1990–1999
“Um Menino Pequeno os Guiará”
April 1990


“Um Menino Pequeno os Guiará”

“Quando compreendemos exatamente quão preciosas são as crianças, não acharemos difícil seguir o padrão do Mestre em nossa associação com elas.”

Durante o ministério galileu de nosso Senhor e Salvador, os discípulos o procuraram, perguntando-lhe: “Quem é o maior no reino dos céus?

E Jesus, chamando um menino, o pôs no meio deles,

E disse: Em verdade vos digo que, se não vos converterdes e não vos fizerdes como meninos, de modo algum entrareis no reino dos céus.

E qualquer que receber em meu nome um menino tal como este, a mim me recebe.

Mas qualquer que escandalizar um destes pequeninos, que crêem em mim, melhor lhe fora que se lhe pendurasse ao pescoço uma mó de azenha, e se submergisse na profundeza do mar.” (Mateus 18:1–6.)

Recentemente, lendo o jornal, meus pensamentos voltaram-se para esta passagem e a firme candura da declaração do Salvador. Numa das colunas do jornal, li a respeito da batalha entre mãe e pai pela custódia de uma criança. Eram acusações, ameaças e demonstrações de raiva com os pais indo de lá para cá no cenário internacional, levando a criança furtivamente de um continente para outro.

Um segundo caso falava de um rapazinho de doze anos que fora espancado e incendiado por recusar tomar drogas por ordem de um valentão da vizinhança. Hospitalizado, seu estado continua crítico.

Uma terceira notícia era de um pai que molestara sexualmente seu filho pequeno.

São casos denunciados de abuso infantil. Existem muitos mais que nunca são comunicados, mas igualmente graves. Um médico falou-me do grande número de crianças que aparecem no pronto-socorro dos hospitais locais de vossa cidade e da minha. Muitas vezes, os pais culpados contam histórias fantásticas de como a criança caiu do cadeirão ou tropeçou num brinquedo e bateu a cabeça. Mesmo assim, descobre-se freqüentemente que um dos pais foi o agressor e a inocente criança, a vítima. Vergonha para os autores desses atos desprezíveis. Deus os responsabilizará severamente por suas ações.

O Presidente Ezra Taft Benson é um exemplo de verdadeiro amor a esses pequeninos. Observar esses pequenos juntar-se ao lado dele, estender a mãozinha para ele ou beijar-lhe o rosto, é ver o amor que os adultos deveriam ter pelas crianças. Na presença do Presidente Benson ninguém se refere a uma criança como “garoto”. A correção é direta e imediata. Um embaixador visitante de outro país cometeu sem querer esse deslize, e foi corrigido com amor.

Quando entendermos quão preciosas são as crianças, não acharemos difícil seguir o padrão do Mestre em nossa associação com elas. Não faz muito tempo, aconteceu uma cena comovente no Templo de Lago Salgado. Crianças, até o momento cuidadas com todo o carinho por fiéis oficiantes no berçário do templo, estavam agora partindo nos braços de seus pais. Uma delas, voltando-se para as irmãs que tinham sido tão gentis com elas, extravasou seu coração com um acenar de braço, dizendo: “Boa noite, anjos.”

O poeta descreveu a criança, ainda recentemente junto do Pai Celeste, como “uma nova e doce flor da humanidade, recém-caída do próprio lar de Deus para florescer na terra”.

Quem não deu graças a Deus e se maravilhou com seus poderes, tendo um bebê nos braços? Aquela mãozinha, tão minúscula mas tão perfeita, torna-se instantaneamente o tópico de conversa. Ninguém resiste ao impulso de meter o dedo na mão fechada de um bebê. Os lábios se abrem num sorriso, os olhos começam a brilhar e passa-se a apreciar a emoção que induziu o poeta a escrever estes versos:

Nosso nascer não passa de sono, esquecimento:

A alma que surge conosco, estrela da vida,

Teve algures o seu ocaso

E de longe ela vem;

Não em pleno olvido,

Nem em total nudez,

Mas trilhando nuvens de glória

Nós viemos de Deus

Que é o nosso lar.

(William Wordsworth, “Ode: Intimations of Immortality from Recollections of Early Childhood.”)

Quando os discípulos de Jesus tentaram impedir as crianças de se aproximarem do Senhor, ele declarou:

“Deixai vir a mim os meninos, e não os impeçais; porque dos tais é o reino de Deus.

Em verdade vos digo que qualquer que não receber o reino de Deus como menino de maneira nenhuma entrará nele.

E, tomando-os nos seus braços, e impondo-lhes as mãos, os abençoou.” (Marcos 10:14–16.)

Que padrão magnífico para ser seguido!

Meu coração aqueceu-se dentro de mim quando a Primeira Presidência aprovou a dotação de soma substancial de vossas ofertas especiais de jejum para integrar os fundos do Rotary Internacional, a fim de prover vacinas anti-pólio para as crianças do Quênia para que sejam imunizadas contra esse insidioso aleijador e matador de crianças.

Sou grato a Deus pelo trabalho de nossos médicos que, por algum tempo, abandonam suas clínicas particulares e viajam para terras distantes para atenderem crianças. Fendas palatinas e outras deformidades que deixariam a criança fisicamente prejudicada e psicologicamente afetada são reparadas com perícia. O desespero dá lugar à esperança. Gratidão substitui o pesar. Essas crianças podem agora olhar-se no espelho e maravilhar-se diante de um milagre em sua própria vida.

Numa reunião recente, falei de um dentista de minha ala que todos os anos visita as Filipinas para trabalhar graciosamente na correção de defeitos dentários de crianças. Voltam os sorrisos, o espírito se eleva e o futuro se anima. Eu não sabia que a filha desse dentista estava presente na congregação à qual eu dirigia minhas palavras. Ao concluir meus comentários, ela veio à frente e, com um largo sorriso, disse: “O senhor esteve falando de meu pai. Como eu o amo, e como me deixa feliz o.que ele está fazendo pelas crianças!”

Nas remotas ilhas do Pacífico, centenas de pessoas que eram quase cegas, agora enxergam porque um missionário disse ao seu cunhado médico: “Deixe sua rica clientela e o conforto de seu suntuoso lar, e venha ver estas crianças especiais de Deus que necessitam de sua perícia e precisam dela agora.” O oftalmologista correspondeu sem olhar para trás. Hoje ele comenta calmamente que essa visita foi o melhor serviço que já prestou, e a paz que sentiu no coração é a maior bênção de sua vida.

Meus olhos marejam facilmente quando leio sobre um pai que doou um de seus rins na esperança de que o filho pudesse ter uma vida mais abundante. Ajoelho-me à noite e acrescento minha oração de fé em favor de uma mãe de nossa comunidade que viajou para Chicago a fim de doar parte de seu fígado para a filha, numa operação delicada e potencialmente perigosa. Ela, que já passou pelo vale das sombras da morte para trazer essa filha para a mortalidade, novamente colocou-se nas mãos de Deus e arriscou a própria vida pela filha. Jamais uma queixa, e sempre um coração disposto e uma oração de fé.

Retornando da Romênia, o Élder Russell M. Nelson compartilhou conosco a situação aflitiva das crianças órfãs naquele país — umas trinta mil só na cidade de Bucareste. Ele visitou um desses orfanatos e providenciou que a Igreja fornecesse vacinas, pensos médicos e outros suprimentos urgentemente necessários. Serão procurados e chamados alguns casais para cumprir missão especial entre essas crianças. Não consigo pensar em serviço mais cristão do que ter nos braços uma criança sem mãe ou tomar um menino sem pai pela mão.

Nós, porém, não precisamos ser chamados ao serviço missionário para abençoar a vida de crianças. As oportunidades são ilimitadas. Existem por toda a parte, às vezes muito perto de nossa casa.

No verão passado recebi carta de uma irmã que acabara de emergir de um longo período de inatividade. Tem grande desejo de que o marido, que não é membro da Igreja, compartilhe a alegria que ela sente agora.

Ela contou uma viagem que ela, o marido e os três filhos fizeram à casa da avó, em Idaho. Ao passarem pela Cidade do Lago Salgado, sentiram-se atraídos pela mensagem de um cartaz, convidando-os para visitar a Praça do Templo. Bob, o marido não-membro, achou que tal visita seria agradável. A família entrou no centro de visitantes e o pai levou dois filhos a subirem a rampa que um deles chamou de “rampa para o céu”. A mãe e o pequeno Tyler, de três anos, estavam atrasados, tendo parado para apreciar as lindas pinturas de parede. Ao se aproximarem da magnífica escultura de Cristo, de Thorvaldsen, o pequeno Tyler soltou-se da mão materna e correu para junto da base da estátua, gritando: “É Jesus! É Jesus!” Quando a mãe tentou segurar o filho, Tyler olhou para trás, para ela e o pai, e disse: “Não se preocupe. Ele gosta de crianças.”

Depois de deixarem o centro e retomarem a viagem para a casa da avó, Tyler passou para o banco da frente ao lado do pai. Este perguntou-lhe do que mais gostara na “aventura” pela Praça do Templo. Sorrindo-lhe, Tyler respondeu:

— Jesus.

— Como é que você sabe que Jesus gosta de você, Tyler?

Muito sério, Tyler ergueu os olhos para o pai e respondeu: — Pai, você não viu seu rosto?

Não era preciso dizer mais nada.

Lendo esse relato, pensei numa declaração do livro de Isaías: “E um menino pequeno os guiará.” (Isaías 11:6.)

A letra de um hino da Primária expressa o que sente um coração de criança:

Conta-me histórias de Cristo, eu quero ouvir

Belas histórias de quando andou aqui

Cenas passadas em terra ou mar

Coisas de Cristo vem me contar.

Conta-me como as crianças ele amou

Para que eu tenha esperança em seu amor

Meigas palavras, graça sem par

Do amor de Cristo, vem me contar. (Cante Comigo, B-46.)

Não sei de passagem mais comovente nas escrituras do que o relato de como Jesus abençoou as crianças, registrado em 3 Néfi. O Mestre falou, emocionando, a grande multidão de homens, mulheres e crianças. Depois, reagindo à sua fé e desejo de que se demorasse mais, convidou-os a lhe trazerem os coxos, cegos e enfermos, para que os curasse. Eles alegremente acederam a esse convite. O registro conta que “ele os curou a todos”. (3 Néfi 17:9.) Seguiu-se então sua poderosa oração ao Pai. A multidão testificou: “Os olhos jamais viram e os ouvidos jamais ouviram até agora coisas tão grandes e maravilhosas como as que vimos e ouvimos Jesus dizer ao Pai.” (Vers. 16.)

Concluindo esse magnífico evento, Jesus “chorou… e tomou das criancinhas, uma a uma, abençoou-as e rogou por elas ao Pai…

E, dirigindo-se à multidão, disse: Olhai para vossas criancinhas.

E, ao levantar a vista, dirigiram o olhar ao céu; e viram que se abriam os céus e deles desciam anjos…; e os anjos desceram e circundaram aqueles pequeninos…; e anjos lhes ministraram.” (Vers. 21, 23–24.)

Sempre pondero mentalmente a frase: “Qualquer que não receber o reino de Deus como menino de maneira nenhuma entrará nele.” (Marcos 10:15.)

Um que cumpriu na vida esta admoestação do Salvador foi um missionário, Thomas Michael Wilson. Ele é filho de Willie e Julia Wilson, Rota 2, Caixa 12, Lafayette, Alabama. O élder Wilson completou sua missão terrena em 13 de janeiro de 1990. Quando adolescente, ele e sua família não eram ainda membros da Igreja e foi acometido de câncer, seguido de penosa radioterapia e, depois, bendita convalescença. Sua doença levou a família a compreender não só a preciosidade da vida, mas também que ela pode ser curta, e voltou-se para a religião a fim de que os ajudasse a vencer esse tempo de tribulação. Depois conheceram a Igreja e foram batizados. Tendo aceitado o evangelho, o jovem irmão Wilson ansiava pela oportunidade de cumprir missão. Recebeu o chamado para servir na Missão da Cidade do Lago Salgado Utah. Que privilégio representar a família e o Senhor como um missionário!

Os companheiros missionários do élder Wilson descrevem sua fé como sendo igual à de uma criança — sem dúvidas, inabalável, resoluta. Era um exemplo para todos. Depois de onze meses, sua doença voltou a manifestar-se. O câncer ósseo exigiu a amputação de seu braço e ombro. Mesmo assim persistiu em seu labor missionário.

Sua coragem e absorvente desejo de continuar na missão comoveu a tal ponto o pai não-membro, que ele pesquisou os ensinamentos da Igreja e tornou-se membro também.

Um telefonema anônimo chamou minha atenção para a luta do élder Wilson. A pessoa não quis dar o nome e disse que nunca antes telefonara para uma autoridade geral. Contudo, comentou: “É raro encontrar-se alguém do calibre do élder Wilson.”

Soube que uma pesquisadora que fora ensinada pelo élder Wilson e batizada no batistério da Praça do Templo, quis ser confirmada por ele, a quem tanto respeitava. Então, em companhia de alguns outros, dirigiu-se ao hospital em que estava o élder Wilson. Ali, com a mão que lhe restava sobre sua cabeça, o élder Wilson confirmou-a membro de A Igreja de Jesus Cristo dos Santos dos Últimos Dias.

Mês após mês, o élder Wilson continuou seu precioso mas penoso, serviço missionário. Bênçãos foram dadas, preces oferecidas. O espírito de seus companheiros de missão se edificou. Tinham o coração transbordante. Viviam mais perto de Deus.

A condição física do élder Wilson foi-se deteriorando. O fim se aproximava. Devia voltar para casa. Então pediu para servir só mais um mês. Que mês! Qual criança confiando implicitamente em seus pais, o élder Wilson colocou sua confiança em Deus. Aquele em quem Thomas Michael Wilson confiava abriu-lhe as janelas dos céus abençoando-o abundantemente. Os pais, Willie e Julia Wilson, e seu irmão Tony vieram à Cidade do Lago Salgado a fim de levarem o filho e irmão para o Alabama. Entretanto, faltava ainda receber uma bênção muito almejada. A família convidou-me a acompanhá-los ao Templo de Jordan River, onde foram realizadas as sagradas ordenanças que unem as famílias tanto para o tempo e a eternidade.

Despedi-me da família Wilson. Ainda vejo o élder Wilson quando me agradeceu por estar com ele e seus entes queridos, dizendo: “Não importa o que nos aconteça nesta vida, contanto que tenhamos o Evangelho de Jesus Cristo e o vivamos.” Que coragem! Que confiança! Que amor! A família Wilson fez a longa jornada daqui para Lafayette, onde o élder Thomas Michael Wilson passou suavemente daqui para a eternidade.

Os serviços fúnebres foram presididos pelo presidente Kevin K. Meadows, presidente de ramo do élder Wilson. Os termos da carta que me enviou, eu compartilho convosco: “No dia do funeral, expressei à família os sentimentos que o senhor, Presidente Monson, me transmitiu. Recordei-lhes o que o élder Wilson lhe dissera naquele dia no templo, que, para ele, não importava ensinar o evangelho neste ou no outro lado do véu, contanto que pudesse fazê-lo. Transmiti-lhes as palavras inspiradas que o senhor forneceu, baseadas nos escritos do Presidente Joseph F. Smith — que o élder Wilson terminara sua missão terrena e que ele, como todos ‘os élderes fiéis desta dispensação, quando deixam a vida mortal, continuam os seus labores de pregação do evangelho de arrependimento e redenção, através do sacrifício do Filho Unigénito de Deus, entre aqueles que estão nas trevas e sob a escravidão do pecado no grande mundo dos espíritos dos mortos’. (D&C 138:57.) O espírito testificou que era este o caso. Elder Thomas Michael Wilson foi sepultado levando, no devido lugar, seu crachá de missionário.”

Quando os pais do élder Wilson visitam o cemitério rural e colocam flores de recordação na sepultura do filho, certamente lembram-se do dia em que ele nasceu, do orgulho que sentiram e de sua genuína alegria. O pequeno infante de que se lembrarão tornou-se o poderoso homem que mais tarde proporcionou-lhes a oportunidade de alcançarem a glória celestial. Talvez nessas peregrinações, quando as emoções emergem e não se podem evitar as lágrimas, agradecerão de novo a Deus pelo filho missionário, que nunca perdeu a fé de uma criança, e então ponderarão, em seus corações, as palavras do Mestre: “E um menino pequeno os guiará.” (Isaías 11:6.)

Então paz será a sua bênção. E será a nossa bênção também, ao nos lembrarmos e seguirmos o Príncipe da Paz. Que assim seja é minha sincera oração em ’nome de Jesus Cristo, amém.