Capítulo 26
Ministério de Nosso Senhor na Peréia e na Judéia
Quando ou em que circunstâncias nosso Senhor partiu de Jerusalém depois da Festa dos Tabernáculos, no último outono de Sua vida terrena, não é mencionado. Os escritores dos evangelhos sinóticos registraram inúmeros discursos, parábolas e milagres, como incidentes de uma viagem em direção a Jerusalém, durante a qual Jesus, acompanhado pelos apóstolos, atravessou partes de Samaria e Peréia, e os limites da Judéia. Lemos sobre a presença de Cristo em Jerusalém na Festa da Dedicação,a cerca de dois a três meses depois da Festa dos. Tabernáculos, e é provável que alguns eventos a serem agora considerados tenham ocorrido durante esse intervalo.b Que Jesus partiu de Jerusalém logo após a Festa dos Tabernáculos, é certo. Se retornou à Galiléia, ou se foi somente à Peréia, possivelmente com um pequeno desvio até Samaria, não é afirmado de forma decisiva. Devotaremos nosso estudo, como o temos feito até aqui, especialmente às suas palavras e obras, como uma preocupação apenas secundária pelo local, data ou seqüência dos acontecimentos.
Ao aproximar-se o tempo previsto de ser traído e subseqüentemente crucificado, “manifestou o firme propósito de ir a Jerusalém”,c embora, como verificaremos, se tenha dirigido ao norte em duas ocasiões — uma vez quando Se retirou para a região de Betabara, e outra para Efraim.d
Sua Rejeição em Samariae
Jesus enviou mensageiros para anunciarem Sua chegada e prepararem Sua recepção. Em uma das vilas samaritanas foi-lhe recusada hospitalidade e audiência, “porque o seu aspecto era como de quem ia para Jerusalém”. O preconceito racial suplantara todos os deveres da hospitalidade. Esta repulsa contrasta desfavoravelmente com as circunstâncias de Sua visita anterior aos samaritanos, quando foi recebido com alegria e solicitado a ficar, mas, naquela ocasião, Ele estava viajando, não em direção a Jerusalém, mas para longe dela.f
O desrespeito demonstrado pelos samaritanos foi além do que os discípulos podiam suportar sem protesto. Tiago e João, os Filhos do Trovão, ficaram tão ofendidos, a ponto de desejarem vingança. Disseram eles: “Senhor, queres que digamos que desça fogo do céu e os consuma, como Elias também fez?”g Jesus repreendeu Seus servos impiedosos: “Vós não sabeis de que espírito sois. Porque o Filho do Homem não veio para destruir as almas dos homens, mas para salvá-las.” Repudiado nessa vila, o pequeno grupo dirigiu-se a outra, como os Doze haviam sido instruídos a fazer em circunstâncias semelhantes.h Esta foi apenas uma das impressionantes lições dadas aos apóstolos sobre tolerância, indulgência, caridade, paciência e resignação.
Lucas coloca em seguida o incidente dos três homens que desejavam tornar-se discípulos de Cristo. Um deles parece ter-se desencorajado diante da perspectiva das privações impostas pelo ministério; os outros queriam ser temporariamente dispensados do trabalho — um para assistir ao funeral de seu pai, o outro para que pudesse despedir-se de seus entes queridos. Esta, ou uma ocorrência semelhante, é registrada por Mateus, ligada a outra situação, e já foi tratada nestas páginas.i
Os Setenta Comissionados e Enviados
A suprema importância do ministério de nosso Senhor, e o curto tempo que Lhe restava na carne, exigiam mais trabalhadores missionários. Os Doze deveriam permanecer com Ele até o fim. Todos os momentos possíveis para instrução e treinamento tinham de ser utilizados no preparo para as grandes responsabilidades que recairiam sobre eles após a partida do Mestre. Como assistentes do ministério, Ele chamou e comissionou os Setenta, e imediatamente os enviou a pregar,j “de dois em dois, a todas as cidades e lugares aonde ele havia de ir”. A necessidade de seus serviços foi explicada na introdução ao impressionante comissionamento pelo qual foram instruídos sobre os deveres de seu chamado: “Grande é, em verdade, a seara, mas os obreiros são poucos; rogai pois ao Senhor da seara que mande ceifeiros para a sua seara.”k
Muitos assuntos sobre os quais os Doze tinham recebido instruções antes de sua viagem missionária foram agora repetidos aos Setenta. Disse-lhes Jesus que deveriam esperar tratamento inamistoso e mesmo hostil; seriam como ovelhas no meio de lobos. Deveriam viajar sem bolsa ou alforje, e assim precisariam depender das provisões feitas por Deus por meio daqueles com quem encontrassem. Como sua missão era urgente, não deveriam parar no caminho para fazer ou renovar amizades pessoais. Entrando em uma casa, invocariam a paz sobre a mesma; se a família merecesse a dádiva, a paz ficaria com ela, mas, caso contrário, os servos do Senhor sentiriam que seu pedido era nulo.l A qualquer família que os recebesse deveriam conferir bênçãos — curando os enfermos e proclamando que o reino de Deus havia chegado àquela casa. Não deviam ir de uma casa para outra procurando melhor entretenimento, nem deviam esperar ou desejar serem festejados, mas deviam aceitar o que lhes fosse oferecido, comendo o que se lhes apresentasse, compartilhando do alimento com a família. Se rejeitados em qualquer cidade, deviam partir dali, deixando entretanto seu testemunho solene de que a cidade havia rejeitado o reino de Deus, que fora levado às suas portas, e atestariam o fato sacudindo o pó de seus pés ao sair de 1à.m Nao lhes cabia pronunciar anátema ou maldição, mas o Senhor assegurou-lhes que tal cidade chamaria sobre si mesma um destino pior que o de Sodoma.nLembrou-lhes que eram Seus servos, e que, portanto, quem quer que os ouvisse ou que se recusasse a ouvi-los, seria julgado como se assim o tivesse feito a Ele próprio.
Não estavam proibidos, como o tinham sido os Doze, de entrar nas cidades samaritanas ou nas terras dos gentios. Esta diferença é compatível com a mudança de condições, pois agora o itinerário a ser seguido por Jesus O levaria a território não-judaico, onde Sua fama já se havia espalhado. Além disso, Seu plano incluía uma intensificação da propaganda do evangelho, que, no final, deveria alcançar todo o mundo. O rigoroso preconceito judeu contra os gentios em geral, e os samaritanos em particular, devia ser abandonado. E não poderia haver prova maior deste intento, do que enviar ministros autorizados a esses povos. Devemos ter em mente o caráter progressivo da obra do Senhor. A princípio, o campo de pregação do evangelho foi limitado à terra de Israel,o mas o início de seu crescimento deu-se durante a vida de Cristo, e foi expressamente ordenado aos apóstolos após Sua ressurreição.p Devidamente instruídos, os Setenta iniciaram sua obra.q
Ao mencionar a condenação que resultaria na recusa dos servos autorizados de Deus, nosso Senhor recordou-Se com tristeza das repulsas que havia sofrido, e das muitas almas impenitentes nas cidades onde realizara tão grandes obras. Com mágoa profunda, predisse as desgraças iminentes que cairiam sobre Corazim, Betsaida e Capernaum.r
Voltam os Setenta
Um tempo considerável pode ter passado — semanas ou possivelmente meses — entre a partida dos Setenta e o seu retorno. Não nos é dito quando ou onde se reuniram ao Mestre; mas isto sabemos — que a autoridade e o poder de Cristo haviam sido abundantemente manifestados no Seu ministério, e que eles se regozijaram com isso. “Senhor”, disseram, “pelo teu nome até os demônios se nos sujeitam.”s A este testemunho, seguiu-se a solene afirmação do Senhor: “Eu via Satanás, como raio cair do céu.” Isto foi dito em referência à expulsão do rebelde filho da manhã após sua derrota por Miguel e as hostes celestiais.t Elogiando os Setenta por sua fidelidade no trabalho, o Senhor prometeu-lhes maior poder, condicionado a uma fidelidade constante: “Eis que vos dou poder para pisar serpentes e escorpiões, e toda a força do inimigo, e nada vos fará dano algum.”u A promessa de que pisariam em serpentes e escorpiões incluía imunização contra as injúrias de criaturas venenosas que encontrassem no caminho do deverve força para prevalecer sobre os espíritos iníquos que servem ao demônio, o qual é, em outro lugar, expressamente chamado de serpente.w Não obstante a grandeza do poder e da autoridade assim conferidos, estes discípulos foram instruídos a não se rejubilarem por causa dos mesmos, e nem pelo fato de que os espíritos maus se lhes sujeitavam, mas antes porque eram aceitos pelo Senhor, e porque seus nomes estavam escritos no céu.x
A alegria justa de seus servos e a perspectiva da sua fidelidade fizeram com que Jesus Se rejubilasse. Essa felicidade encontrou sua expressão mais apropriada na prece, e assim Ele orou: “Graças te dou, ó Pai, Senhor do céu e da terra, que escondeste estas coisas aos sábios e inteligentes, e as revelaste às criancinhas; assim é, ó Pai, porque assim te aprouve.” Em comparação com os homens eruditos da época, como os rabis e escribas, cujo entendimento servia apenas para endurecer seu coração contra a verdade, esses servos devotados eram como crianças em humildade, confiança e fé. Tais crianças estavam e estão entre os nobres do reino. Como nas horas da mais negra angústia, nesse momento de alegria pela lealdade de Seus seguidores, também Jesus entrou em comunhão com o Pai, cuja vontade era Seu único propósito cumprir.
O júbilo de nosso Senhor nessa ocasião compara-se ao sentimento que experimentou quando Pedro expressou o fervor de sua alma: “Tu és o Cristo, o Filho do Deus vivo.” Em discurso solene, Jesus disse: “Tudo por meu Pai foi entregue; e ninguém conhece quem é o Filho, senão o Pai, nem quem é o Pai, senão o Filho, e aquele a quem o Filho o quiser revelar.” E daí em comunhão mais íntima com os discípulos, acrescentou: “Bem-aventurados os olhos que vêem o que vós vedes. Pois vos digo que muitos profetas e reis desejaram ver o que vós vedes, e não o viram; e ouvir o que ouvis, e não o ouviram.”
Quem É Meu Próximo?
Já verificamos que os fariseus e os de sua espécie se mantinham constantemente alertas para molestar e se possível desconcertar Jesus a respeito de assunto de lei e doutrina, e para provocá-Lo de maneira que fizesse algum pronunciamento ou ato público.y Talvez seja uma dessas tentativas que é registrada por Lucas imediatamente após seu relato sobre o retorno jubiloso dos Setenta,z pois ele nos diz que um “certo homem, intérprete da lei” de quem fala, fez uma pergunta para tentar Jesus. Considerando o motivo do inquiridor com toda a caridade possível, pois o sentido fundamental do verbo que aparece em nossa versáo da Bíblia como “tentar” é testar ou experimentar, e não necessária e unicamente atrair para o mal,a embora o elemento de engodo e armadilha seja sugerido, podemos deduzir que ele desejava testar o conhecimento e a sabedoria do famoso Mestre, provavelmente com o propósito de embaraçá-Lo. Com certeza seu propósito não era a busca sincera da verdade.
Este intérprete da lei, levantando-se entre o povo que se reunira ao redor de Jesus, perguntou: “Mestre, que bem farei para conseguir a vida eterna?”b Jesus respondeu com uma contraquestão, na qual insinuava claramente que, se este homem, que se declarava instruído na lei, tivesse lido e estudado apropriadamente, saberia, sem perguntar, o que precisava fazer. “Que está escrito na lei? Como lês?” O homem respondeu com um admirável resumo dos mandamentos: “Amarás ao Senhor teu Deus de todo o teu coração, e de toda a tua alma, e de todas as tuas forças, e de todo o teu entendimento, e ao teu próximo como a ti mesmo.”c A resposta foi aprovada. “Faze isto, e viverás”, disse Jesus. Estas simples palavras continham uma reprovação, como deve ter compreendido o intérprete da lei. Elas indicavam a diferença entre saber e realizar. Tendo assim falhado seu plano para confundir o Mestre, e provavelmente compreendendo que, como doutor da lei, não havia feito uma exibição muito meritória de sua erudição, perguntando algo tão simples, e respondendoo ele mesmo, mansamente tentou justificar-se com outra pergunta: “Quem é o meu próximo?” Nós podemos ser gratos à pergunta do homem, pois ela serviu para extrair do inexaurível estoque de sabedoria do Mestre, uma de Suas mais apreciadas parábolas.
A história é conhecida como a Parábola do Bom Samaritano. Eila:
“Descia um homem de Jerusalém para Jerico, e caiu nas mãos dos salteadores, os quais o despojaram e, espancando-o, se retiraram, deixando-o meio morto. E, ocasionalmente descia pelo mesmo caminho certo sacerdote; e, vendo-o, passou de largo. E de igual modo também um levita, chegando àquele lugar, e, vendo-o, passou de largo. Mas um samaritano, que ia de viagem, chegou ao pé dele, e, vendo-o, moveu-se de íntima compaixão; e, aproximando-se, atoulhe as feridas, deitando-lhes azeite e vinho; e, pondo-o sobre a sua cavalgadura, levou-o para uma estalagem, e cuidou dele; e partindo no outro dia, tirou dois dinheiros e deu-os ao hospedeiro, e disselhe: Cuida dele; e tudo o que de mais gastares eu to pagarei quando voltar.”
Então perguntou Jesus ao intérprete da lei: “Qual, pois, destes três te parece que foi o próximo daquele que caiu nas mãos dos salteadores? E ele disse: O que usou de misericórdia para com ele. Disse, pois, Jesus: Vai, e faze da mesma maneira.”d
Qualquer que fosse o motivo para a pergunta do homem — “Quem é o meu próximo?” — à parte o da autojustificação e do desejo de sair da melhor forma possível de uma situação embaraçosa, podemos imaginar que se baseasse no desejo de encontrar um limite para a aplicação da lei, além do qual ele não fosse obrigado a chegar. Se ele precisava amar o seu próximo como a si mesmo, desejava ter o menor número possível de vizinhos. Seu desejo pode ter sido, de certa forma, igual ao de Pedro quando, ansioso, perguntou quantas vezes deveria perdoar um irmão ofensor.e
A parábola com a qual nosso Senhor respondeu à pergunta do doutor da lei é interessante não somente como história, mas particularmente como conjunto de lições preciosas. Era, no seu conjunto, tão fiel às condições existentes que, como a história do semeador que saíra a semear, e outras parábolas preferidas pelo Senhor Jesus, pode ser considerada como história verdadeira, além de parábola. A estrada entre Jerusalém e Jerico estava sempre infestada de ladrões; na verdade, uma parte dela era chamada de Caminho Vermelho ou Trilha Sangrenta, em conseqüência das freqüentes atrocidades ali cometidas. Jerico era preeminente, como residência de sacerdotes e levitas. Um sacerdote que, em virtude de seu cargo, senão por qualquer outro motivo, deveria ter tido disposição e rapidez para aplicar misericórdia, viu o viajante ferido e passou de largo, pelo outro lado da estrada. Seguiu-se um levita; este parou para olhar, e também continuou o seu caminho. Eles deviam ter-se lembrado dos requisitos específicos da lei — se alguém visse um asno ou um boi caído no caminho não deveria esconder-se, mas sim ajudar o dono a erguer novamente o animal.f Se tal era o seu dever para com o animal de seu irmão, muito maior seria sua obrigação quando o próprio irmão estivesse em transe tão extremo.
Indubitavelmente, o sacerdote e o levita aliviaram suas consciências com grandes desculpas para a maneira desumana como se conduziram. Talvez estivessem com pressa, ou temessem que os ladrões retornassem, atacando-os também. É fácil encontrar desculpas; elas brotam com tanta facilidade e abundância quanto as ervas daninhas à beira do caminho. Quando o samaritano se aproximou e viu o triste estado em que se encontrava o homem ferido, não precisou de desculpas, pois não desejava nenhuma. Tendo aplicado os primeiros socorros conhecidos pela medicina da época, colocou o ferido sobre sua própria montaria, provavelmente uma mula ou um asno, e levou-o à estalagem mais próxima, onde tratou dele pessoalmente, providenciando para que continuassem a cuidar depois de sua partida. A diferença essencial entre o samaritano e os outros era que um possuía um coração compassivo, enquanto os outros eram egoístas e impiedosos. Embora não afirmado categoricamente, a vítima dos ladrões era, quase certamente, um judeu; o objetivo da parábola exige que seja assim. O fato de o homem misericordioso ser samaritano, mostrou que o povo chamado de herético e desprezado pelos judeus podia sobressair-se por suas boas obras. Para um judeu, somente os judeus eram seu próximo. Não se justifica que consideremos o sacerdote, o levita e o samaritano como protótipos de sua classe. Sem dúvida alguma existiam muitos judeus bondosos e caritativos, e muitos samaritanos sem piedade. Mas a liçáo do Mestre foi admiravelmente ilustrada pelos personagens da parábola, e as palavras usadas foram penetrantes em sua simplicidade e ensejo.
Marta e Mariag
Em uma de Suas visitas a Betânia, pequena cidade distante de Jerusalém cerca de duas milhas, Jesus foi recebido na casa onde moravam duas irmãs, Marta e Maria. Marta cuidava da casa, e assim, assumiu a responsabilidade pelo tratamento adequado ao distinto Hóspede. Enquanto uma se ocupava dos preparativos e “agitava-se de um lado para o outro ocupada em muitos serviços”, visando ao conforto e entretenimento de Jesus, Maria sentou-se aos pés do Mestre, ouvindo-O com reverente atenção. Marta impacientou-se, e aproximando-se, disse: “Senhor, não se te dá de que minha irmã me deixe servir só?” Ela estava falando com Jesus, mas na verdade dirigia-se a Maria. Perdera a calma naquele momento, preocupando-se com detalhes incidentais. É razoável presumir-se que Jesus tinha certa intimidade com a família, pois, do contrário, a boa mulher dificilmente apelaria para Ele em uma pequena questão doméstica. Jesus respondeu à sua queixa com palavras de acentuada ternura: “Marta, Marta, estás ansiosa e afadigada com muitas coisas. Mas uma só é necessária; e Maria escolheu a boa parte, a qual não lhe será tirada.”
Cristo não reprovou o desejo de Marta de cuidar bem da casa, como não aprovou uma possível negligência por parte de Maria. Devemos supor que Maria fora uma boa ajudante antes da chegada do Mestre; mas agora que Ele viera, preferia ficar com Ele. Tivesse ela sido culpada de negligência no seu dever, Jesus não teria elogiado o seu procedimento. Ele não deseja apenas refeições bem servidas ou conforto material, mas sim a companhia das irmãs e, acima de tudo, uma atenção receptiva ao que tinha a dizer; pois que tinha mais para dar do que elas jamais poderiam proporcionar-lhe. Jesus amava as duas irmãs, assim como seu irmão.h Ambas as mulheres eram devotadas a Jesus, e cada uma expressava-se a seu próprio modo. Marta era prática, preocupada com a assistência material; e, por natureza, hospitaleira e abnegada. Maria, contemplativa e mais inclinada espiritualmente, demonstrava devotamento através de sua companhia e apreciação.i
Por falta de atenção aos deveres domésticos, os pequenos toques que fazem ou destroem a paz familiar, muitas mulheres reduziram seus lares a uma casa sem conforto; e muitas outras eliminaram os elementos essenciais do lar com sua lida constante e teimosa, com a qual negam aos entes queridos a alegria de sua companhia amorosa. Serviço unilateral, não importa quão devotado, pode transformar-se em negligência. Existe um tempo para o trabalho dentro do lar, e ao ar livre. Em todas as famílias deve ser reservado tempo para cultivar a parte melhor, aquilo que é necessário — desenvolvimento espiritual verdadeiro.
“Pedi, e Dar-se-vos-á”j
“E aconteceu que, estando ele a orar num certo lugar, quando acabou, lhe disse um dos seus discípulos: “Senhor, ensina-nos a orar.” O exemplo de nosso Senhor e o espírito de oração manifestado em Sua vida diária, levaram os discípulos a pedirem instruções quanto à maneira de orar. Não existia na lei qualquer fórmula de oração particular, mas as autoridades judaicas haviam prescrito orações formais, e João Batista havia instruído seus seguidores quanto ao modo ou maneira de orar. Atendendo ao pedido dos discípulos, Jesus repetiu o epítome de comovente adoração e súplica a que chamamos de Pai Nosso. Ele já o dissera no Sermão da Montanha.k Nessa ocasião, o Senhor completou a prece, explicando ser necessária imperativamente a sinceridade e a persistência continuada na oração.
A lição foi ilustrada pela Parábola do Amigo Importuno:
“Disse-lhes também: Qual de vós terá um amigo e, se for procurá-lo à meia-noite, e lhe disser: Amigo, empresta-me três pães, pois que um amigo meu chegou a minha casa, vindo de caminho, e não tenho que apresentar-lhe; se ele, respondendo de dentro, disser: Não me importunes; já está a porta fechada, e os meus filhos estão comigo na cama; não posso levantar-me para tos dar; digo-vos que, ainda que se não levante a dar-lhos, por ser seu amigo, levantar-se-á, todavia, por causa da sua importunação, e lhe dará tudo o que houver mister.”
O homem a cuja casa um amigo viera ter à meia-noite, não podia deixar que seu hóspede, surpreendido pelo cair da noite e cansado, passasse fome; mas não havia pão na casa. Fez suas as necessidades do amigo, e foi bater à porta da casa de seu vizinho, como se pedisse para si mesmo. O vizinho relutou em deixar sua cama confortável e incomodar a própria família para atender a outra pessoa. Mas vendo que o homem que batia à sua porta era insistente, finalmente se levantou e lhe deu o que pedia, de forma a livrar-se dele e poder dormir em paz. O Mestre acrescentou, comentando e instruindo: “Pedi, e dar-se-vos-á: buscai, e achareis: batei, e abrir-se-vos-á.”
O homem hospitaleiro da parábola recusara-se a ser repelido, continuando a bater até que a porta se abriu; e, como resultado, recebeu o que queria, encontrou o que se propusera obter. A parábola é considerada por alguns como de difícil aplicação, uma vez que trata do egoísmo e do amor ao conforto existentes na natureza humana, e aparentemente usa isto para simbolizar a demora deliberada de Deus. A explicação, entretanto, é clara quando o contexto é devidamente considerado. A lição do Senhor foi que, se o homem, apesar de todo o seu egoísmo e falta de inclinação para dar, concede aquilo que seu vizinho, com bom propósito, pede e insiste em pedir, apesar de objeções e recusas temporárias, com absoluta certeza Deus concederá o que é persistentemente pedido com fé e com boa intenção. Não existe qualquer paralelo entre a recusa egoísta do homem e a espera prudente e benéfica de Deus. E preciso existir uma consciência da necessidade real da oração, e confiança genuína em Deus, para que ela surta efeito. E, com misericórdia, o Pai certas vezes atrasa a dádiva, para que o pedido seja mais fervoroso. Mas, nas palavras de Jesus: “Se vós, sendo maus, sabeis dar boas dádivas aos vossos filhos, quanto mais dará o Pai celestial o Espírito Santo àqueles que lho pedirem?”
Mais tarde, Jesus pronunciou outra parábola, cuja moral é tão semelhante à da história do visitante noturno, que sugere que a estudemos aqui. E conhecida como a Parábola do Juiz Iníquo, ou da Viúva Importuna:
“Havia numa cidade um certo juiz, que nem a Deus temia, nem respeitava o homem. Havia também naquela mesma cidade, uma certa viúva, que ia ter com ele, dizendo: Faze-me justiça contra o meu adversário. E por algum tempo não quis atendê-la; mas depois disse consigo: Ainda que não temo a Deus, nem respeito os homens, todavia, como esta viúva me molesta, hei de fazer-lhe justiça, para que enfim não volte, e me importune muito.l
O juiz tinha mau caráter; negou justiça à viúva, que não podia obter compensação através de nenhuma outra pessoa, mas foi levado a agir pelo desejo de escapar à importunação da mulher. Tenhamos o cuidado de não errar, comparando sua ação egoísta aos caminhos de Deus. Jesus não indicou que, como o juiz iníquo finalmente atendeu à súplica, Deus também sempre o fará. Mas mostrou que, se até mesmo um homem como este juiz, que “não temia a Deus nem respeitava o homem”, finalmente ouviu e atendeu a súplica da viúva, ninguém deve duvidar de que Deus, o Justo e Misericordioso, ouvirá e responderá. A obstinação do juiz, embora totalmente iníqua de sua parte, pode ter sido, no final, vantajosa para a viúva: Tivesse ela obtido compensação com facilidade, poderia ter-se tornado descuidada, e talvez um adversário pior do que o primeiro a tivesse oprimido. O propósito do Senhor, ao contar a parábola, é especificamente declarado: é “sobre o dever de orar sempre e nunca desfalecer”.m
Crítica aos Fariseus e Doutores da Leia
Surgiram novamente os comentários mais variados a respeito da fonte dos poderes sobre-humanos de nosso Senhor, quando de Seu ato misericordioso expelindo o demônio de um homem que, em virtude desse mal, era mudo. A velha teoria farisaica de que Ele expulsava demônios pelo poder de “Belzebu, o chefe dos demônios”, reavivou-se. Foi demonstrada a tolice absoluta de tal concepção, como já o fora em época anterior, à qual já demos nossa atenção.n A obscuridade espiritual na qual homens iníquos tateavam em busca de sinais, o desapontamento e a condenação que os esperam, e outros preceitos preciosos, foram elucidados por Jesus em discurso ulterior.o
Então, foi convidado a jantar na casa de certo fariseu. Outros fariseus, e também doutores da lei e escribas estavam presentes. Jesus, adrede, omitiu a cerimônia da lavagem das mãos, a qual foi observada escrupulosamente por todos os outros do grupo, antes de tomarem seus lugares à mesa. A omissão provocou um murmúrio desaprovador, se não uma crítica aberta. Jesus utilizou a ocasião para criticar agudamente a exterioridade farisaica, que comparou à lavagem externa de taças e travessas, cujo interior era deixado sujo. “Insensatos” disse ele, “quem fez o exterior não é o mesmo que fez o interior?” De outra maneira, podemos perguntar: Deus, que estabeleceu as regras exteriores da lei, não ordenou também os requisitos interiores e espirituais do evangelho? Respondendo a uma pergunta de um dos doutores da lei, Jesus incluiu-os em sua vigorosa reprovação. Os fariseus e escribas indignaram-se com a censura a que haviam sido submetidos, e “passaram a argíii-lo com veemência de muitos assuntos com o intuito de tirar das suas próprias palavras motivos para o acusar”. Como os pronunciamentos de nosso Senhor nessa ocasião aparecem também em Sua denúncia final ao farisaísmo, feita mais tarde no templo, deixaremos nossas considerações sobre o assunto para quando, seguindo a ordem, estudarmos essa notável ocorrência.p
Os Discípulos Admoestados e Encorajadosq
O interesse popular pelos movimentos do Senhor era grande nos lugares além do Jordão, como o fora na Galiléia. Lemos que Ele foi cercado por “muitos milhares de pessoas, de sorte que se atropelavam uns aos outros”. Dirigindo-se à multidão, e mais particularmente aos Seus discípulos, Jesus alertou-os sobre o fermento dos fariseus, que Ele caracterizava como hipocrisia.r A cena recente passada à mesa do fariseu deu um significado especial ao aviso. Alguns dos preceitos registrados quando de Seu ministério na Galiléia foram repetidos aqui, e dada ênfase especial à superioridade da alma sobre o corpo, e da vida eterna comparada à breve duração da existência mortal.
Um homem do grupo, concentrado em interesses egoístas e incapaz de enxergar além das questões materiais da vida, pediu: “Mestre, dize a meu irmão que reparta comigo a herança.” Jesus prontamente Se recusou a agir como mediador ou juiz na questão. “Homem, quem me pôs a mim por juiz ou repartidor entre vós?” foi a réplica do Mestre. A sabedoria de Sua recusa em emitir uma opinião é evidente. Como no caso da mulher culpada que lhe apresentaram para julgamento,s também neste caso, Ele Se absteve de interferir em assuntos de administração legal. Uma atitude diversa provavelmente O teria envolvido em polêmica inútil e poderia ter dado margem à acusação de que se estava arrogando as funções dos tribunais legalmente estabelecidos. O apelo do homem, entretanto, transformouse em fonte de valorosa instrução; o seu pedido a respeito da herança da família, levou Jesus a dizer: “Acautelai-vos e guardai-vos da avareza; porque a vida de qualquer não consiste na abundância do que possui.”
Esta admoestação e verdade profunda foi reforçada pela Parábola do Rico Insensato. Eis a história:
A herdade de um homem rico tinha produzido com abundância; e arrazoava ele entre si, dizendo: Que farei? Não tenho onde recolher os meus frutos. E disse: Farei isto, derrubarei os meus celeiros, e edificarei outros maiores, e ali recolherei todas as minhas novidades e os meus bens; e direi a minha alma: Alma, tens em depósito muitos bens para muitos anos: descansa, come, bebe, e folga. Mas Deus lhe disse: Louco! esta noite te pedirão a tua alma; e o que tens preparado, para quem será? Assim é aquele que para si ajunta tesouros e não é rico para com Deus.”t
A riqueza do homem havia sido acumulada com trabalho e privações; campos mal cultivados ou negligenciados não produzem em abundância. Ele não é representado como se estivesse de posse de uma riqueza que não lhe pertencia por direito. Os planos que fizera para cuidar apropriadamente de seus frutos e mercadorias não eram maus em si, embora ele pudesse ter concebido meios melhores para distribuir o excesso, como, por exemplo, em benefício dos necessitados. Seu pecado foi duplo: primeiro, considerou o grande estoque como meio para assegurar sua tranqüilidade pessoal e prazeres sensuais; segundo, em sua prosperidade material, não reconheceu a mão de Deus, e até contou os anos como se lhe pertencessem. No momento de júbilo egoísta, foi golpeado. Se a voz de Deus chegou até ele em forma de pressentimento alarmante de que sua morte estava próxima, ou através de um anjo, ou de qualquer outra forma, não somos informados. Mas a voz ditou sua sentença: “Louco, esta noite te pedirão a tua alma.u Ele usara o tempo que lhe fora dado, assim como suas forças físicas e mentais, para semear, ceifar e armazenar — tudo para si mesmo. E isto para quê? A quem pertenceria a riqueza, que ele comprometera a própria alma para ajuntar? Não fosse ele um tolo, teria compreendido, como o fez Salomão, a futilidade de acumular riquezas para que outro — e este talvez de caráter duvidoso — as possua.v
Voltando-se para os discípulos, Jesus repetiu algumas das gloriosas verdades que proclamara, quando, pregando na montanha,w apontara para os pássaros no ar, para os lírios e para a erva do campo, como exemplos do cuidado vigilante do Pai; aconselhou os ouvintes a buscarem o reino de Deus, e prometeu-lhes que, se o fizessem, todas as coisas necessárias lhes seriam adicionadas. “Não tomais, pequeno rebanho;” acrescentou em tom de preocupação afetuosa e paternal, “porque vosso Pai se agradou em dar-vos o seu reino.” Instou-os a armazenarem suas riquezas em recipientes que não envelhecem,x apropriados para o tesouro celestial, o qual, ao contrário dos bens do insensato homem rico, não é deixado para trás quando da convocação da alma. O homem cujo tesouro é da terra, perde-o todo quando morre; aquele cuja riqueza está nos céus, vai para o que lhe pertence, e a morte é apenas o portal para o seu tesouro.
Advertiu os apóstolos de que deveriam estar sempre prontos, esperando, como os servos esperam à noite com as luzes acesas, a volta do seu senhor. E, embora o dono da casa chegue quando lhe apraz, cedo ou tarde da noite, se, ao chegar, encontrar seus servos fiéis prontos para lhe abrirem imediatamente a porta, ele lhes concederá as honras merecidas. Assim deverá vir o Filho do Homem, talvez quando menos esperado. A uma pergunta de Pedro, quanto a ser “essa parábola” dirigida somente aos Doze ou a todos, Jesus não deu resposta direta. A resposta, entretanto, foi encontrada na continuação da alegoria que contrastava os servos fiéis e os iníquos.y “Qual é pois o mordomo fiel e prudente, a quem o senhor pôs sobre os seus servos para lhes dar a tempo a ração?” O mordomo fielé um bom símbolo dos apóstolos, individualmente ou em grupo. Como mordomos, foram encarregados de cuidar de outros servos, e da casa; e como lhes tinha dado mais que aos outros, deles mais seria exigido. E seriam totalmente responsáveis- por sua mordomia.
O Senhor, então, referiu-se expressivamente à Sua própria missão, e especialmente às terríveis experiências pelas quais em breve passaria, dizendo: “Tenho um batismo com o qual hei de ser batizado; e quanto me angustio até que o mesmo se realize.” Referiu-se novamente às lutas e dissensões que seguiriam a pregação do Seu evangelho, e estendeu-se sobre o significado dos eventos então correntes. Àqueles que, sempre prontos a interpretar os sinais dos tempos, permaneciam obstinadamente cegos aos importantes acontecimentos dos tempos, aplicou o cáustico epíteto — hipócritas!z
“Se Vos Nao Arrependerdes, Todos Igualmente Perecereis”a
Algumas das pessoas que estavam ouvindo o discurso de nosso Senhor, relataram-Lhe as circunstâncias de um trágico acontecimento ocorrido provavelmente pouco tempo antes, dentro das paredes do templo. Um certo número de galileus havia sido assassinado pelos soldados romanos, ao pé do altar, de forma que seu sangue se misturara ao das vítimas do sacrifício. É provável que a matança desses galileus tenha decorrido de alguma demonstração violenta da indignação judaica contra a autoridade romana, e que o procurador, Pilatos, a tenha interpretado como uma insurreição incipiente, que deveria ser pronta e eficazmente sufocada. Tais explosões não eram raras, e a torre ou fortaleza Antonia havia sido construída em tal posição, que de lá se controlava todo o templo, sendo ligada ao mesmo por um largo lance de escadas, de forma que os soldados tivessem pronto acesso ao local do templo, à primeira indicação de tumulto. O propósito dos informantes que levaram o fato ao conhecimento de Jesus não é mencionado, mas há uma possibilidade de que a sua referência áos sinais dos tempos tenha feito com que eles se lembrassem da tragédia, e de que desejassem especular qunto aos significados mais profundos da ocorrência. Alguns devem ter imaginado se o destino das vítimas galiléias havia sido um castigo merecido. De qualquer modo, foi a uma concepção nesta linha que Jesus dirigiu Sua resposta. Por meio de perguntas e respostas, asseguroulhes que aqueles que haviam sido assassinados não deviam ser considerados como pecadores maiores do que os outros galileus; “Não”, disse ele, “se não vos arrependerdes, todos de igual modo perecereis.”
Depois, referindo-Se por Sua própria iniciativa a outra catástrofe, citou o caso de dezoito pessoas que haviam sido mortas pela queda de uma torre em Siloé, e afirmou que elas não deviam ser consideradas como maiores pecadoras que outros habitantes de Jerusalém. “Mas”, reiterou ele, “se não vos arrependerdes, todos de igual modo perecereis.” Talvez alguns acreditassem que os homens sobre os quais caíra a torre haviam merecido sua sorte. Este pensamento é muito provável, se for correta a suposição aceita em geral, de que a calamidade se abateu sobre os homens enquanto trabalhavam para os romanos na construção do aqueduto, para cuja obra Pilatos usara o “corbã”, ou tesouro sagrado, dedicado ao templo por meio de voto.b
Não é prerrogativa do homem pronunciar-se sobre os propósitos e desígnios de Deus, nem julgar somente pelo raciocínio humano, que esta ou aquela pessoa foi atingida pela desgraça como resultado direto de algum pecado individual.c Entretanto, os homens sempre foram propensos a julgar dessa forma. Há muitos que possuem o mesmo espírito dos amigos de Jó, que consideraram sua culpa como certa por causa dos grandes infortúnios e sofrimentos por que passou.d Mesmo enquanto Jesus falava, a calamidade tenebrosa e medonha pendia sobre o templo, a cidade e a nação; e, a menos que o povo se arrependesse e aceitasse o Messias que se encontrava naquele momento entre eles, o decreto de destruição seria cumprido de forma terrível. Portanto, como disse Jesus, a não ser que o povo se arrependesse, pereceria. A necessidade imperativa de reforma foi ilustrada pela Parábola da Figueira Estéril.
“Um certo homem tinha uma figueira plantada na sua vinha, e foi procurar nela fruto, não o achando. E disse ao vinhateiro: Eis que há três anos venho procurar fruto nesta figueira, e não o acho; corta-a; por que ocupa ainda a terra inutilmente? E, respondendo ele, disse-lhe: Senhor, deixa-a este ano, até que eu a escave e a esterque; e se der fruto, ficará, e, se não, depois a mandarás cortar.”e
Na literatura judaica, especialmente no saber rabínico, a figueira é mencionada freqüentemente como um símbolo nacional. O aviso transmitido pela parábola é óbvio; o elemento de possível escape não é menos evidente. Se a figueira representa o povo do convênio, então o viticultor é o Filho de Deus, que, através de Seu ministério pessoal e cuidado solícito, intercede pela arvore estéril, na esperança de que ainda dê fruto. A parábola é de aplicação universal, mas no que se refere à “figueira” judaica da época, foi parte de uma terrível seqüência — João Batista avisara que o machado estava posto, e que cada árvore infrutífera seria abatida.f
A Mulher Que Foi Curada no Sábadog
Em certo sábado, Jesus estava ensinando na sinagoga, não sabemos de que local, embora provavelmente fosse em uma das cidades da Peréia. Encontrava-se presente uma mulher que, por dezoito anos, vinha sofrendo de uma enfermidade que lhe havia de tal forma contorcido e atrofiado os músculos, que seu corpo se curvara e ela não podia de maneira alguma endireitar-se. Jesus chamou-a para perto de Si, e sem esperar que Lhe fosse pedido, disse simplesmente: “Mulher, estás livre da tua enfermidade.” A seguir, impôs-lhe as mãos, o que nem sempre fazia em Suas curas. Ela foi imediatamente curada e ficou em pé, ereta; e, reconhecendo a fonte do poder pelo qual havia sido libertada de seus grilhões, glorificou a Deus em uma oração fervorosa de agradecimento. Sem dúvida alguma, muitos dos presentes se rejubilaram com ela. Mas houve um homem cuja alma se perturbou indignada — o chefe da sinagoga. Em vez de dirigir-se a Jesus, cujos poderes talvez temesse, expressou seus sentimentos ao povo, dizendo-lhes que havia seis dias nos quais o homem podia trabalhar, e que naqueles dias os que desejavam ser curados deveriam apresentar-se, mas não no sábado. A reprimenda foi ostensivamente dirigida ao povo, especialmente à mulher que recebera a bênção, mas, na realidade, foi contra Jesus, pois, se algum trabalho fora realizado no processo da cura, o mesmo havia sido feito por Ele, e não pela mulher ou pelos outros. Ao chefe da sinagoga dirigiu-se Jesus diretamente: “Hipócrita, no sábado não desprende da manjedoura cada um de vós o seu boi, ou jumento, e não o leva a beber? E não convinha soltar desta prisão, no dia de sábado, esta filha de Abraão, a qual há dezoito anos Satanás tinha presa?”
Pode-se deduzir que a doença da mulher era localizada mais profundamente do que nos músculos, pois Lucas, que era médico,h nos diz que ela tinha “um espírito de enfermidade”, e registra as significativas palavras do Senhor a respeito de Satanás tê-la prisioneira durante dezoito anos. Mas fosse qual fosse a sua doença — totalmente física ou em parte mental e espiritual — dela foi libertada. Novamente triunfou o Cristo; Seus adversários, envergonhados, calaramse, e os crentes se rejubilaram. A repreensão ao chefe da sinagoga foi seguida de um breve discurso, no qual Jesus transmitiu àquele grupo alguns dos ensinamentos antes proferidos na Galiléia; nestes, foram incluídas as parábolas do grão de mostarda e do fermento.i
Poucos ou Muitos Serão Salvos?j
Continuando Sua viagem para Jerusalém, Jesus ensinou em muitas cidades e vilas da Peréia. Sua chegada provavelmente fora anunciada pelos Setenta, enviados para preparar o povo para o Seu ministério. Um dos que se haviam impressionado com Suas doutrinas submeteu-Lhe esta pergunta: “Senhor, são poucos os que se salvam?” Jesus respondeu: “Porfiai por entrar pela porta estreita; porque eu vos digo que muitos procurarão entrar, e não poderão.”k O conselho foi ampliado para mostrar que a negligência ou protelação na obediência aos requisitos para a salvação poderá resultar em perder a alma. Quando a porta for fechada em julgamento, muitos baterão nela, e alguns dirão que conheciam o Senhor, tendo comido e bebido em Sua companhia, e tendo Ele ensinado em suas ruas; mas o Senhor dirá àqueles que não aceitaram a verdade, quando lhes foi oferecida: “Não sei de onde vós sois; apartai-vos de mim, vós todos os que praticais a iniqüidade.” Avisou o povo de que a linhagem israelita de forma alguma o salvaria, pois muitos que não pertenciam ao povo do convênio iriam crer e seriam salvos, enquanto os israelitas indignos seriam lançados fora.l Assim é que “há derradeiros que serão os primeiros; e primeiros há que serão os derradeiros”.
Jesus Avisado sobre os Desígnios de Herodesm
No dia do último discurso por nós considerado, alguns fariseus se dirigiram a Jesus com o seguinte aviso e conselho: “Sai, e retirate daqui, porque Herodes quer matar-te.”nAté aqui encontramos os fariseus hostilizando abertamente o Senhor, ou tramando secretamente contra Ele; e alguns comentaristas consideram este aviso como outra evidência da astúcia farisaica — possivelmente com o fim de livrar a província da presença de Cristo, ou de fazê-Lo seguir para Jerusalém, onde estaria novamente ao alcance do supremo tribunal. Nao devemos ser liberais e caridosos em nosso julgamento da intenção de terceiros? Sem dúvida, havia homens bons na fraternidade dos fariseus,o e aqueles que informaram o Cristo sobre a conspiração contra Sua vida, possivelmente foram impelidos por razões humanas, e podem até mesmo ter Sião crentes de coração. Que Herodes tinha planos para tirar a liberdade ou a vida de nosso Senhor parece muito provável pela resposta de Jesus. Ele recebeu a informação com toda a seriedade e Seu comentário, na ocasião, é um dos mais fortes pronunciamentos que fez contra um indivíduo. “Ide”, Ele disse, “e dizei àquela raposa: eis que eu expulso demônios e efetuo curas hoje e amanhã, e no terceiro dia sou consumado.” A menção de hoje, amanhã, e o terceiro dia foi um modo de expressar o presente, no qual o Senhor estava então agindo, o futuro imediato, no qual continuaria a administrar, uma vez que, como Ele sabia, ainda faltavam alguns meses para o dia de Sua morte, e o tempo em que Seu trabalho na Terra estaria terminado e Ele perfeito. Ele estabeleceu, sem qualquer dúvida, o fato de que não pretendia apressar Seus passos nem interromper Sua viagem ou cessar Suas obras por medo de Herodes Antipas, que, por sua astúcia e dissimulação, foi bem simbolizado como uma raposa matreira e assassina. Entretanto, era intenção de Cristo continuar, e logo, seguindo um curso normal, deixaria a Peréia que era parte do domínio de Herodes, e entraria na Judéia; e, no tempo previsto, faria Sua entrada final em Jerusalém, pois naquela cidade deveria realizar Seu sacrifício. “Não suceda”, disse Ele, “que morra um profeta fora de Jerusalém.”
A terrível realidade de que ele, o Cristo, seria assassinado na principal cidade de Israel, arrancou-Lhe a patética apóstrofe dirigida a Jerusalém, e que foi repetida quando, pela última vez, sua voz se fez ouvir dentro das paredes do templo.p
Notas do Capítulo 26
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O Ministério de Cristo Após Sua Retirada Final da Galiléia — João nos diz que, ao partir Jesus da Galiléia para Jerusalém, para assistir à Festa dos Tabernáculos, “subiu ele também não manifestamente, mas como em oculto.” (7:10) Parece improvável que as numerosas obras registradas pelos escritores sinópticos como aspectos do ministério de nosso Senhor, e que se estenderam da Galiléia para a Peréia, Samaria e partes da Judéia, possam ter sido realizadas naquela viagem especial e em oculto, na época da Festa dos Tabernáculos. A discrepância existente entre os escritores a respeito da seqüência dos eventos da vida de Cristo é grande. Uma comparação das “Harmonias”, publicadas nos mais preeminentes Estudos Bíblicos (ver, por ex., os “Helps” de Oxford e Bagster), exemplifica estas opiniões divergentes. A matéria contida nos ensinamentos de nosso Senhor mantém seu valor intrínseco independente de incidentes meramente circunstanciais. O seguinte excerto de Farrar (Life of Christ, cap. 42) ajudará o estudioso, que deverá lembrar-se, entretanto, que o mesmo é, declaradamente, apenas uma classificação experimental ou possível “É de conhecimento geral que uma seção inteira em São Lucas — de 9:51 a 18:30 — forma um episódio da narrativa evangélica, no qual muitos incidentes são registrados apenas por aquele evangelista, e no qual as poucas identificações de tempo e local apontam todas um progresso lento e solene da Galiléia até Jerusalém (9:51; 13:22; 17:11; 10:38). Após a Festa da Dedicação, nosso Senhor retirou-Se para a Peréia, permanecendo lá até ser chamado em conseqüência da morte de Lázaro (João 10:40, 42; 11:1—46); após a ressurreição (reavivamento) de Lázaro, dirigiu-Se apressadamente para Efraim (11:54); e não abandonou Seu retiro em Efraim até partir para Betânia, seis dias antes de Sua última Páscoa (12:1).
“Essa grande viagem, portanto, da Galiléia para Jerusalém, tão pródiga em acontecimentos, que provocaram algumas de Suas mais notáveis declarações, deve ter sido para a Festa dos Tabernáculos ou para a Festa da Dedicação. Podemos considerar conclusivo o fato de que não foi a primeira, não somente por outros motivos, mas decididamente porque aquela foi uma viagem rápida e secreta, e esta, eminentemente pública e lenta.
“Quase todos os pesquisadores parecem diferir, em grau maior ou menor, quanto à seqüência e cronologia exatas dos eventos que se seguem. Sem entrar em estudos minuciosos e cansativos, onde a certeza absoluta é impossível, narrarei esse período da vida de nosso Senhor na ordem que, após repetidos estudos dos evangelhos, me parece a mais provável, e em cujos detalhes separados vejo minhas conclusões confirmadas repetidamente pelas de outros pesquisadores independentes. E aqui apenas registrarei minha convicção de que —
1. O episódio de S. Lucas até 18:30, refere-se principalmente a uma só viagem, embora a unidade de assunto, ou outras causas, possam ter levado o escritor sagrado a introduzir em sua narrativa alguns acontecimentos ou afirmações que pertencem a uma época anterior ou posterior.
2. A ordem dos fatos narrados até mesmo por S. Lucas não é, e de forma alguma afirma ser, estritamente cronológica; de maneira que a colocação de qualquer evento na narrativa não indica, necessariamente, sua posição verdadeira na ordem de tempo.
3. Esta viagem é idêntica àquela parcialmente registrada em Mateus 18:1; 20:16; Marcos 10:1-31.
4. Como parece óbvio por evidência interna — os eventos narrados em Mat. 20:17-28; Marcos 10:32-45; Lucas 18:31-34, não pertencem a esta viagem, mas à última feita por Jesus, ou seja, a viagem de Efraim a Betânia e Jerusalém.
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Jesus na Casa em Betânia. — Alguns escritores (p. ex. Edersheim) colocam este incidente como tendo ocorrido durante a viagem de nosso Senhor a Jerusalém para assistir à Festa dos Tabernáculos; outros (como Geikie) supõem que isso aconteceu imediatamente após a Festa; outros ainda (Farrar, p. ex.) situam-no na noite da Festa da Dedicação, quase três meses mais tarde. No texto, sua colocação é aquela que aparece no registro escriturístico.
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Apenas Poucos Serão Salvos? — Por revelação dada nos últimos dias, sabemos que condições de graus diversos nos esperam no futuro, e que, acima da salvação, se encontram as altas glórias da exaltação. Os reinos ou glórias específicos dos redimidos, com exceção dos filhos de perdição, são o Celeste, o Terrestre e o Teleste. Aqueles que obtêm lugar no Teleste, o mais baixo dos três, são mostrados como sendo “inumeráveis como as estrelas do firmamento do céu, ou como a areia da praia”. E estes não serão iguais. “Pois eles serão julgados de acordo com as suas obras, e cada homem receberá de acordo com as suas próprias obras, seu próprio domínio, nas mansões que estão preparadas; e serão servos do Altíssimo; mas onde Deus e Cristo habitam não poderão vir para todo o sempre.” Ver D&C. 76:109-111, 112; ler a seção inteira; ver também Regras de Fé, cap. 22, e página 581 deste livro.