Capítulo 12
Os Primeiros Incidentes Do Ministério Público De Nosso Senhor
A Primeira Purificação do Templo
Logo após a festividade das bodas de Caná, Jesus, acompanhado por Seus discípulos, bem como por Sua mãe e outros membros da família, foi para Capernaum, cidade aprazivelmente situada na extremidade norte do Mar da Galiléia ou Lago de Genesaréa e palco de muitas das obras miraculosas de nosso Senhor; na verdade, tornou-se conhecida como Sua própria cidade.b Devido à descrença de seu povo, veio a ser motivo de lamentação para Jesus, quando, com tristeza, prenunciou o julgamento que cairia sobre o lugar.c A localização exata da cidade é, atualmente, desconhecida. Nessa ocasião, Jesus permaneceu poucos dias em Capernaum, pois o tempo da Páscoa anual se avizinhava e, de acordo com a lei e costumes judaicos, seguiu para Jerusalém.
Os Evangelhos sinóticos,d que se devotam primariamente aos trabalhos de Jesus na Galiléia, não mencionam Seu comparecimento às comemorações pascais entre Seu décimo segundo ano de vida e o tempo de Sua morte; somente a João devemos o registro dessa visita, no início do ministério público de Cristo. Não é improvável que Jesus tenha estado presente a outras Páscoas durante os dezoito anos sobre os quais os evangelistas mantêm completo e reverente silêncio; mas em nenhuma dessas visitas anteriores, não tendo trinta anos de idade, poderia ter assumido o direito ou privilégio de um mestre, sem infringir os costumes estabelecidos.e Merece nossa atenção o fato de que, nessa primeira aparição registrada de Jesus no templo, subseqüente à Sua visita como menino, retomasse Ele a “obra de seu Pai” em que estivera ocupado antes. Havia sido no serviço de Seu Pai que Ele fora encontrado em discussão com os doutores da lei,f e pela causa de Seu Pai era impelido à ação nessa ocasião posterior.
A numerosa e heterogênea assistência presente à celebração da Páscoa já foi mencionada anteriormente;g alguns dos costumes impróprios que então prevaleciam devem ser mantidos em mente. A Lei de Moisés fora suplementada por um rol cumulativo de regras e os requisitos rigidamente impostos, relativos a sacrifícios e tributo, haviam dado origem a um sistema de venda e troca dentro dos recintos sagrados da Casa do Senhor. Nos pátios externos havia estábulos de bois, apriscos de ovelhas, gaiolas de pombas e rolas; e o mérito cerimonial dessas vítimas de sacrifício era apregoado em altas vozes pelos comerciantes, que exigiam por elas alto preço. Era costume também pagar-se nessa ocasião o tributo anual do santuário — a oferta de resgate exigida de todo varão em Israel, no montante de meio sicloh para cada um, independente de sua relativa pobreza ou opulência. Isso devia ser pago “segundo o ciclo do santuário”, restrição essa que, segundo determinação dos rabis, significava pagamento em moedas do templo. Dinheiro comum, cujas variedades ostentavam efígies e inscrições de origem pagã, não era aceitável e, como resultado, cambistas procediam a um próspero comércio na área do templo.
Justamente indignado com o que contemplava, zeloso da santidade da Casa de Seu Pai, Jesus propôs-Se a purificar o local;i e, não Se detendo em argumentações, recorreu à força física, chegando quase à violência — única forma de linguagem figurativa que aqueles comerciantes corruptos podiam compreender. Improvisando apressadamente um chicote de cordéis, vibrou-o ao redor, libertando e expulsando ovelhas, bois e traficantes humanos, virando as mesas dos cambistas e espalhando seus heterogêneos acúmulos de moedas. Com terna consideração pelas aves cativas e indefesas, evitou molestar suas gaiolas, mas a seus proprietários disse: “Tirai daqui estas”; e a todos os cúpidos mercadores bradou uma ordem que os fez estremecer: “Não façais da casa de meu Pai casa de venda”. Seus discípulos viram no incidente o cumprimento do salmo: “O zelo da tua casa me devorou”.j
Os judeus, por cujo termo designamos os sacerdotes e príncipes do povo, não ousaram protestar contra essa vigorosa ação, imputando-a como injusta; sendo versados na lei, reconheceram-se culpados de corrupção, avareza, e responsabilidade pessoal pela profanação do templo. Que os recintos sagrados necessitavam penosamente de uma purificação, todos reconheciam; o único ponto sobre o qual ousaram questionar foi o fato de ter Ele tomado para Si a execução daquilo que lhes competia fazer. Praticamente se submeteram a Sua enérgica intervenção como à de alguém cuja possível investidura de autoridade poderiam ainda ser compelidos a reconhecer. Sua submissão baseava-se no medo e este, por sua vez, em suas consciências culpadas. Cristo prevaleceu sobre aqueles judeus negocistas por virtude do eterno princípio de que o certo é mais poderoso que o errado, e pelo fato psicológico de que a consciência da culpa rouba ao contraventor a sua coragem, quando a iminência da justa retribuição se evidencia a sua alma.k Ainda assim, temerosos de que provasse ser um profeta dotado de poder, o que nenhum sacerdote ou rabi então existente professara ser, timidamente solicitaram credenciais de Sua autoridade — “Mestre, quiséramos ver da tua parte algum sinal?” Laconicamente, e com escasso respeito por esta solicitação, tão comum por parte dos iníquos e adúlteros,l Jesus replicou: “Derribai este templo, e em três dias o levantarei.”m
Cegos por sua própria astúcia, relutantes em reconhecer a autoridade do Senhor, e ainda temerosos da possibilidade de que se estivessem opondo a alguém que agia por direito, os perturbados oficiais acharam que as palavras de Jesus se referiam ao imponente templo de alvenaria, dentro de cujas paredes se encontravam. Armaramse de coragem; esse estranho galileu, que abertamente insultava sua autoridade, falava irreverentemente do templo, expressão visível da profissão que tão orgulhosamente ostentavam em palavras — que eram os filhos do convênio, adoradores do Deus vivo e verdadeiro, e, portanto, superiores a todos os povos gentios e pagãos. Com aparente indignação, retorquiram: “Em quarenta e seis anos foi edificado este templo, e tu o levantarás em três dias?”n Embora frustrados no desejo de suscitar a indignação popular contra Jesus nessa ocasião, os judeus recusaram-se a esquecer ou perdoar Suas palavras. Quando posteriormente, como indefeso prisioneiro, era submetido a um simulacro ilegal de julgamento, ante uma corte impugnada pelo pecado, o pior perjúrio pronunciado contra Ele foi o das falsas testemunhas que afirmaram: “Nós ouvimos-lhe dizer: Eu derrubarei este templo, construído por mãos de homens, e em três dias edificarei outro, não feito por mãos de homens.”o E, enquanto pendia da cruz em agonia mortal, os escarnecedores que ali passavam meneavam a cabeça e zombavam do Cristo agonizante, dizendo: “Ah! tu que derrubas o templo, e em três dias o edificas, salva-te a ti mesmo, e desce da cruz.”p E, no entanto, suas palavras aos judeus que haviam exigido as credenciais de um sinal, não tinham tido qualquer relação com o colossal templo de Herodes, mas com o santuário de seu próprio corpo, no qual, mais literalmente que no Santo dos Santos edificado por mãos humanas, habitava o Espírito sempre vivente do Deus Eterno. “O Pai está em mim” era Sua doutrina.q
“Ele falava do templo do seu corpo”, o verdadeiro tabernáculo do Altíssimo.r Esta referência à destruição do templo de Seu corpo, e à renovação do mesmo depois de três dias, é a primeira predição de que temos registro, concernente à Sua morte e ressurreição já determinadas. Mesmo os discípulos não compreenderam o profundo significado daquelas palavras até depois da ressurreição Dele dentre os mortos; então, lembraram-se e entenderam. Os sacerdotes judeus não eram tão ignorantes como aparentavam ser, pois encontramolos na presença de Pilatos, enquanto o corpo do Cristo crucificado jazia na tumba, dizendo: “Senhor, lembramo-nos de que aquele enganador, vivendo ainda, disse: “Depois de três dias ressuscitarei”.s Embora tenhamos registro de várias passagens em que Cristo afirma que haveria de morrer e no terceiro dia levantar-Se novamente, as mais evidentes dessas declarações foram feitas aos apóstolos, e não abertamente ao público. E quase certo que os judeus que se entrevistaram com Pilatos, tinham em mente a declaração de Jesus naquela ocasião em que, perplexos, assistiram à purificação dos pátios do templo.t
Um feito como esse, de desafiar os costumes sacerdotais e purificar os limites do templo pela força, não poderia deixar de impressionar, com efeitos variados, as pessoas presentes às festividades; e estas, retornando a seus lares em províncias longínquas e distantes umas das outras, difundiram a fama do corajoso Profeta galileu. Muitos em Jerusalém creram Nele então, principalmente porque eram atraídos pelos milagres que obrava; mas Ele recusou-Se a “confiar neles”, conhecendo o fundamento inseguro de sua fé. A adulação popular era estranha ao Seu propósito; não desejava um séquito variado, mas sim reunir ao Seu redor aqueles que recebessem do Pai um testemunho de Sua missão messiânica. “A todos conhecia, e não necessitava de que alguém testificasse do homem, porque ele bem sabia o que havia no homem.”u
O incidente da enérgica purificação do templo contradiz o tradicional conceito segundo o qual Cristo era tão dócil e Sua conduta tão pouco positiva, a ponto de parecer um efeminado. Dócil Ele era, e paciente na aflição; misericordioso e longânimo para com aqueles que se arrependiam, mas severo e inflexível em presença da hipocrisia, e inclemente na denúncia aos pecadores impenitentes. Sua disposição adaptava-se às situações com que se defrontava no momento; ternas palavras de encorajamento ou ardentes expressões de justa indignação fluíam com a mesma espontaneidade de Seus lábios. Sua natureza não era uma concepção poética de querubínica e permanente doçura, mas a natureza de um Homem, com as emoções e paixões essenciais à condição de homem. Ele, que várias vezes chorou de compaixão, em outras ocasiões manifestou, em palavras e atos, a justa ira de um Deus. Contudo, todas as Suas paixões, por mais serenas ou violentas que fossem, Ele é que as dominava. Compare-se o manso Jesus prestando serviços de hospitalidade para suprir as necessidades de uma reunião festiva em Caná, ao Cristo indignado, vibrando seu azorrague e, em meio à comoção e tumulto por Ele próprio provocados, expulsando gado e homens diante de Si, como um rebanho impuro.
Jesus e Nicodemosv
Que os maravilhosos feitos de Cristo, na ocasião dessa Páscoa memorável, haviam levado alguns dos eruditos, além de muitos dentre o povo comum, a crer Nele, evidencia-se pelo fato de que Nicodemos, que era fariseu na fé, e um dos mais ilustres príncipes dos judeus, tenha vindo com a missão de o interrogar. E significativa a circunstância de que essa visita tenha sido feita à noite. Aparentemente, o homem foi impelido por um desejo genuíno de saber mais sobre o galileu cujas obras não podiam ser ignoradas, embora o orgulho do ofício e o medo de uma possível suspeita de que se houvesse unido ao novo Profeta, o tenham levado a cercar seu ato de reserva.w Dirigindo-se a Jesus pelo título que ele próprio ostentava, e que considerava honroso e respeitável, disse: “Rabi, bem sabemos que és Mestre, vindo de Deus; porque ninguém pode fazer estes sinais que tu fazes, se Deus não for com ele.”x Se o emprego do pronome plural “nós” indica que havia sido enviado pelo Sinédrio, ou pela sociedade dos fariseus — cujos membros estavam acostumados a assim se expressar, como representantes da ordem — ou se o mesmo foi empregado no sentido retórico, indicando apenas a si mesmo, não é importante. Ele reconheceu Jesus como um “mestre vindo de Deus” e apresentou razões pelas quais assim o considerava. Por mais débil que fosse a fé que talvez se agitasse no coração do homem, baseava-se na evidência de milagres, apoiada apenas pelo efeito psicológico de sinais e maravilhas. Devemos conceder-lhe crédito, portanto, pela sinceridade e pureza de propósito.
Sem esperar por perguntas específicas, “Jesus respondeu, e disselhe: Na verdade, na verdade te digo que aquele que não nascer de novo, não pode ver o reino de Deus.” Nicodemos parece ter ficado perplexo; perguntou como era possível tal rejuvenescimento. “Como pode um homem nascer, sendo velho? Pode porventura tornar a entrar no ventre de sua mãe, e nascer?” Não fazemos a Nicodemos nenhuma injustiça, presumindo que ele, como rabi, homem versado nas Escrituras, deveria ter sabido que as palavras de Jesus tinham um outro significado que não o de um nascimento mortal tomado literalmente. Ademais, fosse possível a um homem nascer completamente na carne uma segunda vez, como tal nascimento o beneficiaria em seu progresso espiritual? Seria apenas um reingresso no estágio da existência física, e não uma melhora. O homem sabia que o símbolo de um novo nascimento era comum nos ensinamentos da época. Todos os prosélitos do judaísmo eram considerados, ao tempo de sua conversão, como recém-nascidos.
A surpresa manifestada por Nicodemos foi, provavelmente, devida, pelo menos em parte, à universalidade do requisito como enunciado por Cristo. Estariam incluídos os filhos de Abraão? O tradicionalismo de séculos opunha-se a tal conceito. Os pagãos tinham que nascer de novo através de uma aceitação formal do judaísmo, se desejavam tornar-se participantes, mesmo que em pequena escala, das bênçãos que pertenciam por herança à Casa de Israel; mas Jesus parecia tratar a todos igualmente, judeus e gentios, hereges idólatras e o povo que, com seus lábios, pelo menos, chamava Jeová, Deus.
Jesus repetiu a declaração, e com vigor, reforçando com o expressivo “Na verdade, na verdade”, a maior lição que jamais chegara aos ouvidos desse príncipe de Israel: “Na verdade, na verdade, te digo que aquele que não nascer da água e do Espírito, não pode entrar no reino de Deus.” Que o novo nascimento, declarado absolutamente essencial como requisito para entrada no reino de Deus, aplicável a todo homem, sem limites ou qualificativos, era uma regeneração espiritual, foi em seguida explicado ao atônito rabi: “O que é nascido da carne é carne, e o que é nascido do Espírito é espírito. Não te maravilhes de te ter dito: Necessário vos é nascer de novo.” Contudo ainda ponderava o letrado judeu, não logrando compreender. Possivelmente naquele momento se ouviu o som da brisa noturna; se assim foi, Jesus nada mais fez do que utilizar o incidente como o faria um hábil mestre para incutir uma lição, quando prosseguiu: “O vento assopra onde quer, e ouves a sua voz, mas não sabes donde vem, nem para onde vai; assim é todo aquele que é nascido do Espírito.” Numa alocução clara, foi dado a compreender a Nicodemos que seu conhecimento mundano e posição profissional de nada lhe adiantavam no esforço de entender as coisas de Deus; através do sentido físico da audição, ele sabia que o vento soprara; pela visão, podia ser informado de sua passagem; e, no entanto, que sabia ele sobre a causa básica deste fenômeno? Para que Nicodemos fosse realmente instruído em questões espirituais, teria que despojar-se dos preconceitos advindos do conhecimento que professava ter sobre as coisas menos importantes.
Conquanto fosse um rabi e membro eminente do Sinédrio, ali, na humilde pousada do carpinteiro da Galiléia, estava em presença de um Mestre. Na perplexidade da ignorância, perguntou: “Como pode ser isso?” A réplica deve ter sido humilhante para o homem: “Tu és mestre de Israel, e não sabes isto?” Obviamente, certo conhecimento de alguns dos princípios fundamentais do Evangelho já estivera ao seu alcance; Nicodemos foi censurado por sua falta de conhecimento, particularmente por ser um mestre do povo. Nosso Senhor, então, bondosamente esclareceu mais amplamente, testificando que falava com conhecimento absoluto, baseado no que tinha visto, enquanto Nicodemos e seus companheiros se recusavam a aceitar o testemunho de suas palavras. Além disso, Jesus asseverou ser sua missão a do Messias e, especificamente, predisse Sua morte e a natureza da mesma — que Ele, o Filho do Homem, devia ser levantado da mesma forma que Moisés levantara a serpente no deserto como um símbolo pelo qual Israel poderia escapar à praga fatal.y
O propósito da morte predeterminada do Filho do Homem era: “Que todo aquele que nele crê não pereça, mas tenha a vida eterna”; pois, com este fim, e por Seu ilimitado amor pelo homem, tinha o Pai dedicado Seu Filho Unigénito. E, ainda mais, conquanto fosse verdade que, em Seu advento mortal, o Filho não tivesse vindo para sentar-Se como juiz, mas para ensinar, persuadir e salvar, ainda assim a rejeição daquele Salvador resultaria em segura condenação, pois a luz chegara e os iníquos evitavam a luz, odiando-a por preferirem a escuridão, na qual esperavam esconder seus atos malignos. Talvez aqui, novamente, Nicodemos tenha experimentado uma pontada na consciência, pois não temera ele vir às claras, preferindo a escuridão para sua visita? As palavras finais de nosso Senhor foram um misto de instrução e censura: “Mas quem pratica a verdade vem para a luz, a fim de que as suas obras sejam manifestas, porque são feitas em Deus.”
A narrativa desta entrevista entre Nicodemos e o Cristo constitui uma de nossas mais instrutivas e preciosas Escrituras relativas à absoluta necessidade de submissão sem reservas às leis e ordenanças do evangelho, como meio indispensável de salvação. Fé em Jesus Cristo como o Filho de Deus, por meio de quem, unicamente, os homens podem obter vida eterna; o abandono do pecado, deixando resolutamente a densa treva do mal e voltando-se para a luz salvadora da retidão; o requisito incondicional de um novo nascimento através do batismo na água, e este necessariamente pelo método da imersão, uma vez que, por outra forma, o símbolo do nascimento seria inexpressivo; e a consumação do novo nascimento através do batismo pelo Espírito — todos estes princípios são aqui ensinados com tal simplicidade e clareza, que não deixam margem a qualquer alegação de ignorância por parte do homem.
Se Jesus e Nicodemos foram as únicas pessoas presentes a essa entrevista, João, o escritor, deve ter sido informado sobre ela por um dos dois. Como João foi um dos primeiros discípulos, e posteriormente um dos apóstolos, e como se caracterizou no grupo apostólico por sua intimidade com o Senhor, é muito provável que tenha ouvido o relato dos lábios de Jesus. O propósito de João foi, evidentemente, de registrar a grande lição do episódio, de preferência a relatar a história circunstancial. O registro principia e se encerra com igual brusquidão; incidentes sem importância são omitidos; cada linha é significativa; o autor percebeu plenamente o alcance profundo do assunto e tratou-o da maneira devida. Menção posterior a Nicodemos tende a confirmar a avaliação do homem, como ele se apresenta neste encontro com o Cristo — alguém consciente de uma crença em Cristo, crença essa, entretanto, que nunca se desenvolveu até o tipo de fé genuína e vigorosa que impele à aceitação e à concordância, independentemente de preço ou conseqüências.z
Da Cidade ao Campo
Deixando Jerusalém, Jesus e Seus discípulos dirigiram-se às áreas rurais da Judéia e lá permaneceram, indubitavelmente pregando conforme a oportunidade se apresentava ou era provocada; e os que Nele criam eram batizados.a O aspecto preponderante de Seus primeiros pronunciamentos públicos foi o mesmo de Seu precursor no deserto: “Arrependei-vos, porque é chegado o reino dos céus.”b João Batista continuara seu trabalho, embora, naturalmente, desde que reconhecera Aquele Maior cuja vinda fora enviado a preparar, tivesse considerado diferentemente o significado do batismo que administrava. A princípio, batizara em preparação para Aquele que haveria de vir; agora, batizava crentes arrependidos naquele que viera.
Haviam surgido disputas entre alguns seguidores ardorosos de João e um ou mais judeus,c a respeito da doutrina da purificação. O contextod deixa pouca margem à dúvida de que estavam em questão os méritos relativos ao batismo de João e o administrado pelos discípulos de Jesus. Com desculpável ardor e bem intencionado zelo por seu mestre, os discípulos de João, que tinham estado envolvidos na disputa, foram ter com Ele, dizendo: “Rabi, aquele que estava contigo além do Jordão, do qual tu deste testemunho, ei-lo batizando, e todos vão ter com ele.” Os adeptos de João estavam preocupados com o sucesso daquele a quem consideravam, de certa forma, como rival de seu amado mestre. Não havia João dado a Jesus sua primeira confirmação? “Aquele do qual deste testemunho”, disseram eles, nem mesmo se dignando designar Jesus pelo nome. Seguindo o exemplo de André e do futuro apóstolo João, o povo estava deixando o Batista e reunindo-se ao redor do Cristo. A réplica de João e seus ardorosos seguidores constitui um modelo sublime de abnegação. Foi este o teor de sua resposta: O homem recebe apenas segundo Deus lhe dá. Não me foi dado fazer a obra do Cristo. Vós mesmos sois testemunhas de que neguei ser o Cristo e declarei ter sido enviado para antecedê-Lo. Ele é como o Noivo; eis sou apenas como o amigo do noivo,e e servo seu; e regozijo-me grandemente por estar assim próximo dele; sua voz me dá felicidade; e assim meu gozo se cumpre. Aquele de quem falais principia seu ministério; o meu está chegando ao fim. Ele deve crescer, mas eu devo diminuir. Ele veio dos céus e é, portanto, superior a todas as coisas da terra; contudo, os homens recusam-se a receber seu testemunho. A tal Ser o Espírito de Deus não é dado em parcelas; é seu em medida plena. O Pai ama o Filho, e em suas mãos colocou todas as coisas, e: “Aquele que crê no Filho tem a vida eterna; mas aquele que não crê no Filho não verá a vida, mas a ira de Deus sobre ele permanece.”f
Em tal resposta, sob as condições existentes, identificamos o espírito de verdadeira grandeza, e de uma humildade que poderia derivar apenas de convicção divinamente transmitida a João Batista, concernente a si próprio e ao Cristo. Em mais de um sentido, João era grande entre todos os que são nascidos de mulheres.g Havia entrado no trabalho, quando ordenado por Deus a fazê-lo;h compreendendo que sua obra havia sido, de certa forma, superada, pacientemente aguardava sua desobrigação, continuando, entrementes, em seu ministério, conduzindo almas ao seu Senhor. O princípio do fim estava próximo. Logo seria capturado e atirado a um cárcere onde, como veremos, seria decapitado para satisfazer a vingança de uma mulher corrupta, cujos pecados João havia denunciado corajosamente.i
Os fariseus observavam com apreensão cada vez maior, a crescente popularidade de Jesus, evidenciada pelo fato de ser maior o número dos que O seguiam e aceitavam batismo das mãos de Seus discípulos, que o dos que haviam atendido ao chamado de João. Ensaiava-se uma oposição aberta e, como Jesus desejava evitar o obstáculo à Sua obra que tal perseguição, por aquela época, haveria de acarretar, abandonou a Judéia, retirando-se para a Galiléia através de Samaria. Esse retorno à província setentrional efetuou-se após ter sido João Batista atirado à prisão.j
Notas Do Capítulo 12
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Mar da Galiléia — Este, que é o maior volume de água doce da Palestina, tem a forma aproximada de uma pêra e mede cerca de vinte e um quilômetros de comprimento total norte-sul por dez a onze de largura máxima. O rio Jordão penetra nele pela extremidade nordeste, fluindo dele pela extremidade sudoeste; o lago pode ser considerado, portanto, como uma grande expansão do rio, embora sua depressão meça cerca de sessenta metros de profundidade. O Jordão que dele promana liga o Mar da Galiléia ao Mar Morto, sendo o último um corpo de água imensamente salina que, pela abundância de sais dissolvidos e conseqüente densidade, é comparável ao Grande Lago Salgado de Utah, apesar de ser a composição química das águas materialmente diferente. O Mar da Galiléia é mencionado por Lucas, de acordo com sua mais apropriada classificação, como lago (Lucas 5:1, 2; 8:22, 23, 33). Adjacente ao lago, a noroeste, encontra-se uma planície, que foi em tempos antigos grandemente cultivada; esta era conhecida como a terra de Genezaré (Mat. 14:34; Marcos 6:53); e o corpo de água veio a ser reconhecido como mar ou lago de Genezaré (Lucas 5:1). Pela proeminência de uma das cidades de sua orla ocidental era também conhecido como Mar de Tiberíades (João 6:1, 23; 21:1). No Velho Testamento, é chamado Mar de Quinerete (Num. 34:11) ou Quinerote (Jos. 12:3), segundo o nome de uma cidade adjacente (Jos. 19:35). A superfície do lago ou mar fica muitos metros abaixo do nível normal do mar, 340 metros abaixo do Mediterrâneo, de acordo com Zenos, ou 350 metros conforme afirmam outros. Essa profundidade confere à região um clima semi-tropical. Zenos, no Standard Bible Dictionary, diz: “As águas do lago são conhecidas pela abundância de peixes. A indústria da pesca era, conseqüentemente, um dos recursos mais estáveis da região circunvizinha. …Outra característica do Mar da Galiléia é sua suscetibilidade a tormentas súbitas. Estas são ocasionadas em parte por situar-se tão abaixo dos planaltos circundantes (fato que cria uma diferença de temperatura e conseqüentes distúrbios atmosféricos) e em parte pela investida de rajadas de vento, que descem dos picos do Monte Hermom para o vale do Jordão. O evento, registrado em Mat. 8:24, não é um caso extraordinário. Aqueles que manejam barcos no lago, são obrigados a tomar muito cuidado para evitar o perigo de tais tormentas. As praias do mar da Galiléia, bem como o lago em si, foram palco de muitos dos mais notáveis eventos registrados nos Evangelhos.”
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Os quatro Evangelhos. — Todos os estudiosos do Novo Testamento terão observado que os livros de Mateus, Marcos e Lucas tratam dos feitos e palavras do Salvador na Galiléia muito mais detalhadamente do que o fazem em relação a Sua obra na Judéia; o livro ou Evangelho de João, por outro lado, trata, particularmente, dos incidentes do ministério de nosso Senhor em terras da Judéia sem excluir, contudo, fatos importantes ocorridos na Galiléia. Em estilo literário e método de tratamento, os autores dos três primeiros Evangelhos (evangelistas como eles e João são denominados coletivamente na literatura teológica) diferem mais acentuadamente do autor do quarto Evangelho do que entre si. Os eventos registrados pelos primeiros três podem ser mais prontamente classificados, confrontados ou localizados e, em conseqüência, os Evangelhos escritos por Mateus, Marcos e Lucas são mais comumente conhecidos como os Sinóticos ou Evangelhos Sinóticos.
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Trinta Anos de idade — De acordo com Lucas (3:23), Jesus tinha aproximadamente trinta anos de idade ao tempo de Seu batismo e notamos que logo depois iniciou, publicamente, a obra de Seu ministério. A lei prescrevia que aos trinta anos de idade os levitas entrassem para seu serviço especial (Núm. 4:3). Clark, Bible Commentary, tratando da passagem em Lucas 3:23 diz: “Essa era a idade exigida pela lei, que deveriam alcançar os sacerdotes, antes que pudessem ser instalados em seu ofício”. Jesus, possivelmente, levou em consideração o que se havia tornado um costume da época, ao esperar até que atingisse aquela idade, para iniciar publicamente as obras de Mestre do povo. Não sendo de descendência levítica, não se qualificava para a ordenação sacerdotal na ordem Aarônica e, portanto, certamente não esperou pela mesma para iniciar Seu ministério. Pregar em público antes dessa idade significaria provocar críticas e objeções, que poderiam resultar em sérias desvantagens e obstáculos iniciais.
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Multidões e Confusão na Festa da Páscoa — Conquanto seja obviamente impossível que mesmo uma fração razoavelmente grande do povo judeu pudesse estar presente às comemorações anuais da Páscoa em Jerusalém e, em conseqüência, fossem feitos preparativos para comemorações locais dos festejos, o comparecimento usual à celebração do templo nos dias de Jesus era indubitavelmente enorme. Josefo qualifica as aglomerações da Páscoa como “uma inumerável multidão” (Wars, ii, 1:3) e, em outro local (Wars, vi, 9:3), declara que o comparecimento atingia o gigantesco montante de três milhões de almas; tal é o registro, embora muitos autores modernos considerem essa declaração um exagero. Josefo diz que, com o propósito de fornecer ao imperador Nero informação quanto à força numérica dos judeus, particularmente na Palestina, Céstio solicitou aos príncipes dos sacerdotes que contassem o número de cordeiros sacrificados na comemoração, e o número relatado foi o de 256.000, o que, na base de entre dez e onze pessoas por mesa pascal, indicaria a presença, diz ele, de pelo menos 2.700.200 pessoas sem incluir visitantes não-judeus e membros de Israel a quem era barrada a participação na ceia da Páscoa, em virtude de impedimento cerimonial.
As cenas de confusão, inevitáveis nas condições então existentes, são resumidas admiravelmente por Geikie (Life and Words of Christ, cap. 30), que cita muitas das autoridades antigas em suas declarações: “As ruas eram obstruídas pelas multidões de todas as partes, as quais tinham que abrir caminho até o Templo, através de rebanhos de ovelhas e manadas de gado, empurrando-se em cada rua numa parte central de nível mais baixo, que lhes era reservada, para evitar contato e poluição. Vendedores de todas as categorias imagináveis asSediavam os peregrinos, pois a festividade era, como já foi dito, a estação fecunda para todos os negócios em Jerusalém, exatamente como em Meca ainda hoje, a época da grande afluência de adoradores à tumba do Profeta é a de melhor comércio entre os mercadores peregrinos, que formam as caravanas de todas as partes do mundo maometano”.
“Dentro do sítio do Templo, o alarido e a aglomeração eram, se é que possível, ainda piores. Instruções eram afixadas, para que se mantivessem à direita ou à esquerda como nas mais densas artérias de Londres. O pátio externo, no qual os não-judeus podiam penetrar e que era, portanto, conhecido como o Pátio dos Gentios, ficava, em parte, obstruído por cercados de ovelhas, cabras e bois, para os festejos e as ações de graças. Vendedores apregoavam os méritos de seus animais, ovelhas baliam e bois mugiam. Era, na verdade, a grande feira anual de Jerusalém e as multidões aumentavam o alarido e tumulto, de maneira a perturbar, lamentavelmente, os serviços nos pátios vizinhos. Os vendedores de pombas, para mulheres pobres chegadas de todas as partes do país para purificação, e para outros fins, dispunham de um espaço reservado. Na verdade, a venda de pombas estava, em grande parte, mas em sigilo, nas mãos dos próprios sacerdotes: Anás, o sumo sacerdote, particularmente, auferia grandes lucros com seus pombais no Monte das Oliveiras. Os aluguéis dos cercados para ovelhas e gado e o lucro obtido com as pombas haviam levado os sacerdotes a sancionarem a incongruência de assim se transformar o próprio templo num barulhento mercado. Mas isso não era tudo. Os oleiros impingiam aos peregrinos seus pratos e fornos de barro para o cordeiro pascal; centenas de mercadores apregoavam seus artigos em altas vozes; armazéns de vinho, óleo, sal e tudo o mais que era necessário para os sacrifícios convidavam os fregueses; e, além disso, pessoas que cruzavam a cidade, com todos os tipos de carga, encurtavam caminho atravessando os terrenos do Templo. A estipulação sobre pagamento do tributo, requerido de todos, para a manutenção do Templo, aumentava a confusão. Em ambos os lados da porta leste do Templo, permitia-se havia muitas gerações, a colocação de bancas para troca de dinheiro. Desde o dia quinze do mês precedente, recebiam os cambistas permissão para montar suas bancas na cidade e, a partir do dia vinte e um — ou seja, vinte dias antes da Páscoa — para exercer seu comércio no próprio Templo. Compradores de materiais para ofertas pagavam o montante em bancas especiais, a um oficial do Templo, e recebiam um cheque de chumbo, com o qual retiravam o que haviam comprado com o vendedor. Além disso, trocavam-se grandes somas, para serem lançadas como ofertas voluntárias em uma das treze arcas que constituíam o tesouro do Templo. De todo judeu, por mais pobre que fosse, era requerido ainda o pagamento anual de meio siclo, para o resgate de sua alma e manutenção do Templo. Como isso não era recebido, senão num tipo de moeda nativa denominada siclo do Templo, que não era em geral corrente, os estrangeiros tinham que trocar dinheiro romano, grego ou oriental nas bancas dos cambistas, a fim de obter a moeda requerida. A troca facilmente dava margem à fraude, o que era bastante comum. Cobrava-se cinco por cento de taxa, mas isso era indefinidamente aumentado por truques e chicanas, em conseqüência do que a classe havia conquistado péssimo nome, ao ponto de, como os publicanos, seu testemunho não ser aceito em corte.”
Abordando o assunto da profanação, à qual os pátios do Templo tinham sido sujeitos pelos traficantes que operavam com permissão sacerdotal, Farrar (Life of Christ, pág. 152) apresenta o seguinte: “E esse era o pátio de entrada ao Templo do Altíssimo! O pátio que era um testemunho de que aquela casa devia ser uma Casa de Oração, para todas as nações, tinha sido rebaixado a um local que, pela sujeira, se assemelha mais a um matadouro e, pelo azafamado comércio, a um apinhado bazar, enquanto os mugidos de bois, os balidos de ovelhas, a Babel de muitas línguas, as discussões e regateios, e o tinido de moedas e balanças (talvez nem sempre exatas) podiam ser ouvidos nos pátios adjacentes, perturbando o canto dos levitas e preces dos sacerdotes.”
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O Servilismo dos judeus na presença de Jesus — O registro do feito de Jesus, libertando o pátio do templo daqueles que haviam transformado em mercado a Casa do Senhor, nada contém que sugira a inferência de que Ele empregou força sobre-humana ou mais que vigor viril. Jesus usou um chicote que Ele mesmo fez e expulsou a todos de diante de Si que fugiram desordenadamente. Não se diz que alguém tenha levantado qualquer protesto até depois de terminada a expulsão. Por que não teriam alguns, dentre a multidão, objetado? A submissão parece ter sido abjeta e servil em extremo. Farrar (Life of Christ, págs. 151, 152) levanta a questão e resolve-a com excelente raciocínio e em linhas eloqüentes: “Por que essa multidão de peregrinos ignorantes não resistiu? Por que esses cúpidos negociantes se contentaram com carregar o cenho e murmurar maldições, enquanto permitiam que seus bois e ovelhas fossem atirados à rua e eles próprios fossem expulsos, sendo seu dinheiro atirado ao chão por alguém então jovem e desconhecido e trajado como os desprezados galileus? Por que, da mesma forma podemos inquirir, permitiu Saul que Samuel o desafiasse na presença de seu próprio exército? Por que obedeceu Davi, abjetamente, às ordens de Joabe? Por que não se atreveu Acabe a prender Elias, o profeta, à porta da vinha de Nabote? Porque pecado é fraqueza; porque não existe no mundo nada mais abjeto que uma consciência culpada, nada tão invencível quanto o ímpeto arrebatador de uma indignação divina contra tudo o que é vil e iníquo. Como poderiam esses compradores e vendedores, reles sacrílegos, opor-se àquela acerba censura ou enfrentar o fulgor daqueles olhos, inflamados por uma santidade ultrajada? Quando Finéias, o sacerdote zeloso do Senhor dos Exércitos, atravessou os corpos do príncipe de Simeão e da mulher midianita com uma gloriosa investida de sua indignada lança, por que Israel culpada não vingou aquele formidável assassínio? Por que não se tornou, cada homem da tribo de Simeão, um Goel do destemido assassino? Porque o Vício não pode permanecer um só momento diante do braço erguido da Virtude. Embora vis e abjetos, esses judeus traficantes de dinheiro sentiram, na parte ainda não corroída de sua alma, que o Filho do Homem estava certo.
“Nem mesmo os sacerdotes, fariseus, escribas e levitas, devorados como estavam pelo orgulho e formalismo, ousariam condenar um ato, que poderia ter sido executado por um Neemias ou por um Judas Macabeu, e que se harmonizava com tudo o que havia de melhor e de mais puro em suas tradições. Mas, quando souberam de seu feito ou o testemunharam, e tiveram tempo para se recobrar do misto de admiração, desgosto e pasmo que o mesmo inspirara, vieram a Jesus, e conquanto não ousassem condenar o que havia feito, mas ainda semi-indignados, pediram-Lhe algum sinal de que tinha o direto de assim agir.”
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Respeito dos judeus pelo templo. — Os judeus professavam elevado respeito pelo templo. Uma declaração do Salvador, interpretada pelos conspiradores como uma calúnia contra o templo, foi usada contra Ele como uma das principais acusações, baseadas nas quais se exigiu a Sua morte. Quando os judeus clamaram por um sinal de Sua autoridade, Ele predisse Sua própria morte e subseqüente ressurreição, dizendo: “Derribai este templo, e em três dias o levantarei (João 2:19–22; ver também Mat. 26:61; 27:40; Marcos 14:58; 15:29). Eles, cegamente, consideraram estas palavras como uma alusão desrespeitosa a seu templo, uma estrutura erigida por mãos humanas, e recusaram-se a perdoar ou esquecer. Que essa veneração continuou após a crucificação de nosso Senhor é evidente por acusações levantadas contra Estêvão e ainda, posteriormente, contra Paulo. Em sua fúria assassina, o povo acusou Estevão de desrespeito para com o templo e apresentou falsas testemunhas que, perjurando, atestaram: “Este homem não cessa de proferir palavras blasfemas contra este santo lugar’. (Atos 6:13.) E Estevão foi contado entre os mártires. Quando se proclamou que Paulo trouxera consigo, aos recintos do templo, um gentio, a cidade toda se perturbou e a turba enfurecida arrancou Paulo do local, procurando matá-lo. (Atos 21:26–31.)”— A Casa do Senhor, págs. 60–61, do autor
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Alguns dos “príncipes” creram. — Nicodemos não foi o único dentre a classe governante a acreditar em Jesus; mas a respeito da maioria desses, nada sabemos que indique terem tido coragem suficiente para vir, mesmo à noite, formular perguntas independentes e pessoais. Eles temiam o resultado em perda de popularidade e posição. Lemos em João 12:42, 43 “Apesar de tudo, até muitos dos principais creram nele; mas não o confessavam por causa dos fariseus, para não serem expulsos da sinagoga. Porque amavam mais a glória dos homens do que a glória de Deus.” Note-se, também, o caso do escriba que propôs tornar-se discípulo professo, mas, provavelmente devido a algum grau de insinceridade ou indignidade, foi mais desencorajado que aprovado por Jesus. (Mat. 8:19, 20.)
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Nicodemos. — O curso seguido por esse homem evidencia, imediatamente, que ele realmente acreditava em Jesus como um enviado de Deus, e que sua crença falhou em desenvolver-se até uma condição de verdadeira fé que, se alcançada, poderia tê-lo conduzido a uma vida de devotado serviço à causa do Mestre. Quando, numa fase posterior àquela de sua entrevista com Cristo, os príncipes dos sacerdotes e os fariseus repreendiam os oficiais que tinham enviado para prender Jesus e que haviam retornado relatando seu fracasso, Nicodemos, membro do conselho, aventurou-se a protestar debilmente contra a determinação assassina dos principais, citando uma proposição geral na forma interrogativa: “Porventura condena a nossa lei um homem sem primeiro o ouvir e ter conhecimento do que faz?” Seus companheiros responderam-lhe com desdém e ele parece ter abandonado seu bem intencionado esforço (João 7:50–53; leiam-se os versículos precedentes 30–49). A seguir, ouvimos referência a ele, trazendo uma custosa contribuição em mirra e aloés — cerca de cem arráteis — para ser usada no sepultamento de Cristo, então crucificado; mas, mesmo nesse ato liberal e devoto, no qual sua sinceridade de propósito não pode ser questionada, havia sido precedido por José de Arimatéia, um homem de posição social, que, destemidamente, solicitara o corpo e lhe garantira um sepultamento reverente (João 19:38–42). Não obstante, Nicodemos fez mais que a maioria de seus companheiros crentes, dentre os nobres e graduados: e a ele seja dado todo o crédito: não lhe fajtará seu galardão.
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“Os judeus” ou “um judeu”.—Lemos que se levantoü uma questão entre alguns dos discípulos de João e os judeus com respeito à purificação (João 3:25). Tendo em mente que a expressão “judeus” é com freqüência empregada pelo autor do quarto Evangelho, para designar os oficiais ou príncipes do povo, pode-se interpretar a passagem citada como indicativa de que os discípulos de João estavam empenhados em discussão com os príncipes dos sacerdotes. E sustentado, contudo, pelos eruditos bíblicos em geral que “os judeus”, nesta passagem, é um erro de tradução e que as palavras verdadeiras seriam “um judeu”. A disputa com respeito à purificação parece ter sido suscitada entre alguns seguidores de João Batista e um só oponente; e a passagem, como aparece na versão do Rei Jaime da Bíblia, é um exemplo de Escritura de tradução incorreta.
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Amigo do Noivo. — O casamento judaico nos dias de Cristo requeria a escolha de um padrinho principal do noivo, que atendia a todos os preliminares e tratava dos preparativos para a festa do casamento em lugar do noivo. Ele era conhecido como o amigo do noivo. Quando os requisitos cerimoniais tinham sido satisfeitos e a noiva legal e formalmente dada a seu esposo, a alegria do amigo do noivo se cumpria, visto que seus deveres haviam sido desempenhados com sucesso. (João 3:29) Segundo Edersheim, (Life and Times of Jesus the Messiah, vol. 1, pág. 148), em conseqüência dos hábitos mais simples prevalecentes na Galiléia, o “amigo do noivo’ muitas vezes não era escolhido: e (págs. 663–4) a expressão “filhos das bodas” (Mat. 9:15: Mar. 2:19: Lucas 5:34, citações essas em que a expressão é empregada por Jesus) era aplicada coletivamente a todos os convidados de um esponsal. Diz ele: “como a instituição de ‘amigos do noivo’ prevalecia na Judéia, mas não na Galiléia, esta distinção entre ‘amigo do noivo’ nos lábios do judeu João e ‘filhos das bodas’ nos do galileu Jesus é em si mesma evidência de exatidão histórica.”
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A moeda do resgate.—No decurso do Êxodo, o Senhor requereu de todo o varão em Israel, de vinte anos de idade ou mais na época do recenseamento, o pagamento de um resgate, montando a meio siclo (Êxo. 30:12–16). Ver págs. 383 e 396 desta obra. Quanto ao emprego desse dinheiro, o Senhor assim orientou Moisés: “E tomarás o dinheiro das expiações dos filhos de Israel, e o darás ao serviço da tenda da congregação; e será para memória aos filhos de Israel diante do Senhor, para fazer expiação por vossas almas.” (Êxo. 30:16; ver também 38:25–31). Com o tempo, essa taxa de meio siclo, equivalente a um beca (Êxo. 38:26), veio a ser recolhida anualmente, embora não se tenha registro de autoridade escriturística para tal cobrança. Essa taxa não deve ser confundida com o dinheiro da redenção, montando a cinco siclos por varão primogênito, cujo pagamento isentava o indivíduo do serviço nos trabalhos do santuário. Em lugar dos varões primogênitos de todas as tribos, o Senhor designara os levitas para esse ministério especial; entretanto, continuava a considerar os varões primogênitos como particularmente Seus e requeria o pagamento de um resgate como sinal de sua redenção dos deveres de serviço exclusivo. Ver Êxo. 13:2, 13–15; Núm. 3:13, 40–51; 8:15–18; 18:15, 16; ver também págs. 92 e 93 desta obra.