1990–1999
A Gratidão – um Princípio salvador
April 1990


A Gratidão – um Princípio salvador

“Um coração grato é o princípio da grandeza. É uma expressão de humildade, É o alicerce para o desenvolvimento de virtudes como oração, a fé, a coragem, a satisfação, a felicidade, o amor e o bem-estar, ”

Nos momentos de encerramento desta conferência, venho a este púlpito para falar sobre a gratidão como uma expressão de fé e como princípio de salvação. Disse o Senhor: “E em nada ofende o homem a Deus, ou contra ninguém está acesa a sua ira, a não ser contra os que não confessam a sua mão em todas as coisas, e não obedecemos seus mandamentos.” (D&C 59:21.) Esta escritura deixa claro para mim que ser grato ao Senhor “em todas as coisas” (D&C 59:7) é mais que uma cortesia social; é um mandamento imperativo.

Uma das vantagens de se viver muito tempo, é que podemos lembrar-nos de momentos piores. Sou grato por ter vivido o suficiente para conhecer algumas bênçãos da adversidade. Minha memória remonta aos tempos da Grande Crise quando se gravaram certos valores em nossa alma. Um desses foi a gratidão pelo que tínhamos, porque era tão pouco. A Grande Crise dos Estados Unidos, no começo da década de trinta, foi um terrível mestre. Tivemos que aprender a viver com previdência para sobreviver. Em lugar de suscitar em nós um espírito de inveja ou raiva pelo que não tínhamos, criou em muitos um espírito de gratidão pelas parcas, simples coisas com que éramos abençoados, como pão quentinho feito em casa, mingau de aveia e outras coisas tais.

Como outro exemplo lembro-me de minha querida avó, Mary Caroline Roper Finlinson, fabricando sabão caseiro na fazenda. Sua receita incluía gordura animal derretida, uma pequena porção de soda, como solvente, e cinzas de lenha como abrasivo. O sabão tinha um cheiro muito forte e era quase tão duro quanto pedra. Não havia dinheiro para comprar sabão macio e perfumado. Na fazenda sempre havia muita roupa suja de terra e suor para lavar, e muitos corpos desesperadamente necessitados de um bom banho no sábado à noite. Tomando banho com aquele sabão caseiro, ficávamos maravilhosamente limpos, mas cheirando pior do que antes do banho. Como agora eu uso mais sabão do que em criança, sinto um profundo apreço diário por sabonetes suaves e perfumados.

Um dos males de nossa época é considerar naturais tantas das coisas que usufruímos. Isto foi dito pelo Senhor: “Se um dom é conferido a um homem, de que proveito é se ele não o aceita?” (D&C 88:33.) O Apóstolo Paulo descreveu nossos dias a Timóteo, dizendo-lhe que nos últimos dias haveria “homens amantes de si mesmos, avarentos, presunçosos, soberbos, blasfemos, desobedientes a pais e mães, ingratos, profanos”. (II Timóteo 3:2.) Esses pecados andam sempre juntos e a ingratidão nos torna suscetíveis a todos eles.

O caso do samaritano agradecido tem um grande significado. Passando pela Samaria e Galiléia, o Salvador entrou em “certa aldeia (e) saíram-lhe ao encontro dez homens leprosos” que “levantaram a voz dizendo: Jesus, Mestre, tem misericórdia de nós”. Jesus ordenou-lhes que se apresentassem aos sacerdotes.

“E aconteceu que, indo eles, ficaram limpos.

E um deles, vendo que estava são, voltou glorificando a Deus em alta voz:

E caiu aos seus pés, …dando-lhe graças: e este era samaritano.

E, respondendo Jesus, disse: Não foram dez os limpos? E onde estão os nove?

Não houve quem voltasse para dar glória a Deus senão este estrangeiro?

E disse-lhe: Levanta-te, e vai; a tua fé te salvou.” (Lucas 17:12–19.)

A lepra era uma doença tão terrível, que não era permitido, por lei, que as pessoas contaminadas se aproximassem de Jesus. Os que sofriam desse terrível mal eram obrigados a sofrer juntos, compartilhando sua miséria comum. (Vide Levítico 13:45–46.) Seu desesperado apelo: “Jesus, Mestre, tem misericórdia de nós” deve ter comovido o coração do Salvador. Quando ficaram curados e haviam recebido a aprovação dos sacerdotes, dizendo que estavam limpos e eram aceitáveis na sociedade, devem ter sido tomados de alegria e assombro. Tendo sido alvo de tão grande milagre, pareciam totalmente satisfeitos, esquecendo-se de seu benfeitor. É difícil entender como podiam ser tão ingratos. Tal ingratidão é egocêntrica. É uma forma de orgulho. Por que é importante que o único que tenha voltado para agradecer fosse um samaritano? Como na parábola do bom samaritano, o ponto parece ser que as pessoas de condição social ou econômica mais humilde, muitas vezes têm maior senso de dever e nobreza.

Além da gratidão pessoal como princípio salvador, gostaria de externar o senso de gratidão que devemos ter pelas muitas bênçãos que recebemos.

Aqueles que ingressaram na Igreja, nesta geração, tornaram-se companheiros de muitas pessoas que possuem um grande legado de sofrimento e sacrifício. Tal sacrifício torna-se também vosso legado, pois é a herança de um povo que tem falhas e imperfeições, mas que possui uma grande nobreza de propósito. Este propósito é ajudar a humanidade inteira a saber quem é e promover o amor ao próximo, assim como a determinação de guardar os mandamentos de Deus. Este é o santo chamado do evangelho. É a essência de nosso culto.

Sem dúvida, precisamos estar informados dos acontecimentos do mundo. Mas a comunicação moderna traz para nossos lares uma estrondosa torrente de violência e miséria da raça humana, no mundo inteiro. Chega uma hora em que precisamos encontrar alguma tranqüila renovação espiritual.

Reconheço, com muita gratidão, a paz e a satisfação que podemos encontrar pessoalmente no casulo espiritual de nossos lares, nossas reuniões sacramentais e nosso sagrado templo. Nesses ambientes pacíficos, nossa alma repousa. Temos a sensação de estar de volta em casa.

Faz algum tempo, estivemos no reino de Tonga. O Presidente Muti organizou uma noite familiar com música e mensagens faladas, no centro de estaca. Essa noite familiar era em honra a Sua Majestade o Rei Tupo IV, o monarca reinante de Tonga. O rei, sua filha e netas compareceram gentilmente, assim como muitos dos nobres e representantes diplomáticos em Tonga. Nossos membros apresentaram um excelente programa de canto e poesia. Uma das netas do rei cantou uma música intitulada “Como Eu Amo Meu Avô”. O Élder John Sonnenberg e eu fomos convidados a falar brevemente, o que fizemos com prazer.

Terminado o programa, o rei, ignorando o costumeiro protocolo real, veio cumprimentar-nos e a nossas esposas, como prova de apreço pelo desempenho de seus súditos que são membros da Igreja. O protocolo social é observado em muitos lugares, mas a expressão de bondade é universalmente apropriada.

Parece que existe como que um cabo-de-guerra entre traços de caráter opostos, que não deixa vazios em nossa alma. Quando não há gratidão, ou ela desaparece, muitas vezes a rebeldia preenche o vácuo. Não estou falando de rebelião contra opressão civil. Refiro-me à rebelião contra pureza moral, beleza, decência, honestidade, reverência e respeito pela autoridade dos pais.

Um coração grato é o princípio da grandeza, é uma expressão de humildade. É o alicerce para o desenvolvimento de virtudes como a oração , a fé, a coragem, a satisfação, a felicidade, o amor e o bem-estar.

Mas existe uma verdade associada a todo tipo de qualidade humana: “Use-a ou perca-a.” Quando não são usados, os músculos enfraquecem, aptidões se deterioram e a fé desaparece. O Presidente Thomas S. Monson diz: “Pensa em agradecer. Estas três palavras encerram o melhor curso em cápsula para um casamento feliz, uma fórmula para a amizade duradoura e um padrão para a felicidade pessoal.” (Pathways to Perfection, Salt Lake City: Deseret Book Co., 1973, p. 254.) Diz o Senhor: “E aquele que com ações de graça, receber todas as coisas, será feito glorioso; e as coisas desta terra ser-lhe-ão dadas, mesmo centuplicadas, sim, até mais.” (D&C 78:19.)

Sou grato pelas pessoas na terra que amam e apreciam crianças pequenas. No ano passado encontrava-me, tarde da noite, num vôo repleto de passageiros, indo da Cidade do México para Culiacan. Os assentos do avião eram apertados, todos os lugares estavam tomados, principalmente por gentis mexicanos. Por toda a parte, no interior do avião, havia pacotes e bagagens de mão, de todos os tamanhos.

Nisto entrou no avião uma jovem mãe com quatro crianças pequenas; a maior parecia ter quatro anos e a menor era recém-nascida. Além disso ela procurava arranjar-se ainda com uma sacola de fraldas, um carrinho de bebê e algumas maletas. As crianças estavam cansadas, choramingando e alvoroçadas. Quando encontrou os lugares no avião, os passageiros vizinhos, tanto homens como mulheres, precipitaram-se literalmente em seu socorro. Logo as crianças estavam sendo carinhosamente cuidadas e bondosamente consoladas pelos passageiros, passando de colo em colo por todo o avião.

O resultado foi um avião cheio de babás. As crianças se acomodaram nos braços que as acarinhavam e pouco depois estavam dormindo. O mais notável foi que alguns homens, obviamente pais e avós, carinhosamente pegaram e acariciaram o recémnascido sem nenhum sinal de falso orgulho masculino. A mãe não precisou cuidar das crianças a maior parte do vôo.

A única coisa de que não gostei foi que ninguém me passou o bebê! Aprendi de novo que apreço, consideração e bondade para com crianças pequenas é uma expressão do amor que lhes tem o Salvador.

Como poderemos pagar nossa dívida de gratidão pelo legado de fé demonstrado pelos pioneiros em muitas terras do mundo, que batalharam e se sacrificaram para que o evangelho criasse raízes? Como se expressa gratidão pelos intrépidos pioneiros dos carrinhos-de-mão que, com a própria força bruta, trouxeram seus parcos pertences através das planícies tórridas e pela neve dos altos desfiladeiros das montanhas para escapar à perseguição e adorar em paz nestes vales? Como pode a dívida de gratidão ser paga pelos descendentes das companhias Martin e Willie e outras, pela fé dos antepassados?

Uma dessas almas intrépidas foi Emma Batchelor, jovem inglesa viajando sem família. Ela partiu com a companhia Willie de carros-de-mão, mas quando chegaram ao Forte Laramie, receberam ordens de aliviar a carga. Emma devia deixar para trás o caldeirão de cobre no qual carregava todos os seus pertences.

Recusando-se a fazê-lo, colocou à beira do caminho e sentou-se nele. Sabia que a companhia Martin passaria ali alguns dias mais tarde. Ela tivera o privilégio de partir com a companhia Willie, e quando chegou a companhia Martin, juntou-se à família de Paul Gourley.

Um dos jovens filhos escreveu, anos depois: “Ali juntou-se a nós a irmã Emma Batchelor. Ficamos contentes em tê-la conosco pois era jovem e forte, e significava mais farinha de trigo para nossa ração.” Foi ali que a irmã Gourley deu à luz um filho, e Emma fez as vezes de parteira, colocando mãe e filho no carro por dois dias, e ajudando a puxá-lo.

As pessoas da companhia Martin, que morreram, foram misericordiosamente poupadas do sofrimento enfrentado por outros, que tiveram os pés, orelhas, nariz ou dedos congelados, ficando mutilados para o resto da vida. Emma, então com vinte e um anos, foi uma das afortunadas. Passou pela provação sem seqüelas.

Um ano mais tarde conheceu Brigham Young, que se surpreendeu ao ver que não ficara mutilada, e ela lhe disse: “Irmão Brigham, eu não tinha ninguém para cuidar de mim ou preocuparse comigo, assim, decidi cuidar de mim mesma. Fui uma das que reclamou quando o irmão Savage nos advertiu (a não ir). Estava errada, mas tentei compensar meu erro. Fiz a minha parte, puxando o carro todos os dias. Quando chegávamos a um rio, eu parava, tirava os sapatos, as meias e a sobre-saia, e colocava em cima do carro. Depois de passar o carro, eu voltava e levava o pequeno Paul nas costas, para o outro lado. Então me sentava e esfregava fortemente os pés com meu cachecol de lã, e calçava as meias e os sapatos enxutos.”

Os descendentes desses pioneiros poderão pagar parcialmente a dívida, sendo fiéis à causa pela qual seus antepassados tanto sofreram.

Como acontece com todos os mandamentos, gratidão é a descrição de uma forma de vida bem sucedida. O coração grato abre-nos os olhos para uma multidão de bênçãos que nos rodeiam continuamente. Disse o Presidente J. Reuben Clark: “Apegai-vos às bênçãos com que Deus vos proveu. Vossa tarefa não é obtê-las, elas estão aqui; vossa parte é apreciá-las.” (Church News, 14 de junho de 1969, p. 2.) Chegando ao fim desta grandiosa conferência, espero que cultivemos um coração grato para apreciarmos a multidão de bênçãos que Deus tão bondosamente nos concedeu. Externemos abertamente essa gratidão ao Pai Celestial e a nossos semelhantes. Em nome de Jesus Cristo, amém.