“A Língua dos Anjos”
Aquilo que dizemos e o modo como nos apresentamos não apenas revelam nosso íntimo mas também o moldam, influenciando também as pessoas à nossa volta e, no final, toda a sociedade.
Ao contrastar a importância de algumas coisas mais fundamentais do reino com as regras alimentares da antiga Israel, Jesus disse a Seus discípulos: “O que contamina o homem não é o que entra na boca, mas o que sai da boca, isso é o que contamina o homem. ( … )
O que sai da boca, procede do coração, e isso contamina o homem”. (Mateus 15:11, 18) Nossas palavras e expressões externas não são neutras, pois refletem quem somos e influenciam quem iremos nos tornar.
Em nossos dias, o Senhor ressaltou novamente que nossas “cerimônias exteriores”, usando as palavras do Livro de Mórmon (Alma 25:15), podem degradar ou edificar. O que dizemos e nosso modo de agir podem criar um ambiente propício ou hostil à presença do Espírito Santo. Na seção 88 de Doutrina e Convênios, o Senhor nos aconselha a evitar “conversas levianas” e “riso excessivo”. Ele associou essas expressões a defeitos como “concupiscências”, “orgulho” e “frivolidades”, que acabam resultando em “ações iníquas”. (D&C 88:69, 121) Suponho que a expressão “conversas levianas”se refira à linguagem irreverente e depreciativa, e “frivolidades” se refira ao que o Senhor chamou de tratar com leviandade as coisas sagradas. (D&C 6:12)
Por outro lado, o Senhor pediu que tivéssemos “o coração feliz e o semblante alegre”. (D&C 59:15) Ele também pediu que falássemos e agíssemos de modo a edificar uns aos outros e explicou que “aquilo que não edifica não é de Deus e é trevas”. (D&C 50:23) Em Winter Quarters, quando os santos estavam no meio de um êxodo muito árduo, o Senhor ordenou: “Que vossas palavras contribuam para vossa edificação mútua”. (D&C 136:24) Néfi declarou que o fruto de recebermos o Espírito Santo e darmos ouvidos aos sussurros do Espírito é podermos falar na “língua dos anjos”. (2 Néfi 32:2–3) Desse modo criamos um espírito de reverência e revelação.
Recentemente ouvi a conversa entre alguns de nossos netos pequenos. Um deles aparentemente tinha usado a palavra “burro”. Nicholas, de oito anos, que acabara de ser batizado, comentou que talvez não devêssemos dizer isso, porque era uma palavra feia. Evidentemente ele recebera boa influência do pai e ⌦da mãe. Sei que houve conversas ⌦parecidas a respeito de outras expressões. Talvez alguns imaginem que essas sejam questões pouco importantes, comparadas com as expressões muito mais baixas e depreciativas que ouvimos à nossa volta. Mas tanto nas pequenas quanto nas grandes coisas, nossas palavras criam um ambiente no qual podemos edificar ou destruir. Recentemente comentei com um amigo da cidade de Nova York que achava que o ambiente da cidade tinha melhorado significativamente nos últimos anos e perguntei-me qual seria o motivo. Ele observou que sua mulher era juíza municipal e que estavam zelando pelo cumprimento de pequenas leis, como não cuspir no chão ou não cruzar a avenida fora da faixa, e isso estava afetando as grandes coisas. Assim sendo, o Senhor disse que devemos convidar o espírito da verdade e retidão em nossa linguagem diária e nossos atos de edificação, para que “[afugentemos] as trevas do [nosso] meio”. (D&C 50:25)
Lembro-me de uma aula de inglês, quando eu era calouro na faculdade, em que o professor insistia com um dos alunos que ele deveria trocar certa expressão por outra mais agressiva ao descrever uma determinada situação. Fiquei chocado com a expressão, que raramente tinha ouvido e nunca em situações harmoniosas. Anos depois, na pós-graduação, discuti com um amigo meu que argumentava que deveríamos ser “diretos” e até rudes e insensíveis aos sentimentos alheios. Infelizmente, esse tipo de atitude expresso nesses incidentes arraigaram-se firmemente na sociedade e pode ser visto até entre os santos. Ao longo dos anos, houve grande aumento nas insinuações de natureza sexual, humor impróprio, expressões violentas e mais agressividade no modo de falar, na música e na atitude. Grande parte do que vemos à nossa volta é rude e cruel, tendo havido uma corrupção do comportamento e da sensibilidade moral. A sociedade não está ficando melhor por causa de nossas “conversas levianas” e “frivolidades”. Em vez disso, nossas expressões têm poluído nossa comunidade e corrompido nossa alma.
O Presidente Spencer W. Kimball admoestou-nos a respeito da vulgaridade de expressão e linguagem, particularmente em relação a “conversar fluentemente sobre sexo”, que ele associou à falta de recato. “As piadas e conversas imorais constituem-se em outro perigo que permanece à espreita em busca de sua possível vítima — qualquer um que as acolha como primeiro passo para deturpar a mente e, como conseqüência, a alma.” (O Milagre do Perdão, pp. 217–219.)
Aquilo que dizemos e o modo como nos apresentamos não apenas revelam nosso íntimo mas também o moldam, influenciando também as pessoas à nossa volta e, no final, toda a sociedade. A cada dia de nossa vida estamos ajudando a obscurecer a luz ou a afugentar as ⌦trevas. Fomos chamados para evocarmos a luz e sermos uma luz, a fim de que nos santifiquemos e edifiquemos nossos semelhantes.
Em sua epístola universal, Tiago detalhou muitas das coisas necessárias para nos santificarmos. Entre elas, ele incluiu o controle do linguajar e das conversas. De fato, ele disse que “se alguém não tropeça em palavra, o tal é perfeito, e poderoso para também refrear todo o corpo”. (Tiago 3:2) Comparando-nos a um navio, ele declarou que um pequeno leme pode dirigir uma grande nau, da mesma forma que a língua pode determinar nosso curso e destino. (Ver o versículo 4.) Se for utilizada de modo inadequado, a língua ⌦“contamina todo o corpo, e inflama o curso da natureza” (v. 6). Ele se pergunta como é possível que da mesma boca proceda bênção e maldição (ver o versículo 10).
Sempre fiquei impressionado de ver que, ao receber seu chamado do Senhor, Isaías tenha-se lamentado por ser “um homem de lábios impuros” que habitava “no meio de um povo de impuros lábios”. (Isaías 6:5) Esse pecado também teve que ser eliminado da vida de Isaías para que ele pudesse levar a palavra do Senhor. É de se admirar que tanto os salmistas quanto os profetas tenham suplicado ao Senhor que pusesse “um guarda” à sua boca e à “porta” de seus lábios (Salmos 141:3) para ajudá-los a não pecar com a língua? (Ver Salmos 39:1.)
Quando falamos e agimos, devemos perguntar-nos se nossas palavras e expressões tendem a convidar os poderes do céu à nossa vida e ⌦a convidar todos a achegarem-se ⌦a Cristo. Precisamos tratar as ⌦coisas sagradas com reverência. Precisamos eliminar de nossa conversa as expressões indecentes, vulgares, violentas, ameaçadoras, depreciativas e falsas. Como escreveu o Apóstolo Pedro: “Mas, como é santo aquele que vos chamou, sede vós também santos em toda a vossa maneira de viver”. (I Pedro 1:15) A expressão “viver” nesse versículo não se refere apenas à nossa linguagem mas também a todo o nosso comportamento. Como Néfi, ele convida-nos a viver de modo que possamos falar na “língua dos anjos”.
Presto testemunho de que Deus é realmente santo. Ele é nosso Pai, e somos Seus filhos. Somos Seus herdeiros e co-herdeiros de Sua glória com Jesus Cristo. Cristo tomou sobre Si os nossos pecados e conquistou a morte. Ele convidou-nos todos a sermos como Ele é e a edificarmos em palavras e atos. Conforme lemos em I João, creio que nosso destino é este: “Quando ele se manifestar, seremos semelhantes a ele; porque assim como é o veremos”. (I João 3:2) Em nome de Jesus Cristo. Amém. 9