Capítulo 19
“E De Muitas Coisas Lhes Falou por Parábolas”
Durante o período do ministério de Cristo, do qual tratamos até aqui, Sua fama aumentou continuamente, por causa da autoridade com que se expressava e das muitas obras poderosas que realizou. Sua popularidade era tal, que, para onde quer que Se dirigisse, grandes multidões O seguiam. Em certas ocasiões, o povo tanto se comprimia ao redor, que impedia os Seus movimentos, alguns pelo desejo de ouvir mais sobre a nova doutrina e outros suplicando alívio para suas enfermidades e tribulações; e havia muitos que acreditavam que, apenas tocando a fímbria de Seu manto, ficariam curados.a A ânsia do povo, que o levava a aglomerar-se ao Seu redor, muitas vezes tornava difícil, senão impossível, que Ele pronunciasse qualquer discurso de maneira eficaz. Geralmente utilizava a praia para Seus ensinamentos ao ar livre, quando nos arredores do mar, ou lago, da Galiléia; e lá se comprimiam as multidões para ouvi-Lo. A Seu pedido, os discípulos haviam arranjado um “barquinho”, que estava sempre pronto na praiab e era Seu costume sentar-Se no barco, a pequena distância da praia e pregar ao povo, como fizera nos primeiros tempos, quando chamara os pescadores escolhidos, dizendo-lhes que abandonassem suas redes e O seguissem.c
Em uma dessas ocasiões, Ele empregou um método de instrução que, até aquela época, não havia sido característico de Seus ensinamentos: foi o uso de parábolas,d ou histórias simples, para ilustrar Suas doutrinas. Algumas delas serão aqui consideradas brevemente, na ordem mais favorável ao estudo, e, tanto quanto sabemos, na seqüência em que, possivelmente, foram apresentadas.
“Eis que o Semeador saiu a semear”
Em primeiro lugar, na ordem de apresentação, encontramos a Parábola do Semeador. É um esplêndido exemplo das parábolas de Jesus, em geral, e particularmente preciosa pelo seu grande valor intrínseco, e porque possuímos uma interpretação completa pelo Seu Autor divino. Esta é a história:
“Eis que o semeador saiu a semear. E, quando semeava, uma parte da semente caiu ao pé do caminho, e vieram as avés, e comeram-na; e outra parte caiu em pedregais, onde não havia terra bastante, logo nasceu, porque não tinha terra funda. Mas, vindo o sol, queimou-se, e secou-se porque não tinha raiz. E outra caiu entre espinhos, e os espinhos cresceram, e sufocaram-na. E outra caiu em boa terra, e deu fruto: um a cem, outro a sessenta e outro a trinta. Quem tem ouvidos para ouvir, ouça.”e
Esta nova maneira de ensinar, este afastamento do antigo método de exposição doutrinária, usado pelo Senhor, fez com que mesmo os discípulos mais devotados se maravilhassem. Os Doze e alguns outros dirigiram-se a Jesus quando Ele estava longe da multidão, e perguntaram-Lhe por que havia falado ao povo daquela maneira, e qual o significado daquela parábola. A resposta de nosso Senhor à primeira parte da pergunta será considerada imediatamente. Sobre a outra parte, ele perguntou: “Não percebeis esta parábola? como pois entendereis todas as parábolas?”f Assim indicou Ele a simplicidade da primeira delas, juntamente com seu caráter típico e fundamental, insinuando que outras parábolas apareceriam no curso de Seu ministério. E deu, então, a explicação: “escutai vós, pois, a parábola do semeador. Ouvindo alguém a palavra do reino, e não a entendendo, vem o maligno, e arrebata o que foi semeado no seu coração; este é o que foi semeado ao pé do caminho. Porém o que foi semeado em pedregais é o que ouve a palavra, e logo a recebe com alegria; mas não tem raiz em si mesmo, antes é de pouca duração; e, chegada a angústia e a perseguição por causa da palavra, logo se ofende. E o que foi semeado entre espinhos é o que ouve a palavra, mas os cuidados deste mundo, e a sedução das riquezas, sufocam a palavra, e fica infrutífera. Mas o que foi semeado em boa terra é o que ouve e compreende a palavra; e dá fruto, e um produz cem, outro sessenta e outro trinta.”g
Uma explicação mais ampla poderá parecer supérfluo. Entretanto, algumas sugestões a respeito da aplicação individual das lições contidas na parábola poderão ser úteis. Observe que a imagem preeminente da história é a condição do solo — preparado ou não. A semente era a mesma, caísse em solo fértil ou estéril, em boa terra ou entre pedras e espinhos. O método primitivo de semeadura, ainda usado em diversos países, era o seguinte: o semeador atirava punhados de grão contra o vento, para que fossem bem espalhados. Os campos galileus eram cortados por trilhas pisadas por homens e animais. Embora caíssem sementes em tais trilhas, não poderiam crescer; pássaros apanhariam os grãos desarraigados e descobertos e os outros grãos seriam pisados e esmagados. Assim é com a semente da verdade que cai no coração endurecido — geralmente não cria raiz, e Satanás, como um corvo saqueador, rouba-a a menos que um grão, por acaso, caia numa fenda do solo árido, crie raiz, tendo então possibilidade de se desenvolver.
As sementes que caem em solo pouco profundo, tendo por baixo pedra ou terra dura, podem criar raízes e florescer por pouco tempo, mas, quando ás radículas alcançam a camada impenetrável, murcham, e a planta seca e morre, pois os elementos nutritivos são insuficientes em locais onde a terra não é profunda.h Assim como o homem cujo zelo é superficial, cuja energia cessa quando se defronta com obstáculos ou oposição. Embora ele manifeste entusiasmo durante certo tempo, a perseguição o desencoraja — ele se ofendei e não resiste. Os grãos semeados onde há muitos espinhos e cardos, logo morrem, sufocados pelo crescimento destes. Assim é com um coração humano, voltado para as riquezas e seduções dos prazeres: embora receba a semente viva do Evangelho, não produz boa colheita, mas sim um emaranhado de ervas daninhas. A produção abundante de espinhosos cardos demonstra a possibilidade que o solo teria de produzir uma colheita melhor, se não estivesse obstruído por tais ervas. A semente que cai em solo bom e profundo, livre de ervas daninhas e preparado para a sementeira, cria raízes e cresce; o calor do sol não a queima, mas antes lhe dá forças; ela amadurece e produz de acordo com a riqueza do solo, alguns campos dando trinta, outros sessenta, e alguns até cem vezes mais do que o que ali foi semeado.
Segundo as regras literárias, e os reconhecidos padrões de construção retórica, assim como pelo arranjo lógico de suas partes, esta parábola conquistou o primeiro lugar entre as produções de sua classe. Embora comumente conhecida como a Parábola do Semeador, a história poderia ser chamada, expressivamente, de Parábola das Quatro Espécies de Solo. É para o solo, sobre o qual a semente é lançada, que a história mais fortemente dirige nossa atenção, e que, de maneira tão apropriada, usa para simbolizar o coração abrandado ou endurecido, o terreno limpo ou infestado de espinhos. Observem-se os tipos de solo apresentados na ordem crescente de sua fertilidade: (1) a estrada compacta, a trilha à beira da estrada, na qual, a não ser por uma combinação de circunstâncias fortuitas, chegando praticamente ao milagre, nenhuma semente pode criar raízes ou crescer; (2) a fina camada de solo que cobre um impenetrável leito de rocha firme, onde a semente pode germinar, mas jamais amadurecer; (3) o campo coberto de ervas daninhas, capaz de produzir uma rica colheita, se não fosse pelos cardos e espinhos; e (4) a limpa e rica terra — receptiva e fértil. Mais ainda, mesmo os solos classificados de bons possuem diferentes graus de produtividade, rendendo trinta, sessenta e até cem vezes, com várias gradações intermediárias.
Alguns expositores bíblicos afirmaram encontrar nesta esplêndida parábola evidência de fatalismo decisivo na vida das pessoas, de forma que aqueles cujo estado espiritual é comparável à terra endurecida ou ao terreno de beira de estrada, ao solo superficial que cobre a pedra compacta, ou à trilha cheia de espinhos, são desesperançada e irremediavelmente maus; ao passo que as almas que podem ser comparadas ao solo bom estão seguras contra as depravações, e inevitavelmente, produzirão bons frutos. Não nos devemos esquecer de que a parábola é apenas um esboço, e não um quadro terminado em todos os seus detalhes; e a analogia expressa ou sugerida em ensinamentos parabólicos não pode lógica e consistentemente, ser levada além dos limites da história ilustrativa. Na parábola que estamos considerando, o Mestre retratou os vários graus de receptividade existentes entre os homens, e caracterizou com incisiva brevidade cada um dos graus especificados. Ele não disse ou sugeriu que a terra dura da beira da estrada não pode ser arada, aplanada, fertilizada, tornando-se assim produtiva, nem que a pedra que impedia o crescimento não poderia ser quebrada ou removida, ou que o solo bom não poderia ser aumentado, acrescentando-se mais terra; nem que os espinhos jamais teriam a possibilidade de ser arrancados, tornando-se o seu habitat adequado para o plantio. A parábola deve ser estudada no verdadeiro espírito de seu propósito; e não se justificam deduções ou ampliações forçadas. Uma poderosa metáfora, uma vigorosa analogia, uma expressiva figura de linguagem, são válidas somente quando racionalmente aplicadas; se levadas além dos limites razoáveis, a melhor delas pode perder seu significado ou mesmo tornar-se absurda.
O Trigo e o Joio
Outra parábola, de certa forma intimamente relacionada à anterior, no que se refere à história propriamente dita, tratando outra vez da semente e da semeadura, e, como a primeira, acompanhada de sua interpretação, foi assim relatada pelo Mestre:
“O reino dos céus é semelhante ao homem que semeia boa semente no seu campo; mas, dormindo os homens, veio o seu inimigo, e semeou o joio no meio do trigo, e retirou-se. E, quando a erva cresceu e frutificou, apareceu também o joio. E os servos do pai de família, indo ter com ele, disseram-lhe: Senhor, não semeaste tu no teu campo boa semente? Por que tem então joio? E ele lhes disse: Um inimigo é quem fez isso. E os servos lhe disseram: Queres pois que vamos arrancá-lo? Porém ele lhes disse: Não; para que ao colher o joio não arranqueis também o trigo com ele. Deixai crescer ambos juntos até à ceifa; e, por ocasião da ceifa, direi aos ceifeiros: Colhei primeiro o joio, e atai-o em molhos para o queimar; mas o trigo ajuntai-o no meu celeiro.”j
Quando Jesus se retirou para a casa onde estava hospedado, os discípulos dirigiram-se a Ele e pediram: “Explica-nos a parábola do joio do campo.”
“E ele, respondendo, disse-lhes: O que semeia a boa semente, é o Filho do Homem; o campo é o mundo; e a boa semente são os filhos do reino; e o joio são os filhos do maligno; o inimigo, que o semeou, é o diabo; e a ceifa é o fim do mundo: e os ceifeiros são os anjos. Assim como o joio é colhido e queimado no fogo, assim será na consumação deste mundo. Mandará o Filho do Homem os Seus anjos, e eles colherão do Seu reino tudo o que causa escândalo, e os que cometem iniqüidade. E lançá-los-ão na fornalha de fogo; ali haverá pranto e ranger de dentes. Então os justos resplandecerão como o sol, no reino de seu Pai. Quem tem ouvidos para ouvir, ouça.”k
Segundo a explicação do Autor, o semeador era Ele próprio, o Filho do Homem; e, como o trigo e o joio crescerão juntos até “o fim do mundo”, aqueles ordenados para continuar a obra do Seu ministério são também, por implicação direta, semeadores. A semente aqui representada não é, como na última parábola, o Evangelho, mas os filhos dos homens, sendo a boa semente os honestos de coração, os justos filhos do reino; e o joio, as almas que se entregaram ao mal, e que são contadas entre os filhos do maligno. Zelosos do lucro do seu Senhor, os servos teriam violentamente arrancado o joio, no que foram impedidos, pois tal atitude imprudente, embora bem intencionada, teria posto em perigo o trigo quando ainda novo, uma vez que, nos primeiros estágios de crescimento, é difícil distinguir o trigo do joio, e as raízes entrelaçadas teriam ocasionado a destruição de muitos dos preciosos grãos.
Existe uma lição fundamental na parábola — à parte a representação de condições reais, presentes e futuras — sobre a paciência, a resignação e a tolerância — virtudes essas que constituem atributos da Deidade e traços de caráter que todos os homens deveriam cultivar. O joio mencionado na história pode ser considerado como qualquer espécie de erva nociva, particularmente aquelas que, no início do crescimento, se assemelham a grãos sadios.l Semear ervas daninhas, em um campo onde já foi semeado cereal, é um tipo de abuso maligno cometido até mesmo nos dias de hoje.m A certeza de uma época para separação, quando o trigo será acumulado nos celeiros do Senhor, e o joio queimado, está além de qualquer dúvida, segundo a exposição do próprio Mestre.
Tão importante é a lição contida nesta parábola, e tão seguro é o cumprimento literal de suas predições, que o Senhor a explicou novamente por meio de revelação dada nos dias de hoje, quando sua aplicação é direta e imediata. Falando através do Profeta Joseph Smith, em 1832, Jesus Cristo disse:
“Mas eis que nos últimos dias, sim, agora, enquanto o Senhor está começando a trazer à luz a palavra e a haste está brotando e está ainda tenra – eis que em verdade vos digo: os anjos estão clamando ao Senhor dia e noite, pois estão prontos e esperando para ser enviados a ceifar os campos; diz-lhes, porém, o Senhor: não arranqueis o joio enquanto a folha estiver ainda tenra (pois em verdade vossa fé é fraca), para que não destruais também o trigo. Portanto deixai que o trigo e o joio cresçam juntos até que a colheita esteja completamente amadurecida; então colhereis primeiramente o trigo dentre o joio e, depois da colheita do trigo, eis que o joio será amarrado em feixes e o campo estará pronto para ser queimado.”n
A Semente Que Cresce Secretamente
Mateus registra a Parábola do Joio imediatamente após a do Semeador; Marcos coloca na mesma seqüência uma parábola encontrada somente nos seus escritos. Esta é apresentada em forma de esboço, e seria classificada por expositores críticos mais como simples analogia do que como parábola típica. Ei-la:
“E dizia: O reino de Deus é assim como se um homem lançasse semente à terra, e dormisse, e se levantasse de noite ou de dia, e a semente brotasse e crescesse, não sabendo ele como. Porque a terra por si mesma frutifica, primeiro a erva, depois a espiga, por último o grão cheio na espiga. E, quando já o fruto se mostra, mete-se-lhe logo a foice, porque está chegada a ceifa.”o
Não temos qualquer registro de que os discípulos tenham pedido ou de que o Mestre tenha dado qualquer interpretação desta ou de qualquer das parábolas posteriores.p Nesta história, encontramos uma ilustração eficaz do vigor da semente da verdade, embora os processos secretos de seu crescimento sejam um mistério para todos, com exceção somente do próprio Deus. Um homem que planta uma semente tem de deixá-la crescer por si. Ele pode cuidar do campo removendo ervas daninhas, protegendo as plantas da melhor maneira possível, mas o crescimento em si depende de condições e forças além do seu poder de controle. Embora Paulo tenha plantado e Apolos regado, ninguém a não ser Deus poderia ter garantido o crescimento.q A pessoa que semeia pode depois ocupar-se de seus outros afazeres, pois o campo não exige atenção continua ou exclusiva; não obstante, sob a influência do sol e da chuva, da brisa e do orvalho, a folha se desenvolve, depois a espiga, e, no tempo devido, o grão, em sua plenitude, na espiga. Quando o grão está maduro, o homem alegremente procede à sua colheita.
O semeador da história é o pregador autorizado da palavra de Deus. Ele planta a semente do Evangelho no coração dos homens, sem saber qual será o resultado. Passando a desempenhar mister semelhante ou outra obra, algures, cumprindo deveres que lhe foram designados em outros campos, ele, com fé e esperança, deixa nas mãos de Deus o resultado de sua plantação. Na colheita de almas convertidas por meio de seu trabalho, ele se enriquece e se regozija.r Esta parábola foi, provavelmente, dirigida mais particularmente aos apóstolos e aos discípulos mais devotados, e não às multidões em geral; é uma lição para mestres, para trabalhadores dos campos do Senhor, para os semeadores e ceifeiros escolhidos. Tem um valor perene, e é tão aplicável hoje quanto nos dias em que foi proferida. Que a semente seja plantada, mesmo que o semeador receba um chamado imediato para trabalhar em outros campos ou dedicar-se a outros deveres; na feliz colheita, ele encontrará sua recompensa.
O Grão de Mostarda
“Outra parábola lhes propôs, dizendo: O reino dos céus é semelhante ao grão de mostarda que o homem, pegando dele, semeou no seu campo; o qual é, realmente, a menor de todas as sementes; mas, crescendo, é a maior das plantas, e faz-se uma árvore, de sorte que vêm as aves do céu, e se aninham nos seus ramos.”s
A pequena história, dirigida à multidão reunida, deve ter feito com que muitos começassem a pensar, em conseqüência da simplicidade do incidente relatado, e da sua aplicação absolutamente nãojudaica. Segundo os ensinamentos dos mestres da época, o reino deveria ser grande e glorioso desde o seu início; iria ser introduzido pelo clamor de trombetas e marcha de exércitos, com o Rei Messias à frente; mas esse novo Mestre falava sobre o mesmo como tendo um início tão pequeno que podia ser comparado a um grão de mostarda. Para tornar a ilustração mais eficaz, Ele especificou que a semente mencionada era “a menor de todas as sementes”. Essa expressão superlativa foi usada em um sentido relativo, pois existiam e existem sementes menores que a mostarda, mesmo entre plantas de jardim, entre as quais foram citadas a arruda e a papoula. Mas essas plantas são muito pequenas quando alcançam a sua maturidade, enquanto a mostarda, bem cultivada, é uma das maiores entre as ervas comuns, apresentando forte contraste de crescimento entre a pequena semente e o arbusto desenvolvido.
Além disso, a comparação “pequeno como um grão de mostarda” era de uso corrente entre os judeus da época. A comparação empregada pelos judeus em outra ocasião evidencia esse fato, como quando ele disse: “Se tiverdes fé como um grão de mostarda (…) nada vos será impossível.”t A planta da mostarda atinge, na Palestina, um desenvolvimento maior do que na maioria dos climas do norte.u A lição da parábola é fácil de se perceber. A semente é uma entidade vivente. Quando plantada corretamente, absorve e assimila os elementos nutritivos do solo e da atmosfera, cresce, tornando-se capaz de prover abrigo e alimento para os pássaros. Da mesma forma, a semente da verdade é vital, viva, e capaz de se desenvolver de maneira a fornecer alimento e abrigo espiritual a todos que a procuram. Em ambas as concepções, a planta, em sua maturidade, produz semente em abundância, e assim, com um simples grão, um campo inteiro pode ser coberto.
O Fermento
“Outra parábola lhes disse: O reino dos céus é semelhante ao fermento, que uma mulher toma e introduz em três medidas de farinha, até que tudo esteja levedado.”v
São facilmente discerníveis os pontos de semelhança e de contraste, entre essa parábola e a última. Em ambas estão ilustradas a vitalidade e a capacidade de desenvolvimento inerentes, tão essencialmente características do reino de Deus. O grão de mostarda, entretanto, representa o efeito que causa, no crescimento vital, a aquisição exterior da substância de valor; enquanto o fermento espalha de dentro para fora a sua influência, por meio de toda a massa que, de outra forma, permaneceria dura e murcha. Cada um desses processos representa um meio pelo qual age o Espírito da Verdade. O fermento é, tanto quanto o grão de mostarda, um organismo vivo. Á medida que a microscópica planta do fermento se desenvolve e multiplica dentro da massa, suas milhares de células vivas impregnam a mesma, e cada partícula da massa levedada torna-se capaz de afetar da mesma forma outra porção de alimento devidamente preparado. O processo de fermentação, ou de fazer com que a massa “cresça”, pela fermentação da levedura nela colocada, é lento, e tão silencioso e aparentemente secreto quanto o da semente plantada que cresce sem a atenção ou preocupação do semeador.w
O Tesouro Escondido
“O reino dos céus é semelhante a um tesouro escondido num campo, que um homem achou e escondeu; e, pelo gozo dele, vai, vende tudo quanto tem, e compra aquele campo.”x
Esta parábola, e as duas que se seguem, foram registradas apenas por Mateus; e a sua colocação em sua narrativa indica que foram pronunciadas somente para os discípulos, no interior da casa, após a partida da multidão. A busca de um tesouro escondido é sempre fascinante. Não era incomum na época encontrarem-se objetos de valor enterrados, pois o costume de esconder tesouros era habitual, uma vez que o povo estava sujeito a incursões de bandidos e a invasões hostis. Observe-se que o homem afortunado e feliz é apresentado encontrando o tesouro aparentemente por acaso e não como resultado de busca diligente. Alegremente vendeu tudo que possuía, para poder comprar o campo. O tesouro escondido é o reino dos céus. Quando um homem o encontra, deve estar pronto para sacrificar tudo o que possui, se, fazendo-o, entrar na posse do reino. A felicidade que lhe trará a nova aquisição é ilimitada, e, se ele permanecer digno, tais riquezas serão suas depois da morte.y
Os casuístas ergueram uma dúvida quanto à correção da atitude do homem da história, uma vez que ocultou o fato de sua descoberta ao dono do campo a quem o tesouro, dizem eles, legitimamente pertencia. Seja qual for a opinião que tenham quanto à ética do procedimento do homem, seu ato não foi ilegal, uma vez que existia uma cláusula na lei judaica, estipulando que o comprador da terra se tornava proprietário legal de tudo que ela continha.z Certamente Jesus não recomendou qualquer conduta desonesta, e se a história não fosse provável em todos os seus detalhes, seu efeito como parábola teria sido perdido. O Mestre ensinou com essa ilustração que, quando o tesouro do reino é encontrado, aquele que o encontrou não deve perder tempo ou esquivar-se a qualquer sacrifício que seja necessário para assegurar a posse legal do mesmo.
A Pérola de Grande Valor
Outrossim o reino dos céus é semelhante ao homem, negociante, que busca boas pérolas; e, encontrando uma pérola de grande valor, foi, vendeu tudo quanto tinha, e comprou-a.a
As pérolas sempre ocuparam posição de destaque entre as jóias, e muito antes dos tempos de Cristo, bem como até hoje, os negociantes de pérolas ocupavam-se e têm-se ocupado diligentemente na busca da maior e mais valiosa de todas elas. Ao contrário do homem da última parábola, que encontrou um tesouro escondido como resultado de pouca ou nenhuma busca, o mercador desta história devotou todas as suas energias à busca de pérolas de qualidade superior, o que era o seu negócio. Quando finalmente contemplou a pérola superior a todas as outras, embora custasse, como por direito deveria custas, um preço altíssimo, ele alegremente vendeu todas as suas outras gemas. Na verdade, sacrificou “tudo quanto tinha” — jóias e outros bens — e comprou a pérola de grande valor. Aqueles que buscam a verdade podem adquirir muitas coisas boas e desejáveis, e não encontrar a maior de todas as verdades, aquela que os salvará. Mas se buscarem persistentemente e com boa intenção, e se estiverem realmente procurando pérolas e não imitações, encontrarão. Homens que através de buscas contínuas descobrem as verdades do reino dos céus, talvez tenham que abandonar muitas das tradições que lhes são caras e até mesmo teorias filosóficas imperfeitas e a “falsamente chamada ciência”b, se desejarem possuir a pérola de grande valor. Observe-se que nesta parábola, como na do tesouro escondido, o preço é tudo que a pessoa possuir. Nenhum homem pode tornar-se cidadão do reino por meio da rendição apenas parcial de seus compromissos anteriores. Ele deve renunciar a tudo o que seja estranho ao reino ou jamais fará parte dele. Se, de boa vontade, sacrificar tudo que tem, descobrirá que tem o suficiente. O preço do tesouro escondido, e da pérola, não é uma quantia fixa, igual para todos — é tudo que uma pessoa possui. Mesmo o mais pobre pode possuí-los eternamente — tudo o que ele tem é preço suficiente.
A Rede do Evangelho
Igualmente o reino dos céus é semelhante a uma rede lançada ao mar, e que apanha toda qualidade de peixes. E, estando cheia, a puxam para a praia; e, assentando-se, apanham para os cestos os bons; os ruins, porém, lançam fora. Assim será na consumação dos séculos: virão os anjos, e separarão os maus de entre os justos, e lançálos-ão na fornalha de fogo: ali haverá pranto e ranger de dentes. c
Homens de diversas espécies: bons e maus, de todas as nacionalidades e raças, são atingidos pelo Evangelho do reino. Os “pescadores de homens”d são habilidosos, ativos e completos em sua pesca. A escolha processa-se depois que a rede é levada para a praia. E, como os pescadores se livram dos maus peixes e guardam os bons, assim também os anjos que cumprem as ordens do Filho do Homem separam os justos dos iníquos, preservando uma espécie para a vida eterna, e entregando a outra à destruição. Esforços insensatos para levar a aplicação da parábola além da intenção do Autor, levantaram a crítica de que, bons ou maus, os peixes morrem. Os bons, entretanto, morrem sendo úteis, e os maus, completamente desperdiçados. Embora todos os homens morram, não morrem da mesma forma — alguns vão para descansar, e voltar na ressurreição dos justos; outros passam a um estado de sofrimento e inquietude, para, ansiosos e temerosos, esperarem a ressurreição dos iníquos.e É evidente a semelhança do emprego desta parábola e da parábola do joio, no que se refere à ênfase dada à separação dos justos e injustos, e ao terrível destino daqueles que serão condenados. Nota-se outro paralelo na transferência do julgamento até o “fim do mundo”, por cuja expressão podemos compreender a consumação da obra do Redentor, subseqüente ao Milênio, e a ressurreição final de todos aqueles que existiram na Terra.f
Após pronunciar essa parábola, a última do grupo registrado no capítulo 13 de Mateus, Jesus perguntou aos discípulos: “Entendestes todas estas coisas?” Eles responderam: “Sim.” Ele exortou-os a estarem prontos, como mestres bem treinados, a fim de suprir, do depósito de suas almas, tesouros de verdade tanto velhos quanto novos, para a edificação do mundo.g
O Propósito de Cristo no Uso de Parábolas
Como mencionado anteriormente, os Doze e outros discípulos surpreenderam-se diante da inovação do Senhor, quando começou a fazer uso de parábolas. Até essa ocasião, Suas doutrinas haviam sido declaradas com clareza meridiana, como testemunham os explícitos ensinamentos do Sermão da Montanha. Deve-se notar que a introdução de parábolas ocorreu quando a oposição a Jesus se tornou violenta, e quando escribas, fariseus e rabis estavam alerta, vigiando atentamente Seus movimentos e Suas obras, prontos para, por uma palavra, acusá-lo de ofensor. O uso de parábolas era comum entre os professores judeus e, adotando esse método de ensino, Jesus estava realmente seguindo um costume da época, embora não existisse comparação possível entre as Suas parábolas e as dos letrados, exceto a do mais pronunciado contraste.h
O Mestre explicou aos seguidores escolhidos e devotos que Lhe perguntaram por que mudara da exposição direta para as parábolasi, que, embora tivessem o privilégio de receber e compreender as verdades mais profundas do Evangelho, “os mistérios do reino dos céus”, como Ele disse, a mesma plenitude de compreensão era impossível ao povo em geral, que não era receptivo e não estava preparado. Aos discípulos, que já haviam aceito com alegria os primeiros princípios do Evangelho de Cristo, mais deveria ser dado. Mas àqueles que haviam rejeitado o benefício oferecido até o que antes possuíam lhes seria tirado.j “Por isso”, disse Ele, “lhes falo por parábolas; porque eles, vendo, não vêem; e, ouvindo, não ouvem nem compreendem”. Que o estado de escuridão espiritual então existente entre os judeus havia sido previsto, é evidenciado por uma citação das palavras de Isaías, quando o antigo profeta falou sobre o povo que se tornaria cego e surdo e endureceria seu coração com respeito às coisas de Deus, de forma que, embora visse e ouvisse em um sentido físico, não conseguiria compreender.k
Existe um elemento de misericórdia que se evidencia no método de ensino parabólico adotado por nosso Senhor, sob as condições predominantes da época. Tivesse Ele sempre ensinado por declarações explícitas, que não requeressem qualquer interpretação, muitos de Seus ouvintes estariam condenados, uma vez que a fé que possuíam era fraca, e que seu coração não estava preparado para quebrar os laços do tradicionalismo e o preconceito advindo do pecado, aceitando a palavra de salvação e obedecendo a ela. Sua incapacidade de compreender os requisitos do Evangelho lhes daria algum direito à misericórdia, enquanto que, se rejeitassem a verdade com pleno entendimento, a justiça inflexível certamente exigiria sua condenação.l
Que a lição das parábolas podia ser compreendida por meio de estudo, oração é busca, foi insinuado na admoestação do Mestre: “Quem tem ouvidos para ouvir, ouça”m e aos perquiridores mais estudiosos, o Mestre acrescentou: “Atendei ao que ides ouvir. Com a medida que medirdes vos medirão a vós, e ser-vos-á ainda acrescentada a vós que ouvis. Porque ao que tem, ser-lhe-á dado; e, ao que não tem, até o que tem lhe será tirado.”n Dois homens podem ouvir as mesmas palavras — um deles ouve com indolência e indiferença, o outro com mente alerta, procurando captar tudo o que as palavras possam transmitir. E, tendo ouvido, o homem diligente vai imediatamente fazer aquilo que lhe foi recomendado, enquanto o descuidado negligencia e esquece. Um é sábio, o outro tolo; um ouviu para seu benefício eterno, o outro para sua eterna condenação.o
Outro exemplo da adaptação misericordiosa da palavra à capacidade variada do povo que ouvia as parábolas é o fato psicológico de que os incidentes de uma história impressionante, embora simples, permanecem vivos, mesmo na mente daqueles que, na ocasião, são incapazes de compreender qualquer significado além da história em si. Muitos camponeses que ouviram o pequeno incidente do semeador e das quatro espécies de solo, do joio semeado por um inimigo, durante a noite, da semente que cresceu apesar de o semeador tê-la esquecido temporariamente, teriam a memória reavivada pelas circunstâncias periódicas de seu trabalho diário. O jardineiro recordarse-ia da história do grão de mostarda cada vez que plantasse, ou quando contemplasse a frondosa planta com passarinhos pousados nos seus galhos; a dona de casa pensaria na história do fermento enquanto estivesse trabalhando em sua cozinha; e o pescador com sua rede pensaria novamente nos peixes bons e maus, comparando a escolha de seus peixes ao julgamento futuro. E então, quando o tempo e a experiência, e talvez o sofrimento, os tivessem preparado para pensamentos mais profundos, encontrariam o grão vivo da verdade do Evangelho dentro da casca seca da história simples que lhes fora contada.
Parábolas em Geral
A característica essencial de uma parábola é a comparação ou semelhança através da qual algum incidente comum e bem compreendido é usado para ilustrar um fato ou princípio não expresso diretamente na história. A idéia de que a parábola se baseia necessariamente em um incidente fictício é incorreta; pois, embora a história ou circunstância da parábola deva ser simples e realmente constituir lugar comum, precisa também ser real. Não existe ficção nas parábolas que estudamos até agora — as histórias básicas são verdadeiras, e as circunstâncias apresentadas, fatos experimentados. A narrativa ou incidente sobre o qual a parábola é construída pode ser um acontecimento real ou fictício, mas, se fictício, a história deve ser consistente e provável, sem adições de circunstâncias incomuns ou miraculosas. Neste aspecto, a parábola difere da fábula, sendo esta última imaginativa, exagerada e improvável quanto ao fato; ademais, a intenção não é a mesma nas duas, uma vez que a parábola tem por objetivo transmitir alguma grande verdade espiritual, enquanto a assim chamada moral da fábula sugere, na melhor das hipóteses, apenas realizações materiais e vantagens pessoais. Histórias de árvores, animais e coisas inanimadas falando umas com as outras ou com homens são totalmente fantásticas; são fábulas ou apólogos, o seu resultado, seja apresentado como bom ou mau — apresenta contraste com as parábolas, não semelhança. O propósito reconhecido da fábula é mais divertir do que ensinar. A parábola pode conter uma narrativa, como nos casos do semeador e do joio, ou meramente um incidente isolado, como com o grão de mostarda e o fermento.
As alegorias distinguem-se das parábolas pela sua maior extensão e pelos detalhes da história, como também pelo entrelaçamento da narrativa com a lição que tem o propósito de ensinar. Na parábola, esses elementos são distintamente separados. Os mitos são histórias fictícias, algumas vezes com base histórica de fatos, mas destituídas de simbolismo de valor espiritual. Um provérbio é um dito curto e sentencioso, da natureza das máximas, implicando em uma verdade explícita ou sugerida por comparação. Os provérbios e as parábolas estão intimamente relacionados, e na Bíblia os termos são algumas vezes usados alternadamente.p O Velho Testamento contém duas parábolas, algumas fábulas e alegorias, e numerosos provérbios. Destes últimos, possuímos um livro completo.q Natã, o profeta, reprovou o Rei Davi por meio da parábola da ovelha do homem pobre, e tão convincente foi a sua história, que o rei decretou que se punisse o rico ofensor, sendo dominado pela tristeza e arrependimento, quando o profeta fez a aplicação de sua parábola usando as fatídicas palavras: “Tu és este homem.”r A história da vinha, que, embora cercada e bem cuidada, produziu somente uvas bravas e imprestáveis, foi usada por Isaías para retratar o estado pecaminoso de Israel, em sua tentativa para despertar o povo para uma vida de retidão.s
As parábolas do Novo Testamento, proferidas pelo Mestre dos mestres, possuem tal beleza, simplicidade e eficácia, que conquistaram um lugar sem paralelo na literatura.
Notas Do Capítulo 19
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O Primeiro Grupo de Parábolas. — Muitos eruditos bíblicos afirmam que as sete parábolas registradas no décimo terceiro capítulo de Mateus foram proferidas em ocasiões diferentes, e dirigidas a pessoas diferentes, e que o autor do primeiro Evangelho as agrupou por conveniência de registro tomando em consideração, primeiramente, seu interesse subjetivo. O fato de Lucas mencionar algumas dessas parábolas em relações diferentes de tempo e local empresta alguma probabilidade a tal afirmação, assim, as parábolas do Grão de Mostarda e do Fermento são apresentadas (Lucas 13:18, 21) imediatamente após a cura da mulher enferma na sinagoga e a repreensão ao príncipe judeu que Cristo chamou de hipócrita. Embora devamos admitir que Mateus pode ter agrupado algumas parábolas de outras datas com as pronunciadas naquele dia, é provável que Jesus tenha repetido algumas delas, como certamente o fez com outros ensinamentos, apresentando assim a mesma lição em mais de um lugar. Na verdade cada parábola é uma ficção em si mesma, e mantém o seu alto valor intrínseco, seja considerada como história isolada, ou relacionada a outros ensinamentos. Estejamos atentos à lição de cada uma delas, seja qual for a opinião dos homens a respeito das circunstâncias que cercaram seu primeiro pronunciamento.
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Cenário Local para a Parábola do Semeador. — O Dr. R. C. Trench, na sua excelente obra “Notes on the Parables of our Lord” (pág. 57. nota), cita a descrição do Deão Stanley das condições existentes no local onde a Parábola do Semeador foi dada por Jesus. E, como há razões para se acreditar que o local mudou pouco desde os dias de Cristo, reproduzimos aqui o relato: “Um ligeiro recesso na encosta da colina perto da planície revelou imediatamente em detalhes, e numa associação que jamais vi em qualquer outro lugar da Palestina, cada feição da grande parábola. Havia o ondulante trigal descendo até à beira da água. Havia a trilha pisada que o atravessava, sem cerca, para evitar que a semente caísse aqui ou acolá, do lado ou no meio dela — endurecida pelo constante pisar de cavalos, mulas e pés humanos. Havia o solo ‘bom’ e rico, que distingue toda aquela planície e regiões circunvizinhas das colinas nuas outros lugares descendo até o lago e que quando não há interrupção, produz uma vasta colheita de grãos. Havia o chão pedregoso na encosta da colina, aparecendo em diversos pontos dos trigais, como em outros lugares, através dos declives relvosos. Havia os grandes arbustos de espinho, o nabo’ k crescendo, como as árvores frutiferas das regiões, mais para o interior, bem no meio do trigo balouçante”
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Joio. — Este termo não aparece em qualquer outro lugar da Bíblia a não ser nesta parábola. Está claro que qualquer espécie de erva, especialmente de tipo venenoso, que prejudicasse seriamente a colheita serviria para ilustrar o propósito do Mestre. A crença tradicional comumente aceita é que a planta mencionada na parábola é a cizânia, conhecida pelos botânicos como Lolium temulentum, uma espécie de azevém com arestas. Essa planta se parece muito com o trigo no primeiro período de crescimento, e constitui uma peste para os fazendeiros da Palestina, hoje. É chamada de “Zowan” ou “Zawam” pelos árabes, cujo nome, diz Arnot, citando Thompson, tem alguma semelhança com a palavra original do texto grego. O autor do artigo Joio, no Dicionário de Smith, diz: “Os críticos e expositores concordam que o plural grego zizania,A V. ‘joio’, da parábola (Mateus 13:25) indica a erva chamada cizânia com praganas’ (Lolium temulentum), erva esta que se espalha muito, e única espécie desse tipo que contém propriedade nociva. A cizânia com arestas, antes de se transformar em espiga, tem uma aparência muito semelhante à do trigo, e as raízes das duas plantas freqüentemente se entrelaçam. Eis a razão de ter sido dada ordem para deixar o joio até a época da colheita, para que, ao arrancar o joio, os homens ‘não arrancassem também o trigo com ele’. A cizânia é facilmente distinguível do trigo e da cevada quando desenvolvida, mas nos primeiros estágios de crescimento, ‘o exame mais minucioso freqüentemente não consegue revelá-la. Até mesmos, os fazendeiros, que neste país geralmente capinam seus campos, não tentam separar um do outro (…) O gosto é amargo, e quando ingerido separadamente’ ou mesmo misturado no pão comum, causa tontura, e muitas vezes age como emético violento”. A citação secundária é de The Land and the Book, de Thompson, ii, 111, 112. Já foi afirmado que a cizânia é uma espécie degenerada de trigo e tentativas foram feitas para emprestar um significado adicional à instrutiva parábola do Senhor pela introdução dessa idéia. Entretanto, não há garantia científica para essa concepção forçada, e os estudantes conscienciosos não serão enganados por ela.
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A Perversidade do Semeador de Joio. — Tentativas foram feitas para desacreditar a Parábola do Joio, com o pretexto de que se baseia numa prática incomum, se não mesmo desconhecida. Trench enfrenta a crítica da seguinte forma (Notes on the Parables, págs. 72, 73): “Nosso Senhor não imaginou aqui uma forma de malícia sem precedentes, mas citou uma que talvez fosse suficientemente conhecida de Seus ouvintes, uma de execução tão fácil, envolvendo tão pouco risco, mas cujo dano era tão grande e duradouro, que não é estranho, onde a covardia e a maldade se misturam, que esta fosse freqüentemente a forma pela qual se manifestavam. Encontramos traços desse procedimento em muitos lugares. Na lei romana, é considerada a possibilidade desta forma de agravo, e um escritor moderno, ilustrando a Escritura com maneiras e costumes do Oriente, com os quais se familiarizou durante uma temporada que passou ali, afirma que a prática é agora usada na índia”. Em uma nota anexa, o autor acrescenta: “Não estamos livres dessa prática mais perto de casa. Na Irlanda, conheci um inquilino que fora despejado e que, por vingança semeara aveia brava nos campos que estava deixando. Esta, como o joio na parábola, amadurecendo e soltando semente antes das plantações a que está misturada, é praticamente impossível de extirpar”.
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A Parábola da Semente que Cresce em Segredo. — Esta parábola deu margem a muita discussão entre os estudiosos, sobre quem era o homem que plantou a semente. Se como nas parábolas do Semeador e do Joio, foi Jesus Cristo quem plantou, então, perguntam alguns, como pode ser dito que a semente brotava e crescia “não sabendo ele como” quando todas as coisas são conhecidas por Ele? Se, por outro lado, o semeador representa o mestre ou professor do Evangelho, autorizado, como pode ser dito que no tempo da colheita “mete-lhe logo a foice”, se a colheita final de almas é prerrogativa de Deus? A perplexidade dos críticos provém da tentativa que fazem de encontrar na parábola um literalismo jamais pretendido pelo Autor. Seja a semente plantada pelo próprio Senhor, como quando ensinou em pessoa, ou por qualquer de Seus servos autorizados, ela está viva e crescerá. E preciso tempo — a folha aparece primeiro e é seguida pela espiga, e a espiga amadurece na estação, sem o cuidado constante que a moldagem manual das diversas partes requereria. O homem que aparece na parábola é apresentado como um fazendeiro comum que planta, espera e, no devido tempo, colhe. A lição contida é a vitalidade da semente como uma coisa viva, dotada pelo seu Criador com a capacidade de crescer e de se desenvolver.
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A Planta da Mostarda. — A mostarda agreste, que na zona temperada raramente atinge uma altura de mais de noventa ou cento e vinte centímetros, alcança, em terras semitropicais, a altura de um cavalo, e seu cavaleiro (The Land and the Book, de Thompson, ii, 100). Aqueles que ouviram a parábola, evidentemente compreenderam o contraste entre o tamanho da semente e o da planta completamente desenvolvida. Arnot (The Parables, pág. 102), muito apropriadamente, diz: ‘Esta planta obviamente foi escolhida pelo Senhor não em virtude de sua absoluta magnitude, mas porque era reconhecidamente um exemplo notável de crescimento — de muito pequena para muito grande. Na época, parece que era, na Palestina, a menor semente conhecida, da qual se desenvolvia uma planta tão grande. Havia, talvez, sementes menores, mas as plantas que produziam não eram tão grandes e havia plantas maiores, mas as sementes das quais se originavam não eram tão pequenas” Edersheim (i, pág. 593) afirma que o tamanho diminuto da semente de mostarda era muito usado pelos rabinos, para comparações, “para indicar quantidades mínimas, como a menor gota de sangue, a menor profanação etc.”. Falando sobre a planta crescida, o mesmo autor continua: “Na verdade, não se parece mais com uma planta de jardim ou arbusto, mas ‘tornase’, ou melhor, parece-se com ‘uma arvore’ — como escreve São Lucas — ‘uma grande arvore’ — naturalmente, não em comparação com outras árvores, mas com plantas de jardim. Tal crescimento era fato muito conhecido na época e, na verdade, ainda é observado no Oriente. E o significado geral era mais fácil de ser compreendido, uma vez que uma árvore, cuja copa frondosa fornecia abrigo aos pássaros do céu, era um símbolo familiar do Velho Testamento, representando um reino poderoso que abrigava as nações (Ezequiel 31:6, 12; Daniel 4:12, 14, 21, 22). É usado especificamente para ilustrar o Reino Messiânico (Ezequiel 17:23)”
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O Simbolismo do Fermento. — Na parábola, o reino dos céus é comparado ao fermento. Em outras escrituras, o fermento é simbolicamente mencionado como representando o mal, assim, “o fermento dos fariseus e dos saduceus” (Mateus 16:6, ver também Lucas 12:1), “o fermento de Herodes” (Marcos 8:15). Estes exemplos e outros (I Coríntios 5:7, 8) ilustram o contágio do mal. No caso da mulher que usa o fermento no processo comum de fazer pão, o efeito alastrador, penetrante e vital da verdade é simbolizado pelo fermento. A mesma coisa, em diferentes aspectos, pode adequadamente ser usada para representar o bem em um caso, e o mal em outro.
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O Tesouro Pertencia ao Homem que o Encontrou. — Justificando o homem que encontrou o tesouro escondido no campo pertencente a outra pessoa, e depois ocultou a sua descoberta e comprou o campo para possuir o tesouro, Edersheim (i, págs. 595/6) diz: “Tem havido objeções quanto à moralidade de tal transação. Sobre isso, podemos observar que o ato estava, pelo menos, inteiramente de acordo com a lei judaica. Se um homem encontrasse um tesouro em moedas soltas entre o trigo, certamente esse tesouro seria seu, se ele comprasse o trigo. Caso ele o encontrasse na terra ou no solo, igualmente lhe pertenceria, se ele pudesse reivindicar a posse destes, e até mesmo se o campo não fosse dele, a não ser que outros pudessem provar o seu próprio direito ao mesmo. A lei chegava ao ponto de entregar judicialmente ao comprador de frutas qualquer coisa encontrada entre essas frutas. Isso é suficiente para esclarecer uma questão de detalhes, os quais, de qualquer forma, não devem ser tão rigorosamente considerados em uma história parabólica.”
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A Superioridade das Parábolas de Nosso Senhor. — “Talvez nenhuma outra modalidade de instrução fosse tão comum entre os judeus quanto as parábolas. Somente que no caso dos judeus, elas eram quase que inteiramente ilustrações do que havia sido dito ou ensinado, enquanto no caso de Cristo, elas serviam como base para seu ensinamento. (…) Em um caso, eram usadas para fazer com que os ensinamentos espirituais parecessem judeus e nacionais; no outro, para transmitir ensinamentos espirituais em uma forma adaptada ao ponto de vista dos ouvintes. Descobriremos que essa distinção é verdadeira, mesmo nos casos em que parece haver um paralelismo íntimo entre uma parábola rabínica e uma evangélica (…) E desnecessário dizer que comparar tais parábolas, no que concerne ao seu espírito, é praticamente impossíveis, a não ser por meio do contraste” (Edersheim, i, págs. 580/1) Geikie concisamente diz “Outros proferiram parábolas, mas Jesus de tal modo os transcende, que pode com justiça ser chamado de criador desta forma didática” (ii, pág. 145).
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Parábolas e Outras Formas de Analogia. — “A parábola é também claramente distinguível do provérbio, embora seja verdade que, até certo ponto, os dois termos são usados alternadamente no Novo Testamento, e como equivalente um do outro. Assim, quando o Senhor usou aquele provérbio, provavelmente já familiar aos Seus ouvintes: ‘Se um cego guiar outro cego ambos cairáo na cova’, Pedro disse ‘Explicanos essa parábola’ (Mateus 15:14, 15) e em Lucas 5:36 é um provérbio, ou expressão proverbial mais do que uma parábola, cujo nome leva. (…) Por outro lado, os chamados ‘provérbios’ em João, se não são estritamente parábolas, têm muito mais afinidade com a parábola do que com o provérbio, sendo, de fato, alegorias; assim, a declaração de Cristo, estabelecendo Sua relação com Seu povo como sendo a de um pastor com seu rebanho, é chamada de ‘provérbio’, embora nossos tradutores, atendo-se mais ao sentido do que à palavra, tenham usado ‘parábola (João 10:6 comparar com 16:25, 29). É fácil explicar essa troca de palavras. Parcialmente originou-se de uma palavra em hebreu, que significa tanto parábola quanto provérbio” — Notes on the Parables, págs. 9, 10.
Para a conveniência dos leitores que talvez não tenham um dicionário à mão no momento, damos as seguintes definições:
Alegoria. — Apresentação de um assunto com a aparência de um outro assunto ou semelhança adequadamente sugestiva.
Apólogo. — Fábula ou conto moral, especialmente aquele em que os animais ou coisas inanimadas falam ou agem, e através do qual uma lição útil é sugerida ou ensinada.
Fábula. — Uma história curta inventada para conter uma lição de moral e que introduz animais e às vezes coisas inanimadas como oradores e atores nacionais; uma lenda ou mito.
Mito. — Uma narrativa fictícia ou hipotética apresentada como histórica, mas sem qualquer base de fatos.
Parábola. — Narrativa breve ou alegoria descritiva, baseada em cenas reais ou acontecimentos da natureza e da vida humana, e que geralmente contém uma aplicação moral ou religiosa.
Provérbio. — Um dito breve, substancial, que condensa de forma inteligente e vigorosa a sabedoria da experiência; um dito popular familiar e difundido em forma epigramática.
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Parábolas do Velho Testamento etc. — “Parábolas, no sentido exato da palavra, o Velho Testamento contém somente duas,’ (II Samuel 12:1) e Isaías 5:1). “Outras histórias, como a das árvores reunidas para eleger um rei (Juízes 9:8) e do cardo e do cedro (II Reis 14:9) são mais estritamente fábulas. Ainda outras, como o relato de Ezequiel sobre as duas águias e a videira (17:2), e da panela (24:3) são alegorias. O pequeno número de narrativas parabólicas encontradas no Velho Testamento não deve, entretanto, ser considerado como indiferença por esta forma literária como adequada à instrução moral. O número é pequeno só aparentemente. Na realidade embora não explicitamente expressas em termos de narrativa fictícia, há semelhanças abundantes que sugerem e fornecem os materiais para tais narrativas” — Stand. Bible Dict., de Zenos, item “Parábolas”.
Aplicando o termo parábola no seu sentido amplo, incluindo todas as formas comuns de analogia, podemos alistar as seguintes como as mais impressionantes parábolas do Velho Testamento. As árvores elegendo um rei (Juízes 9:7); a ovelha do homem pobre (II Samuel 12:1-); os irmãos contendores e os vingadores (II Samuel 14:1–); a história do prisioneiro fugitivo (I Reis 20:35–); o cardo e o cedro (II Reis 14:9); a vinha e suas uvas bravas (Isaías 5:1); as águias e a videira (Ezequiel 17:3–); os cachorrinhos da leoa (Ezequiel 19:2–); a panela fervente (Ezequiel 24:3–).