1990–1999
Jamais só
April 1991


Jamais só

“Que poder, que ternura e que compaixão demonstrou nosso Mestre e Exemplo! Nós também podemos abençoar a vida de outros se seguirmos seu nobre exemplo.”

Este domingo foi designado como dia de ação de graças, dia de gratidão — um dia de oração. Façamos uma pausa, ponderemos e reflitamos nas bênçãos que o onisciente Pai Celestial concedeu a nós, seus filhos, trazendo paz ao campo de batalha e consolo aos corações de tantas pessoas, neste maravilhoso mundo em que vivemos e chamamos de nosso lar.

Hoje, joelhos se dobram, sinos repicam, corações transbordam e vozes proclamam a gloriosa mensagem: “Graças a Deus”. Nos Estados Unidos da América, uma nação e um presidente agradecidos expressarão os sentimentos ternos de todos, no mundo, que saudaram a paz.

Quem de nos esquecerá um dia as imagens vívidas de maridos e pais despedindo-se de esposas em pranto e de filhos confusos, retratadas nas despedidas afetuosas que dominaram a imprensa falada e escrita. Os filhos choraram sem saber o motivo. As esposas choraram porque sabiam do perigo, da solidão e do medo que enfrentariam.

Com um aceno de mão e um sorriso um tanto forçado, homens e mulheres das Forças Armadas partiram para a guerra. Suas despedidas ainda hoje ecoam a convicção de seus corações: “Amo o meu país”, “Sirvo com orgulho”, “Volto logo”, “Não se preocupem”.

Como, porém, não se preocupar? O ataque constante não só de bombas e mísseis, mas também da imprensa e televisão provocavam a dúvida constante: “Será que o piloto atingido foi meu marido?” “Teria sido o meu filho o navegador capturado?”

Em seu poema clássico, “O Portal do Ano”, a poetisa M. Louise Haskins resumiu os sentimentos de todos os afetados pelo conflito e preocupados com a segurança de entes queridos. De sua pena saem estas linhas consoladoras:

E disse ao homem no portal do ano:“Concede-me uma luz, para que possa caminhar seguro para o desconhecido.”

E ele replicou: “Segue pela escuridão e põe tua mão na mão de Deus. Há de ser para ti melhor do que luz e mais seguro que a senda conhecida.” (Masterpieces of Religious Verse, ed. James Dalton Morrison, Nova York: Harper and Brothers, 1948, p. 92.)

Finalmente os canhões silenciaram. Os aviões não levantaram vôo. O patrulhamento cessou. Uma calma serena dominou o campo de batalha. O alarido da guerra deu lugar ao silêncio da paz.

Uma cena nas areias cruéis do deserto e uma frase saída do coração, disseram muito. Um soldado americano, olhando para seu prisioneiro derrotado, tocou-lhe o ombro e, com palavras consoladoras, exclamou: “Tudo bem; está tudo bem.”

Toda pessoa envolvida no conflito tinha a mente voltada para o lar, a família e os amigos. A saudade dos entes queridos se manifestava vivamente no semblante de todos. O amor substituiu o ódio. O calor humano invadiu cada coração e a compaixão transbordou de cada alma.

As palavras do Rei Artur, do conhecido musical Camelot, de Lerner e Loewe, deixaram o palco e encontraram profundo sentido num deserto distante: “Violência não é força, e compaixão não é fraqueza.”

O relato de uma volta ao lar, narrado por um diretor de prisão bem-sucedido, Kenyon J. Scudder, traz à tona ternos sentimentos:

Um amigo dele estava sentado no banco de um trem, ao lado de um rapaz que obviamente estava deprimido. O rapaz acabou contando que estava em liberdade condicional, e que voltava de uma penitenciária distante. Sua prisão causara vergonha à família, que nunca o visitara e poucas vezes lhe escrevera, mas, tinha esperança de que fosse por serem pobres demais para viajar e pouco instruídos para escrever. Esperava, apesar da evidência, que o tivessem perdoado.

Para facilitar as coisas, entretanto, ele lhes escrevera, pedindo que lhe dessem um sinal quando o trem passasse por sua fazendola, nos arredores da cidade. Se a família o tivesse perdoado, deveria amarrar uma fita branca na grande macieira que ficava perto da linha do trem. Se não desejassem seu retorno, não deveriam fazer nada, e ele seguiria viagem no trem.

Quando o trem se aproximava de sua cidade natal, sua tensão era tamanha que ele nem podia olhar pela janela. Ele exclamou: “Daqui a cinco minutos o maquinista vai tocar o apito, indicando que estamos perto da longa curva que leva ao vale onde fica minha casa. O senhor poderia prestar atenção à macieira que fica perto dos trilhos?” O companheiro concordou, e eles trocaram de lugar. Os minutos pareciam horas, mas finalmente ouviu-se o som agudo do apito do trem. O rapaz perguntou: “Está vendo a árvore? Tem uma fita branca?”

A resposta foi: “Vejo a árvore, e não vejo uma fita branca, mas muitas. Cada ramo tem uma fita amarrada. Filho, alguém com certeza deve amá-lo muito.”

Naquele instante, toda a amargura que lhe envenenara a vida desapareceu. “Senti-me como se tivesse presenciado um milagre”, disse o outro homem. Na verdade, ele testemunhara um milagre. (John Kord Lagemann, The Reader’s Digest, março de 1961, pp. 41-42.)

Hoje, uma fita amarela tomou o lugar da branca. A mensagem, no entanto, é a mesma: “Bem-vindos ao lar!” Homens, mulheres e crianças estão amarrando fitas amarelas por toda a parte. Estão sendo atadas não só em árvores, mas em postes de luz, placas de rua e caixas de correio — até no pescoço de animais de estimação. A procura de fitas amarelas é tanta que, mesmo trabalhando sem parar, os fornecedores não podem atender a demanda. Uma fita amarela típica foi aquela colocada em volta de um avião que, com segurança, transportava soldados de volta para casa. Presumo que todos os que, amorosamente, amarraram uma fita amarela, devam ter entoado, cantado ou pelo menos pensado na letra da canção sobre uma fita amarela atada a um velho carvalho.

Na cena calorosa e comovente de aeroporto, onde a família esperava o pai e marido, sorrisos e lágrimas de gratidão eram evidentes no rosto de todos. Meus olhos notaram a expressão de um menino que segurava uma vareta com uma fita amarela atada à ponta. As palavras não podem expressar as emoções sentidas. São as boas-vindas do coração que trazem lágrimas aos olhos e paz à alma.

As crianças sabem sentir compaixão. Não têm medo de expressar seus sentimentos mais sinceros. No conhecido filme Esqueceram de Mim, há uma cena emocionante, que afeta profundamente o espectador e o deixa com um nó na garganta. A cena se passa no interior de uma capela, durante o Natal. Dois personagens solitários estão sentados um ao lado do outro, num banco de igreja. O homem mais idoso, que vive só, está separado da família e não tem amigos. Seu vizinho, interpretado por McCaulay Culkin, é o menino que a família “esquecera em casa”, inadvertidamente, ao partir em férias para a Europa.

O menino pergunta ao homem solitário onde estão seus familiares. O cavalheiro explica calmamente que ele, o filho e a família do filho seguem caminhos diferentes e não se comunicam mais. Com a inocência de criança, o menino repentinamente exclama: “Por que o senhor não telefona a seu filho, pede desculpas e o convida para passar o Natal em casa?”

O velho suspira e responde: “Tenho muito medo que ele recuse.” O pavor de fracassar bloqueara-lhe a capacidade de expressar amor e pedir desculpas.

O espectador fica sem saber o resultado da conversa, mas não por muito tempo. Chega o Natal. A família do menino volta. Na cena ele é visto à janela de um quarto, olhando para a calçada do velho. De repente, ele vê uma cena comovente — o vizinho saudando o filho, que retorna com a nora e os netos. O filho abraça o pai, que enterra a cabeça no ombro do filho querido. Ao se virarem para seguir caminho, o ancião olha para a janela do quarto da casa ao lado e vê seu amiguinho observando o milagre particular do perdão. Os olhares se cruzam e as mãos acenam, num gesto terno de gratidão. “Bem-vindo ao lar” substitui “Esqueceram de Mim”.

Sai-se do cinema com lágrimas nos olhos. À medida que a luz do dia ilumina a multidão silenciosa, talvez muitos voltem o pensamento para o homem dos milagres, o mestre da verdade* sim, o Senhor dos. Senhores, Jesus Cristo. Isso aconteceu comigo.

Pensei na capacidade de compaixão do Salvador. Na Galiléia “aproximou-se dele um leproso, que rogando-lhe, e pondo-se de joelhos diante dele, lhe dizia: Se queres, bem podes limpar-me.

E Jesus, movido de grande compaixão, estendeu a mão, e tocou-o, e disse-lhe: Quero; sê Hmpo.

E, tendo ele dito isto, logo a lepra desapareceu, e ficou limpo” (Marcos 1:40–42.)

Neste continente americano, Jesus apareceu a uma multidão e disse: “Tendes enfermos entre vós? Trazei-os aqui. Há entre vós coxos, cegos, defeituosos, mutilados, leprosos, surdos ou aflitos por qualquer coisa? Trazei-os aqui e eu os curarei, porque tenho compaixão de vós…

E ele os curou a todos…

E todos, tanto os que haviam sido curados como os que já estavam sãos, prostraram-se a seus pés e o adoraram; e todos os que puderam, dentre a multidão, beijaram seus pés, de modo que os banharam com suas lágrimas.” (3 Néfi 17:7, 9–10.)

São poucos os relatos do ministério do Mestre que me tocam mais do que o exemplo de compaixão que ele demonstrou à triste viúva, em Nairn:

“E aconteceu pouco depois ir ele à cidade chamada Naim, e com ele iam muitos dos seus discípulos, e uma grande multidão;

E quando chegou perto da porta da cidade, eis que levavam um defunto, filho único de sua mãe, que era viúva; e com ela ia uma grande multidão da cidade.

E, vendo-a, o Senhor moveu-se de íntima compaixão por ela, e disse-lhe: Não chores.

E, chegando-se, tocou o esquife (E os que o levavam pararam), e disse: Mancebo, a ti te digo: Levanta-te.

E o defunto assentou-se, e começou a falar. E entregou-o a sua mãe.”(Lucas 7:11–15.)

Que poder, que ternura e que compaixão demonstrou nosso Mestre e Exemplo! Nós também podemos abençoar a vida de outros se seguirmos seu nobre exemplo. Oportunidades não faltam. O que falta são olhos que vejam a situação angustiante e ouvidos que ouçam os pedidos silenciosos de corações partidos. Sim, o que falta são almas cheias de compaixão, para que nos comuniquemos não apenas com os olhos e os ouvidos, mas da maneira majestosa do Salvador, sim, de coração para coração.

Aqui perto do tabernáculo há um albergue para desamparados, uma clínica dentária, um local em que se servem refeições gratuitas. Ali, a compaixão desta comunidade está em constante evidência. Os membros da Igreja unem-se a pessoas de outras denominações, para abençoar a vida dos necessitados. A poucas quadras daqui, o armazém regional dos bispos está repleto de mercadorias que refletem a vossa generosidade. Ninguém sai de lá sem alimentos, roupas, ou sem gratidão a Deus.

Um outro lugar de refugio é a creche local, um estabelecimento assistencial sem denominação religiosa, onde mulheres bondosas compartilham seu tempo e recursos para ensinar crianças em idade pré-escolar, cujas mães, sozinhas, trabalham para sustentar a família. Esta organização também recebe carinhosamente os idosos que ali se reúnem para conversar e divertir-se. Essas nobres mulheres levam a luz da esperança aos desanimados, aos oprimidos, e a crianças que serão os pais de amanhã.

Sem exceção, as almas compassivas que alimentam os famintos, vestem os nus e amparam os que sofrem, dizem: “Jamais me senti mais abençoado, mais recompensado e tive tanta paz!” Um escritor expressou esse sentimento:

Já chorei à noite

Por ter deixado de ver

Que alguém precisava de mim;

Mos nunca senti

O mínimo pesar

Por ter sido demais gentil

(Anônimo, citado por Richard L. Evans, Improvement Era, maio de 1960, p. 340.)

Projetos semelhantes existem em todas as comunidades. As necessidades existem e nos chamam. Nós, como um povo, precisamos ajudar.

Recentemente recebi dois envelopes em meu escritório, enviados por pessoas que desejavam permanecer anônimas. Cada um continha algumas notas de cem dólares e uma breve mensagem de gratidão a Deus por suas ricas bênçãos, com um pedido para que o dinheiro fosse utilizado para auxiliar pessoas menos privilegiadas a obterem as bênçãos do templo. Se esses casais estão assistindo à conferência, desejo que saibam que algumas famílias na Bolívia e em Portugal poderão agora ir ao Templo de Lima, Peru, e de Frankfurt, Alemanha, e receber bênçãos eternas.

Talvez estes doadores anônimos e cheios de compaixão apreciem as palavras de Henry K. Burton:

Recebeste um quinhão de bondade?

Passa-o adiante.

Não foi dado só a ti,

Passado adiante.

Deixa-o viajar pelo tempo,

Deixai enxugar outras lágrimas,

Até que apareça nos céus —

Passa-o adiante.

(Masterpieces of Religious Verse, pp. 389-390.)

Um domingo de manhã, num asilo de velhos aqui em Lago Salgado, vi uma menina compartilhar seu belo talento musical com pessoas idosas e solitárias, que não esperavam comida, roupa, mas alguém que se importasse com elas, alguém que lhes desse algo de si e lhes alegrasse a alma.

O silêncio dominou a audiência presa a cadeiras de rodas, quando a menina segurou o arco e tocou uma bela melodia em seu violino. Ao findar, uma das residentes disse em voz alta: “Foi lindo, querida.” Depois, começou a bater palmas de aprovação. Um outro paciente também aplaudiu, seguido de um terceiro; logo todos estavam aplaudindo.

Juntos, a menina e eu saímos do asilo, e ela disse: “Jamais toquei tão bem e jamais me senti tão bem.” Ela fora guiada por Deus e orientada pelo Senhor. A dor, o pesar, o desespero e a tristeza foram derrotados. A compaixão saiu vitoriosa.

Hoje, assim como nos dias futuros, nos alegramos com o regresso ao lar e aos seus familiares, daqueles que serviram no Golfo, na operação Tempestade no Deserto. Eles atenderam ao chamado do dever. Lutaram a batalha dos bravos. Voltam vitoriosos. Nosso coração se enternece por aqueles que perderam entes queridos na Tempestade no Deserto, ou em qualquer tempestade da vida.

A imprensa revelou que o primeiro soldado americano morto foi um professor de escola dominical da igreja metodista. Um dos últimos foi uma mulher, cujo pai a chamava de “Anjo”. Dos 182 soldados que pereceram, alguns interromperam a lua de mel; alguns deixaram a esposa grávida; outros tiveram que adiar permanentemente seus sonhos.

Uma viúva, do estado da Virgínia, perdeu seu único filho. Um rapaz, do oeste da Pensilvânia, jamais realizará seus planos de casamento. Uma esposa, do Alaska, logo dará à luz um bebê que seu marido jamais irá acalentar.

Não há resposta satisfatória para a pergunta não pronunciada: “Dos milhares e milhares de soldados, porque o meu é um dos que não voltarão? “A angústia é assim expressada: “Uma luz em nossa vida apagou-se; uma voz que amamos foi silenciada. O vazio deixado em nossos corações jamais será preenchido.” Lamentando o sacrifício horrível de qualquer conflito armado, um escritor escreveu estas linhas: “Nada nos resta da guerra além de becos sem saída para nossos mais almejados sonhos e esperanças.” (Dennis Smith, Deseret News, 11 de janeiro de 1991, p. Cl.)

A Bíblia Sagrada contém uma fórmula para minorar a dor e curar o coração do que chora:

“Confia no Senhor de todo o teu coração, e não te estribes no teu próprio entendimento.

Reconhece-o em todos os teus caminhos, e ele endireitará as tuas veredas” (Provérbios 3:5–6).

A todos que perderam um ente querido em qualquer lado dessa guerra trágica, o pesar pode ser amenizado. Existe ungüento em Gileade. Há a promessa de um novo dia. De uma terra não muito distante de onde vossos entes queridos tombaram, ecoa a promessa de paz, oferecida pelo Senhor, o Príncipe da Paz: “Deixo-vos a paz, a minha paz vos dou: Não vo-la dou como o mundo a dá. Não se turbe o vosso coração, nem se atemorize” (João 14:27).

“Na casa de meu Pai há muitas moradas; se não fosse assim, eu vo-lo teria dito: vou preparar-vos lugar… para que onde eu estiver estejais vós também” (versículos 2–3.)

Seu amor, sua promessa, sua presença é como uma fita amarela atada com cuidadQ e compaixão. Ele acenou aos vossos entes queridos, dizendo: “Bem-vindos ao lar.” Ele nos dá a promessa divina e celestial certeza: “Eu estou convosco; jamais estareis sós.”

“O choro pode durar uma noite, mas a alegria vem pela manhã” (Salmos 30:5).

A estas palavras acrescento meu testemunho: Deus vive, e seu filho, Jesus Cristo é o nosso Salvador e Redentor. Hoje à noite, minha mulher e eu nos uniremos a milhares de vós, em oração e súplica solene reconhecendo a mão divina em nossas vidas. Em nossos corações, expressaremos gratidão: “Graças a Deus.” Em nome de Jesus Cristo, amém.