que essa presença angélica perturbou Zacarias e causou-lhe medo. As palavras do visitante celestial, entretanto, foram confortadoras, e de importância surpreendente, apresentando a indiscutível afirmação de que suas orações tinham sido ouvidas, pois sua esposa geraria um filho, que deveria ser chamado João. A promessa foi ainda mais longe, especificando que a criança nascida de Isabel seria uma bênção para o povo; muitos se regozijariam com seu nascimento; ele seria grande aos olhos do Senhor e não deveria beber vinho nem bebidas fortes; seria cheio do Espírito Santo; através dele, muitas almas se voltariam para Deus, e precederia o Messias, preparando o povo para recebê-lo.
Zacarias indubitavelmente reconheceu, na predição do futuro da criança anunciada, o grande precursor sobre o qual haviam falado os profetas e cantado o salmista; mas que tal criatura fosse seu filho e de sua esposa já idosa, parecia-lhe impossível, a despeito da promessa do anjo. O homem duvidou e perguntou de que maneira poderia certificar-se da veracidade do que lhe estava dizendo o anjo: “E, respondendo o anjo, disse-lhe: Eu sou Gabriel, que assisto diante de Deus, e fui enviado a falar-te e dar-te estas alegres novas; E eis que, ficarás mudo, e não poderás falar até ao dia em que estas coisas aconteçam; porquanto não creste nas minhas palavras, que a seu tempo se hão de cumprir”. Quando o sacerdote grandemente abençoado, mas extremamente perturbado, finalmente saiu e se apresentou diante da congregação, que esperava ansiosa em virtude de sua demora, não pôde senão despedir sem palavras a assembléia e, através de sinais, indicar que havia tido uma visão. O castigo pela dúvida já se manifestava: Zacarias estava mudo.
No devido tempo, nasceu a criança, no interior montanhoso da Judéia, onde Zacarias e Isabel tinham o seu lar; e, no oitavo dia depois do nascimento, a família se reuniu de acordo com o costume e requisito mosaicos, para dar nome à criança, juntamente com o ritual da circuncisão. Zacarias ignorou todas as sugestões de que a criança recebesse o nome do pai, e escreveu de maneira decisiva e final: “Seu nome é João”. Nesse momento, soltou-se a língua do sacerdote mudo e, estando cheio do Espírito Santo, prorrompeu em profecia, louvor e canto; suas afirmações inspiradoras foram adaptadas à música e são cantadas em culto por muitas congregações cristãs como o Benedictus:
“Bendito o Senhor Deus de Israel, porque visitou e remiu o seu povo. E nos levantou uma salvação poderosa na casa de Davi seu servo. Como falou pela boca dos seus santos profetas desde o princípio do mundo; para nos livrar dos nossos inimigos e da mão de todos os que nos odeiam; para manifestar misericórdia a nossos pais, e lembrar-se da sua santa aliança, e do juramento que jurou a Abraão nosso pai, de conceder-nos que, libertados da mão de nossos inimigos, o serviríamos sem temor, em santidade e justiça perante ele, todos os dias da nossa vida. E tu, ó menino, serás chamado profeta do Altíssimo, porque hás de ir ante a face do Senhor, a preparar os seus caminhos; para dar ao seu povo conhecimento da salvação, na remissão dos seus pecados; pelas entranhas da misericórdia do nosso Deus, com que o oriente do alto nos visitou; para alumiar aos que estão assentados em trevas e na sombra de morte; a fim de dirigir os nossos pés pelo caminho da paz”
As últimas palavras pronunciadas por Zacarias, antes de ser atingido pela mudez, haviam sido de dúvida e descrença, palavras nas quais pedira um sinal como prova de autoridade de alguém que viera da presença do Todo-Poderoso; as palavras com as quais quebrou seu longo silêncio foram de louvor a Deus, em quem tinha toda confiança, palavras que foram como sinal para todos os que as ouviram, e sua fama espalhou-se por toda a região.
As circunstâncias incomuns do nascimento de João, notadamente os meses de mudez por que passou seu pai, e a repentina recuperação de sua fala, quando indicava o nome pré-designado para seu filho, fizeram com que muitos se maravilhassem e outros se enchessem de temor, perguntando: “Quem será pois este menino?” Quando homem, João ergueu sua voz no deserto, novamente em cumprimento da profecia, fazendo com que o povo perguntasse se ele não era o Messias. O único registro que temos de sua vida entre a infância e o início de seu ministério público, período esse de aproximadamente trinta anos, é a seguinte sentença: “E o menino crescia, e se robustecia em espírito. E esteve nos desertos até ao dia em que havia de mostrar-se a Israel.”
A Anunciação à Virgem
Seis meses após a visita de Gabriel a Zacarias e três meses antes do nascimento de João, o mesmo mensageiro celestial foi enviado a uma jovem de nome Maria, que morava em Nazaré, uma cidade da Galiléia. Era ela da linhagem de Davi, e como fosse solteira, estava prometida a um homem chamado José, que também era de descendência real através da linhagem de Davi. A saudação do anjo, honrando-a e abençoando-a, fez com que Maria se maravilhasse e se perturbasse. “Salve! agraciada; o Senhor é contigo: bendita és tu entre as mulheres”, assim saudou Gabriel a virgem.
Juntamente com outras filhas de Israel, especificamente aquelas da tribo de Judá, e as que sabiam ser descendentes de Davi, Maria indubitavelmente esperava, com alegria e êxtase sagrados, a vinda do Messias através da linhagem real; ela sabia que alguma donzela judia ainda se tornaria a mãe do Cristo. Seria possível que as palavras que lhe dirigia o anjo se relacionassem à esperança suprema de sua nação? Não teve muito tempo para meditar sobre essas coisas, pois o anjo continuou: “Maria, não temas, porque achaste graça diante de Deus; E eis que em teu ventre conceberás e darás à luz um filho, e pôr-lhe-ás o nome de Jesus. Este será grande, e será chamado filho do Altíssimo; e o Senhor Deus lhe dará o trono de Davi, seu pai; e reinará eternamente na casa de Jacó, e o seu reino não terá fim.”
Ainda assim, ela compreendeu apenas em parte a importância dessa visita solene. Não com o espírito de duvida que havia impelido Zacarias a pedir um sinal, mas com um desejo sincero de receber informações e explicações, Maria, consciente de sua situação de solteira e certa de sua condição de virgem, perguntou: “Como se fará isto, visto que não conheço homem algum?”
A resposta à sua pergunta natural e simples foi o anúncio de um milagre que o mundo jamais conhecera — não milagre no sentido de um acontecimento contrário à lei da natureza, mas um milagre realizado através da operação de uma lei maior, de natureza tal, que a mente humana comumente não compreende nem considera possível.
Maria foi informada de que iria conceber e, no devido tempo, ter um Filho, do qual nenhum mortal seria o pai: “E, respondendo o anjo, disse-lhe: Descerá sobre ti o Espírito Santo, e a virtude do Altíssimo te cobrirá com a sua sombra; por isso também o Santo, que de ti há de nascer, será chamado Filho de Deus.”
Então o anjo contou-lhe sobre a situação abençoada de sua prima Isabel, que havia sido estéril, e como explicação final, adicionou: “Porque para Deus nada é impossível.” Com gentil submissão e humilde anuência, a jovem virgem replicou: “Eis aqui a serva do Senhor; cumpra-se em mim segundo a tua palavra.”
Havendo transmitido a sua mensagem, Gabriel partiu, deixando a virgem escolhida de Nazaré a ponderar sobre sua maravilhosa experiência. O Filho prometido de Maria ia ser o “Unigénito” do Pai na carne, tal como havia sido positiva e abundantemente predito. É verdade que o acontecimento era inédito; é verdade que jamais encontrou paralelo; mas era tão essencial ao cumprimento da profecia que o nascimento virginal fosse único, quanto era indispensável a própria ocorrência do nascimento em si. Aquela criança que nasceria de Maria era gerada por Eloim, o Pai Eterno, não em violação da lei natural, mas de acordo com uma superior manifestação dela; e o filho dessa associação de santidade suprema — Paternidade celestial e maternidade pura, embora mortal — chamar-se-ia, por direito, “Filho do Altíssimo”. Em sua natureza, iriam combinar-se os poderes da Divindade com a aptidão e possibilidades do estado mortal; e isso através da operação comum da lei fundamental de hereditariedade, declarada por Deus, demonstrada pela ciência, e admitida pela filosofia — pela qual todos os seres se propagam segundo sua própria espécie. O menino Jesus deveria herdar os traços físicos, mentais e espirituais, tendências e poderes que caracterizavam seus pais, um deles imortal e glorificado — Deus, e o outro humano — mulher.
Jesus Cristo deveria nascer de mulher mortal, mas não era descendente direto de homem mortal, exceto através de Sua mãe, que era filha de homem e mulher mortais. Em nosso Senhor somente, foi cumprida a palavra de Deus com relação à queda de Adão, que a semente da mulher teria poder para sobrepujar Satanás, ferindo a cabeça da serpente.
Com respeito ao lugar, condição e ambiente em geral, a anunciação de Gabriel a Zacarias oferece grande contraste com a transmissão de sua mensagem a Maria. O precursor de Jesus foi anunciado a seu pai dentro do templo magnificente, e no lugar mais sagrado da Casa Santa, sob a luz do candelabro de ouro, e iluminado ainda perlas brasas sobre o altar de ouro; o Messias foi anunciado a Sua mãe em uma pequena cidade, longe da capital e do templo, muito provavelmente dentro das paredes de uma casa humilde da Galiléia.
A Visita de Maria a sua Prima Isabel
Era natural que Maria, ficando só com um segredo em sua alma, mais santo, maior e mais emocionante que qualquer outro jamais possuído antes ou depois, buscasse companhia, especialmente de alguém de seu próprio sexo, em quem pudesse confiar, de quem pudesse esperar conforto e apoio, e a quem não seria errado contar o que, naquela ocasião, não era provavelmente conhecido por qualquer mortal, exceto ela mesma. Na verdade, o visitante celestial havia sugerido isso quando mencionou sua prima Isabel, ela própria objeto de bênção incomum, e uma mulher através da qual outro milagre de Deus havia sido realizado. Maria partiu apressadamente de Nazaré para a montanhosa Judéia, numa viagem de cerca de cento e sessenta quilômetros, se é verídica a tradição de que o lar de Zacarias ficava no pequeno povoado de Judá. Houve alegria mútua no encontro entre Maria, a jovem virgem, e Isabel, já idosa. Pelo que seu esposo lhe havia comunicado das palavras de Gabriel, Isabel devia ter sabido que o próximo nascimento de seu filho seria logo seguido pelo do Messias, e que, portanto, o dia pelo qual Israel havia esperado e orado, através de longos e negros séculos, estava para chegar. Quando a saudação de Maria chegou a seus ouvidos, o Espírito Santo deu-lhe testemunho de que a mãe escolhida para o Senhor estava diante dela, na pessoa de sua prima; e ao experimentar aquela alegria física do movimento de sua própria concepção bendita, correspondeu à saudação de sua visitante com reverência: “Bendita és tu entre as mulheres, e bendito o fruto do teu ventre. E de onde me provém isto a mim, que venha visitar-me a mãe do meu Senhor?” Maria respondeu com o glorioso hino de louvor adotado no rito musical das igrejas como o Magnificat:
“A minha alma engrandece ao Senhor. E o meu espírito se alegra em Deus meu Salvador; porque atentou na baixeza de sua serva; pois eis que desde agora todas as gerações me chamarão bem-aventurada. Porque me fez grandes coisas o Poderoso; e santo é o seu nome. E a sua misericórdia é de geração em geração sobre os que o temem. Com o seu braço agiu valorosamente; dissipou os soberbos no pensamento de seus corações. Depôs dos tronos os poderosos, e elevou os humildes. Encheu de bens os famintos, e despediu vazios os ricos. Auxiliou a Israel, seu servo, recordando-se da sua misericórdia, (como falou a nossos pais), para com Abraão e sua posteridade, para sempre.”
Maria e José
A visita durou cerca de três meses, depois do que Maria voltóu a Nazaré. O embaraço real de sua situação teria que ser enfrentado agora. Na casa de sua prima, ela havia sido compreendida; seu estado servira para confirmar o testemunho de Zacarias e Isabel; mas, como seria sua palavra recebida em sua própria casa? E especialmente, como seria ela considerada por aquele com quem estava comprometida? Noivado, ou esponsal, naquela época, era até certo ponto tão comprometedor quanto o próprio voto de casamento, e só podia ser desfeito por uma cerimônia de separação semelhante ao divórcio; mais ainda, o esponsal não era senão um compromisso de matrimônio, e não matrimônio em si. Quando José cumprimentou sua noiva depois de três meses de ausência, angustiou-se profundamente com as indicações da perspectiva de sua maternidade. Pela lei judaica, havia duas maneiras de se anular um noivado — por julgamento público ou por acordo particular atestado por um documento escrito, assinado na presença de testemunhas. José era um homem justo, rigoroso observador da lei, embora não extremista severo; ademais, amava Maria e evitaria que ela sofresse qualquer humilhação desnecessária, por maior que fosse sua própria mágoa e sofrimento.Pelo bem da noiva, temia a idéia de publicidade; e, portanto, decidiu anular o esponsal tão secretamente quanto o permitia a lei. Ele estava perturbado e meditava sobre o seu dever na questão, quando “em sonho lhe apareceu um anjo do Senhor, dizendo: José, filho de Davi, não temas receber a Maria tua mulher, porque o que nela está gerado é do Espírito Santo; e dará à luz um filho e chamarás o seu nome Jesus; porque ele salvará o seu povo dos seus pecados.”
Grande foi o alívio de José; e grande sua alegria, quando compreendeu que a vinda do Messias, predita havia tanto tempo, estava próxima; as palavras dos profetas seriam cumpridas; uma virgem, para ele no mundo a mais querida, concebera, e no devido tempo, daria à luz aquele Filho abençoado, Emanuel, cujo nome significa: “Deus conosco”. A. saudação do anjo foi significativa; “José, filho de Davi”, foi a forma de tratamento; o uso do título real deve ter significado para José que, embora fosse de linhagem real, o casamento com Maria não lançaria qualquer sombra sobre a posição de sua família. José não esperou; a fim de dar a Maria toda a proteção possível e estabelecer seu direito legal como seu guardião legítimo, apressou a realização do casamento, e “fez como o anjo do Senhor lhe ordenara, e recebeu a sua mulher; e não a conheceu até que deu à luz seu filho, o primogênito; e pôs-lhe por nome Jesus.”
A esperança nacional de um Messias, baseada em promessa e profecia, havia-se tornado confusa na mente dos judeus, através da influência do rabinismo com suas inúmeras excentricidades e sua “particular interpretação” que tinha aparência de autoridade, em virtude do prestígio artificialmente mantido por seus expositores. Mas, ainda assim, algumas condições haviam sido acentuadas como essenciais, mesmo pelos rabis, pelas quais seriam julgadas as pretensões de qualquer judeu que declarasse ser Aquele que há tanto tempo esperavam. Estava fora de dúvida o fato de que o Messias nasceria na tribo de Judá, através da linhagem de Davi. E, sendo ele de Davi, seria forçosamente da linhagem de Abraão, através de cuja posteridade, de acordo com o convênio, todas as nações da Terra seriam abençoadas.
Encontram-se em o Novo Testamento dois registros genealógicos que declaram dar a linhagem de Jesus: um, no primeiro capítulo de Mateus, o outro, no terceiro capítulo de Lucas. Esses registros apresentam várias discrepâncias aparentes, mas que foram satisfatoriamente reconciliadas pelas pesquisas de especialistas da genealogia judaica. Não será feita aqui nenhuma análise detalhada do assunto; entretanto, deve-se lembrar que a opinião geral dos investigadores é que o relato de Mateus apresenta a linhagem real, estabelecendo a ordem de seqüência entre os sucessores legais do trono de Davi, enquanto o de Lucas dá uma genealogia pessoal, demonstrando a descendência de Davi, sem prender-se à linha de sucessão legal ao trono, através de primogenitura ou parentesco próximo. O registro de Lucas é considerado por muitos, entretanto, como a linhagem de Maria, enquanto o de Mateus é aceito como sendo o de José. O fato importante a ser lembrado é que o Menino prometido por Gabriel à virgem noiva de José, nasceria de linhagem real. A genealogia pessoal de José era essencialmente a mesma de Maria, pois eram primos. José é chamado filho de Jacó por Mateus, e filho de Heli por Lucas; porém, Jacó e Heli eram irmãos e parece que um dos dois era pai de José e o outro pai de Maria e, portanto, sogro de José. Que Maria descendia de Davi, é estabelecido claramente em muitas Escrituras, pois, sendo que Jesus nasceria de Maria, e que não tinha sido gerado por José, o qual, entretanto, era tido como pai, e que, segundo as leis judaicas era o pai legal, o sangue da posteridade de Davi passou ao corpo de Jesus através apenas de Maria. Nosso Senhor, repetidamente chamado de Filho de Davi, nunca repudiou o título,mas aceitou-o como corretamente aplicado. O testemunho apostólico atesta a herança real de Cristo através da linhagem terrena, como o demonstra a afirmação de Paulo, o erudito fariseu: “Acerca de seu Filho, que nasceu da descendência de Davi segundo a carne”; e, novamente: “Lembra-te de que Jesus Cristo, que é da descendência de Davi, ressuscitou dos mortos.”
Em todas as perseguições movidas por seus implacáveis inimigos, em todas as falsas acusações que lhe foram imputadas, inclusive naquelas específicas de sacrilégio e blasfêmia, baseadas no reconhecimento de Seu messianismo, não encontramos a menor insinuação de que Ele não podia ser o Cristo por inelegibilidade de linhagem. A genealogia era assiduamente cuidada pelos judeus antes, durante e depois do tempo de Cristo; na verdade, a sua história nacional era constituída, em grande parte, de registros genealógicos; e qualquer possibilidade de negar o Cristo por inexistência de provas quanto à Sua descendência, teria sido utilizada ao máximo pelos fariseus insistentes, escribas letrados, rabis altivos e aristocráticos saduceus.
No tempo do nascimento do Salvador, Israel era governada por monarcas estrangeiros. Os direitos da família real de Davi não eram reconhecidos, e o legislador dos judeus era indicado por Roma. Fosse Judá uma nação livre e independente, governada pelo soberano legal, José, o carpinteiro, teria sido coroado rei; e o sucessor legal ao trono seria então Jesus de Nazaré, rei dos judeus.
A anunciação de Gabriel a Maria foi a do Filho de Davi, em cuja vinda residia a esperança de Israel como sobre alicerce seguro. O Ser, assim anunciado, era Emanuel, o próprio Deus que haveria de habitar na carne com Seu povo, o Redentor do mundo, Jesus, o Cristo.
Notas do Capítulo 7
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João Batista, considerado nazireu— As instruções do anjo Gabriel a Zacarias sobre seu filho prometido, João, o qual não deveria “beber vinho ou bebida forte”, e a vida adulta de João como habitante do deserto, aliada ao hábito que tinha de usar roupas rústicas, têm levado comentaristas e especialistas bíblicos a supor ter ele sido nazireu durante toda a sua vida.
Deve ser lembrado, entretanto, que em nenhum lugar das escrituras João Batista é chamado explicitamente de nazireu. Um nazireu, ‘que significa consagrado ou separado, era aquele que, por voto pessoal ou feito por ele por seus pais, era designado para alguma obra especial ou tipo de vida que incluísse abnegação. (Ver pág. 67.) O Comparative Dictionary ofthe Bible, de Smith, diz: “No Pentateuco, não há menção de nazireus por toda a vida, mas são dadas as regulamentações para o voto de um nazireu temporário.” (Números 6:1—2)
“Durante o termo de sua consagração, o nazireu era obrigado a se abster de vinho, uvas e qualquer produto da vinha, assim como de qualquer bebida intoxicante. Era proibido de cortar os cabelos de sua cabeça ou de se aproximar de qualquer corpo morto, mesmo que fosse o de seu parente mais próximo.” O único exemplo de nazireado por toda a vida, indicado nas Escrituras, é o de Sansão, de cuja mãe foi requerido que se pusesse sob as observâncias nazirenas antes de seu nascimento, e o menino deveria ser um nazireu de Deus, desde seu nascimento (Juízes 13:3—7, 14). Pela rigidez de sua vida, deve-se dar crédito a João Batista por toda a disciplina pessoal requerida dos nazireus, estivesse ele sob voto voluntário ou de seus pais, ou mesmo que não existisse qualquer voto.
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A circuncisão . — A circuncisão, embora não exclusivamente uma prática hebraica ou israelita, tornou-se um requisito indispensável pelas revelações de Deus a Abraão, como sinal de convênio entre Jeová e o patriarca. (Gen. 17:9–14). Este convênio incluía o estabelecimento da posteridade de Abraão como uma grande nação, e estipulava que, através de sua descendência, todas as nações da Terra seriam abençoadas (Gên. 22:18) — uma promessa que significava que o Messias deveria nascer através dessa linhagem. A circuncisão era uma condição obrigatória; e sua prática, portanto, tornou-se uma característica nacional. Todo varão deveria ser circuncidado oito dias após o nascimento. (Gên. 17:12; Lev. 12:3) O requisito com referência à idade era tão rigoroso, que o rito deveria ser realizado, mesmo que o oitavo dia fosse sábado. (João 7:22, 23) Todos os escravos do sexo masculino tinham que ser circuncidados (Gên. 17:12, 13), e mesmo os estrangeiros que residissem temporariamente com os hebreus e desejassem participar da Páscoa com eles, tinham que se submeter a esse requisito. (Êxo. 12:48) A citação a seguir foi extraída do Standard Bible Dictionary. “A cerimônia indicava o repúdio às impurezas como preparação para participar dos privilégios de que gozavam os que pertenciam a Israel. Em o Novo Testamento, onde a ênfase do aspecto exterior e formal das coisas é transferida para seu lado interior e espiritual, primeiramente foi declarado desnecessário que os gentios convertidos ao evangelho fossem circuncidados (Atos 15:28) e, mais tarde, esse rito foi abandonado mesmo pelos próprios judeus cristãos.” Tornou-se costumeiro dar nome à criança no dia de sua circuncisão, como aconteceu, por exemplo, no caso de João, filho de Zacarias. (Lucas 1:59)
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O mal que atingiu Zacarias. — O sinal solicitado por Zacarias foi assim dado pelo anjo: “E eis que ficarás mudo, e não poderás falar até ao dia em que estas coisas aconteçam; porquanto não creste nas minhas palavras, que a seu tempo se hão de cumprir.” (Lucas 1:20) Pelo que relatam as Escrituras sobre a ocasião em que o menino João foi circuncidado e recebeu o nome, é inferido por alguns que seu pai Zacarias estava também surdo, pois os presentes lhe perguntaram “por sinais” como desejava que se chamasse o filho (versículo 62).
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Os esponsais judeus — O voto de esponsal ou noivado sempre foi considerado sagrado e comprometedor pela lei judaica. De certa forma era tão válido quanto a própria cerimônia do casamento, embora não levasse consigo nenhum dos direitos do casamento. As sucintas afirmações, a seguir, são tiradas do Livro Life and Words of Christ, de Geikie, vol. 1, pág. 99: “Entre os judeus do tempo de Maria, era mais que um compromisso (mais tarde foi amenizado). O contrato de casamento era feito formalmente, com comemorações na casa da noiva, sob uma tenda ou coberta levantada com esse propósito. Era conhecido como ato de “tornar sagrada uma vez que a noiva, desse momento em diante, era sagrada para seu marido no mais estrito sentido. Para torná-lo legal, o noivo dava à sua desposada uma moeda ou seu equivalente, diante de testemunhas, com as palavras: ‘Eis que tu a mim estás desposada’, ou um documento escrito no qual apareciam as mesmas palavras e o nome da noiva, e o mesmo lhe era entregue, igualmente, diante de testemunhas.”
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Genealogias de José e Maria — “É quase certo agora que as genealogias de ambos os Evangelhos são genealogias de José, as quais, se podemos confiar nas tradições sobre sua consangüinidade, incluem genealogias de Maria também. A descendência davidiana de Maria está subentendida em Atos 2:30; 13:23; Rom. 1:3; Lucas 1:32, etc. Mateus dá a descendência legal de José, como herdeiro do trono de Davi, através da linhagem real de primogênitos; Lucas dá a descendência natural. Portanto, o pai verdadeiro de Salatiel era herdeiro da casa de Natan, mas Jaconias, que não teve filhos, (Jer. 22:30) era o último representante direto da linha real de primogênitos.
A omissão de alguns nomes obscuros e a distribuição simétrica em grupos de quatorze eram costumes judaicos. Não é exagero dizer que, depois das obras de Mill (On the Mythical Interpretation of the Gospel, págs. 147–217) e Lord A. C. Hervey (On the Genealogies of Our Lord, 1853), raras são as dificuldades que permanecem na reconciliação das divergências aparentes. E, assim, neste como em muitos outros exemplos, as grandes discrepâncias que parecem ser as mais irreconciliáveis e fatais para a precisão histórica dos quatro evangelistas, constituem, em uma investigação mais cuidadosa e paciente, provas adicionais de que eles não são apenas inteiramente independentes, mas também absolutamente dignos de confiança” — Farrar, Life of Christ, pág. 27, nota.
O autor do artigo “Genealogia de Jesus Cristo”, no Bible Dictionary, de Smith, diz: “O Novo Testamento dá-nos a genealogia de apenas uma pessoa, nosso Salvador (Mateus 1, Lucas 3)… As seguintes proposições explicam a verdadeira construção dessas genealogias (assim, Lo rd A. C. Hervey), 1. São ambas genealogias de José, isto é, de Jesus Cristo como filho admitido e legal de José e Maria. 2. A genealogia de Mateus é, como diz Grotius, a genealogia de José como sucessor legal ao trono de Davi. A de Lucas é a genealogia particular de José, exibindo seu nascimento real como filho de Davi, assim demonstrando por que era o herdeiro da coroa de Salomão. O simples fato de que um evangelista apresenta a genealogia, que continha os herdeiros sucessivos do trono de Davi e Salomão, enquanto o outro apresenta a linhagem paterna daquele que era o herdeiro, explica todas as anomalias das duas linhagens, suas concordâncias como também suas discrepâncias, além do motivo para a existência das duas. 3. Maria, a mãe de Jesus, era, provavelmente, filha de Jacó, e prima, em primeiro grau, de José, seu marido.”
Uma valiosa contribuição à literatura que trata deste assunto aparece no Journal of Transactions ofthe Victoria Institute, ou Philosophical Society ofGreat Britain, 1912, vol. 44, págs. 9-36, no artigo “As genealogias de nosso Senhor”, da Sra. A. S. Lewis, e sua discussão por vários eruditos de renomada capacidade. A autora, Sra. Lewis, é uma autoridade em manuscritos siríacos e uma das duas mulheres que, em 1892, descobriram na Biblioteca do Mosteiro de Santa Catarina, no Monte Sinai, o manuscrito palimpsesto dos quatro evangelhos. A distinguida autora afirma que o registro de Mateus atesta a linhagem real de José e que a genealogia apresentada em Lucas prova a descendência igualmente real de Maria. A Sra. Lewis diz que: “O palimpsesto do Sinai também nos conta que José e Maria foram a Belém para se alistar, porque eram ambos da casa e linhagem de Davi.”
O Cônego Girdlestone, discutindo o artigo, diz, realçando a condição de Maria como princesa de sangue real através da descendência de Davi: “Quando o anjo estava anunciando a Maria o nascimento do Menino Santo, disse: ‘O Senhor Deus lhe dará o trono de seu pai Davi’. Ora, se somente José, seu noivo, fosse descendente de Davi, Maria teria respondido: Ainda não sou casada com José’. Entretanto, ela respondeu simplesmente: ‘Não sou casada, o que sugere claramente — se eu fosse casada, uma vez que sou descendente de Davi, poderia dar meu sangue real a um filho, mas como posso ter um filho real, enquanto sou virgem?”
Depois de breve menção à lei judaica com referência à adoção, a qual dispõe (de acordo com o Código de Hamurabi, seção 188) que, se um homem ensina uma arte a seu filho adotivo, a este são confirmados, dessa maneira, todos os direitos de herança, complementa o Cônego Girdlestone: “Se a coroa de Davi fosse dada a seu sucessor nos dias de Herodes, teria sido colocada sobre a cabeça de José. E quem seria o sucessor legal de José? Jesus de Nazaré teria sido, então, o Rei dos Judeus, e o título colocado na cruz correspondia à verdade. Deus o havia levantado dentre a casa de Davi.”
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O santuário interno do Templo. — O Lugar Santíssimo no Templo de Herodes reteve a forma e dimensões do Oráculo do Templo de Salomão; era portanto, um cubo com vinte côvados de lado. Entre o mesmo e o Lugar Santo havia um véu duplo, de material finíssimo, primorosamente bordado. O véu exterior era aberto do lado norte e o interior do lado sul, de maneira que o sumo sacerdote, que entrava uma vez por ano, pudesse passar entre os véus, sem expor o Lugar Santíssimo. A câmara sagrada era vazia, exceto por uma grande pedra sobre a qual o sumo sacerdote borrifava o sangue do sacrifício no Dia da Expiação. Esta pedra ocupava o lugar da Arca e seu Propiciatório. Do lado de fora do véu, no Lugar Santo, ficava o altar de incenso, o candelabro de sete braços e a mesa de pães da proposição — “A Casa do Senhor”, pág. 59.