CAPÍTULO TRINTA
O PERÍODO DA GUERRA CIVIL
OS ESTADOS UNIDOS tinham visto passar uma década de intensa animosidade entre o norte e o sul. Em 1861, depois que Abraham Lincoln foi eleito presidente dos Estados Unidos, vários estados sulinos separaram-se da União. Em 12 de abril de 1861, os primeiros tiros da Guerra Civil foram disparados em Fort Sumter, Carolina do Sul. Esse conflito fratricida durou quatro anos, destruindo o antigo sul dos Estados Unidos e causando 602.000 mortes. Em Utah, durante esse período, os santos dos últimos dias desfrutaram de relativa paz e prosperidade.
OS SANTOS E A GUERRA CIVIL
Quando a Guerra Civil começou,1muitos santos lembraram-se da “revelação e profecia sobre a guerra” recebida pelo Profeta Joseph Smith em 25 de dezembro de 1832:
“Em verdade, assim diz o Senhor em relação às guerras que logo ocorrerão, a começar pela rebelião da Carolina do Sul que, por fim, terminará com a morte e sofrimento de muitas almas; (…)
Pois eis que os estados do sul se dividirão contra os estados do norte.” (D&C 87:1, 3) Em 1843, o Profeta declarou que o derramamento de sangue que teria início na Carolina do Sul “provavelmente [surgiria] por causa da questão dos escravos”. (D&C 130:13) Muitos missionários haviam mencionado essa profecia e sentiram certa satisfação em ver a palavra do Senhor ser cumprida de maneira tão literal.
Com o agravamento do conflito, os santos tiveram sentimentos conflitantes em relação à Guerra Civil. Eles consideravam o derramamento de sangue e a devastação dos “estados” como um castigo imposto sobre a nação pelo assassinato de Joseph e Hyrum Smith, pela quebra dos mandamentos de Deus e pelas injustiças infligidas aos santos em Missouri e Illinois. Os membros da Igreja seguiram a orientação de Joseph Smith e apoiaram firmemente a constituição norte-americana. John Taylor expressou os sentimentos de muitos dos santos dos últimos dias ao dirigir-lhes estas palavras:
“Fomos expulsos de cidade em cidade, de estado em estado, sem termos dado qualquer motivo para isso. Fomos banidos do meio da assim chamada civilização e obrigados a estabelecer nosso lar no deserto (…)
Havemos de unir-nos ao norte para lutar contra o sul? Não! … Por quê? Ambos chamaram essa calamidade sobre si, como demonstrado anteriormente, sem qualquer interferência de nossa parte (…) Não conhecemos o norte nem o sul nem o leste nem o oeste. Obedecemos estrita e rigorosamente à constituição.”2
Quando a guerra já prosseguia por quase um ano, o Presidente Young reconheceu que os santos estavam em situação extremamente privilegiada por morarem no oeste: “Se não tivéssemos sido perseguidos, estaríamos agora no meio da guerra e do derramamento de sangue que estão devastando a nação. Em vez disso, estamos aqui, confortavelmente estabelecidos em nossas pacíficas casas, nestas montanhas e vales silenciosos e distantes. Em vez de ver meus irmãos confortavelmente sentados a minha volta, muitos deles estariam agora nas primeiras fileiras do campo de batalha. Percebo que as bênçãos de Deus nos proporcionaram a segurança que hoje gozamos. Fomos imensamente abençoados, muito favorecidos e exaltados, enquanto nossos inimigos, que procuraram destruir-nos, estão sendo humilhados.”3
Os líderes da Igreja nunca tiveram a intenção de apoiar a Confederação, e quando o Presidente Abraham Lincoln pediu soldados para montar guarda nas linhas telegráficas e vias de transporte, a Igreja atendeu ao chamado com entusiasmo. Os santos também pagaram de boa vontade 26.982 dólares de imposto anual de guerra, cobrado do território de Utah pelo congresso dos Estados Unidos. Os líderes da Igreja novamente confirmaram sua lealdade à União. De fato, enquanto alguns estados desejavam sair da União, Utah estava tentando entrar.
O território de Utah e a Igreja sofreram imediatamente os efeitos da secessão dos estados sulinos. O governador Alfred Cumming, nascido em Georgia, sentiu que seria seu dever pedir exoneração do cargo ao qual havia sido nomeado pelo governo federal. Partiu discretamente de Utah, rumo a seu lar. O general Albert Sidney Johnston, de Virginia, demitiu-se de seu posto e uniu-se ao exército confederado. Depois de alguns meses o exército foi totalmente retirado do território de Utah. Em março de 1861, devido à perda de sete estados sulinos, a União criou o território de Nevada, na região oeste de Utah. Em 1862 e 1866, mais terras foram acrescentadas a Nevada, que se tornou estado em 1864.
Com a saída das tropas federais de Utah, as linhas de correio e telégrafo terrestres necessitavam de proteção contra os índios, que haviam-se tornado mais hostis, tendo destruído vários postos de correio entre Fort Bridger e Fort Laramie, Wyoming. Na primavera de 1862, oficiais militares entraram em contato com Brigham Young (apesar de ele não mais ser o governador) pedindo-lhe que organizasse uma cavalaria para proteger as linhas por noventa dias, até que as tropas dos Estados Unidos conseguissem chegar ao território. Em pouco tempo, uma companhia de 120 homens estava formada e preparada para partir. Por ironia do destino, seu comandante foi o capitão Lot Smith, da milícia de Utah, que havia ajudado a retardar o avanço das tropas federais alguns anos antes. Ele recebeu de Brigham Young a incumbência de evitar o uso de palavras de baixo calão e conduta imprópria entre os soldados e promover a amizade e o relacionamento pacífico com os índios. Os soldados desempenharam sua tarefa de modo admirável, não tiveram que lutar, perseguiram apenas uns poucos índios e receberam cumprimentos do governo dos Estados Unidos pelo serviço prestado.4Esse serviço foi a única participação militar ativa de uma unidade organizada de santos dos últimos dias na Guerra Civil.
Também em 1862, os cidadãos de Utah fizeram a terceira tentativa de obter a condição de estado. Os santos elaboraram uma proposta de constituição para o Estado de Deseret e elegeram toda uma bancada de autoridades civis, com Brigham Young como governador. Sua petição, porém, foi recusada, principalmente por causa da poligamia, que o partido republicano, que estava no poder, havia decidido combater.
O presidente republicano Abraham Lincoln, apesar de ter assinado a lei Morril de 1862, que proibia a bigamia e fora promulgada especificamente contra os santos dos últimos dias, não fez pressão para que ela fosse colocada em prática. Ele era imparcial em relação à questão mórmon e estava mais preocupado em resolver a rebelião sulina. Quando Brigham Young enviou o redator assistente do Deseret News, T.B.H. Stenhouse, a Washington D. C. para saber dos planos de Lincoln em relação aos mórmons, o presidente lhe disse: “Stenhouse, quando eu era um menino de fazenda em Illinois, havia muitas árvores que precisávamos derrubar. Ocasionalmente encontrávamos um tronco caído, que era muito difícil de ser cortado, muito úmido para ser queimado e muito pesado para ser movido, por isso arávamos ao redor dele. É isso que pretendo fazer com os mórmons. Volte para Brigham Young e diga-lhe que me deixe em paz, e eu o deixarei em paz também”.5Durante o restante da guerra, a atitude tolerante do presidente Lincoln conquistou-lhe o respeito dos santos.
COMUNICAÇÃO MELHORADA
Apesar de os políticos descontentes terem fomentado muitos preconceitos contra os mórmons, outros visitantes preeminentes que estiveram em Utah ficaram favoravelmente impressionados com o que viram e publicaram sua opinião. Em 1855, Jules Remy, um botânico francês, chegou a Salt Lake City para uma estadia de um mês. Remy publicou suas observações na Europa, em 1860, descrevendo os santos como um povo trabalhador e fervoroso, ajudando a mudar a imagem negativa que os europeus tinham da Igreja. O redator do New York Tribune Horace Greeley, um dos mais importantes jornalistas da América, visitou Utah em 1859 e relatou de maneira mais equilibrada suas impressões a respeito de Brigham Young e dos mórmons à nação. Um artigo interessante e instrutivo publicado na época foi escrito por Richard Burton, que chegou a Utah em 1860 e posteriormente publicou um livro muito preciso a respeito dos mórmons intitulado A Cidade dos Santos, que foi amplamente divulgado.6
A comunicação com o mundo exterior foi melhorada, a partir de abril de 1860, com a chegada do Pony Express. Oito cavaleiros de baixo peso e ousados revezavam-se no transporte da mala postal de St. Joseph, Missouri, a Sacramento, Califórnia, percorrendo quase 3.200 quilômetros em apenas dez dias. Os cavaleiros trocavam de cavalo aproximadamente a cada dezesseis quilômetros, em 320 postos, para realizar esse feito legendário. A rota do Pony Express cruzava Utah, e muitos mórmons participaram desse perigoso porém romântico empreendimento em seus dezoito meses de existência.
A linha telegráfica transcontinental, cuja passagem por Salt Lake City foi concluída em 1861, foi a principal razão do fim da existência do Pony Express. Dali por diante, as mensagens puderam ser transmitidas a importantes centros urbanos dos Estados Unidos sem qualquer atraso. Isso pôs fim a certos problemas tais como as informações falsas espalhadas pelas “autoridades foragidas” em 1851 e o envio da Expedição de Utah, pelo presidente Buchanan, em 1857.
O Presidente Brigham Young teve o privilégio de enviar a primeira mensagem pela nova linha de telégrafo. O profeta enviou seus cumprimentos ao digníssimo presidente da Pacific Telegraph Company, J. H. Wade, que morava em Cleveland, Ohio, dizendo também: “Utah não se separou da União, mas mantém-se leal à constituição e às leis de nosso país outrora feliz; e está extremamente interessado por empreendimentos como este que acaba de ser concluído”.7
Imediatamente após a linha telegráfica transcontinental ter chegado a Salt Lake City, Brigham Young começou a estabelecer planos para que uma linha telegráfica local ligasse todas as colônias entre si. Ele abriu uma escola de telegrafia em Salt Lake City. Foram comprados fios, baterias, isolantes, equipamentos de transmissão e recepção e outros materiais, mas devido à Guerra Civil, somente foram entregues em 1866. Em 1867, quase oitocentos quilômetros de linhas haviam sido instaladas.
NOVA OCUPAÇÃO DO EXÉRCITO
Algumas das primeiras nomeações do presidente Lincoln para Utah não foram felizes. O governador territorial John W. Dawson, de Indiana, permaneceu apenas um mês em Utah. Ao chegar, insensatamente sugeriu na assembléia legislativa a imposição de uma taxa ao povo mórmon como punição por sua deslealdade ao governo. Poucos dias depois, fez uma proposta indecente a uma mulher de Salt Lake City, foi denunciado e teve que partir da cidade em desgraça. Foi descoberto em um posto do correio em Mountain Dell, onde foi espancado por alguns bêbados que mais tarde foram levados à justiça.
Dois meses depois, o presidente Lincoln nomeou Stephen A. Harding, também de Indiana, para substituir Dawson. Harding havia conhecido a família de Joseph Smith, em Manchester, Nova York, e quando chegou a Utah fingiu ser amigo dos santos. Em pouco tempo, porém, demonstrou o desprezo que sentia pela Igreja e suas instituições, acusando os santos de deslealdade ao governo.
As acusações de Harding proporcionaram uma justificativa para que o ministério da guerra em Washington, D. C., não renovasse o alistamento da companhia militar mórmon, e em vez disso enviasse à região os “voluntários da Califórnia”, sob o comando do coronel Patrick Edward Connor. Os líderes e membros da Igreja ficaram evidentemente ressentidos com a chegada de uma força militar externa, especialmente depois de terem assumido a responsabilidade de cuidar da segurança das linhas telegráficas e rotas do correio e de manter os índios sob controle. Para piorar a situação, Connor declarou abertamente que considerava os mórmons desleais à União e achava que sua principal tarefa seria mantê-los sob vigilância. Os santos esperavam que Connor levasse seus setecentos homens ao posto militar recentemente abandonado pelo exército de Johnston, mas em vez disso, ele escolheu um local no sopé das montanhas que ficavam pouco a leste de Salt Lake City, dando-lhe o nome de Camp Douglas, em homenagem a Stephen A. Douglas.8
As tropas chegaram em outubro de 1862 e permaneceram até o fim da Guerra Civil. Sua presença irritou os moradores de Utah. Os soldados da Califórnia não estavam contentes de estar em Utah, pois preferiam estar lutando na frente de batalha. Acusações foram trocadas entre os membros da Igreja e o exército. Os santos consideravam o exército um estorvo e um fator para a degradação da moral em seu amado lar nas montanhas. Como oficial militar, Connor, que se tornou general durante sua permanência em Utah, comandou devidamente suas tropas. Ele protegeu as rotas mercantes, e na famosa Batalha de Bear River, em janeiro de 1863, livrou o norte de Utah e o sul de Idaho da ameaça de índios. Com isso, os santos puderam colonizar em segurança essas regiões aprazíveis. Connor também manteve seus homens ocupados fazendo com que procurassem metais preciosos nas montanhas.9Devido a seus esforços, ele ficou conhecido como o “pai da mineração de Utah”.
Nessa mesma época, o governador Harding chegou a irritar de tal modo os santos, a ponto de eles encaminharem ao presidente Lincoln um pedido para destituí-lo do cargo. Lincoln concordou, mas, para satisfazer os “gentios” de Utah, também exonerou o juiz John F. Kinney, que havia demonstrado respeito e amizade para com os mórmons. Sob a direção de Brigham Young, os santos deram uma virada política e elegeram Kinney como seu representante no congresso entre 1863 e 1865. Assim, ele tornouse o único representante que não era mórmon da história do território de Utah. Lincoln nomeou James Duane Doty, o agente indígena de Utah, como novo governador. Ele assumiu o cargo em junho de 1863 e governou de maneira diplomática durante todo o período da Guerra Civil.10
A QUESTÃO MORRISITA
Durante o verão de 1862,11Utah foi palco da lamentável Guerra Morrisita. Os morrisitas eram uma facção apóstata liderada pelo ex-converso inglês Joseph Morris. Estabeleceram uma colônia em South Weber conhecida como Kington Fort, 56 quilômetros ao norte de Salt Lake City. Já desde 1857, Morris alegava ser o profeta, vidente e revelador do Senhor. Em 1860, ele havia atraído alguns seguidores, inclusive o bispo de South Weber e alguns membros de sua congregação. Em fevereiro de 1861, o Presidente Young enviou os Apóstolos John Taylor e Wilford Woodruff para South Weber a fim de investigar a questão. Eles excomungaram dezesseis membros da ala, inclusive o bispo que se recusou a apoiar Brigham Young, continuando a afirmar que Joseph Morris era o profeta. Os morrisitas consagravam todas as suas propriedades em um fundo comum e aguardavam a iminente vinda de Cristo, conforme proclamavam as “revelações” de Morris.
No início de 1862, depois de sucessivas profecias incorretas a respeito da Segunda Vinda, alguns dos seguidores de Morris ficaram desiludidos e quiseram sair da comunidade, levando consigo as propriedades que haviam consagrado. Três dissidentes que tentaram escapar foram aprisionados por Morris, fazendo com que suas esposas apelassem para as autoridades legais pedindo ajuda. O juiz Kinney emitiu um mandado, em 22 de maio, exigindo a libertação dos prisioneiros e a prisão de Morris e seus principais líderes. Quando Morris se recusou a obedecer e continuou a anunciar suas revelações, Kinney pediu ao governador interino Frank Fuller que convocasse a milícia para formar um grupo armado que garantisse o cumprimento da lei.
Robert T. Burton, delegado chefe do xerife territorial, liderou aproximadamente 250 homens até as encostas que ficavam ao sul de Kington Fort, bem cedo pela manhã do dia 13 de junho. Enviou uma mensagem a Morris exigindo que se rendesse e obedecesse ao mandado. Morris e seu grupo reuniram-se em um galpão sem paredes, enquanto Morris esperava uma revelação. Impaciente com a demora, Burton ordenou que fossem disparados dois tiros de canhão, como alerta, sobre o forte. O segundo tiro caiu antes do forte, atingiu o terreno arado em frente e ricocheteou para dentro do galpão em que os morrisitas estavam reunidos. Duas mulheres foram mortas e uma menina ficou gravemente ferida. O combate que se seguiu acabou num cerco de três dias.
No terceiro dia, uma bandeira branca de trégua foi levantada de dentro do forte, e a luta terminou. Depois de exigir rendição incondicional, Burton e trinta milicianos entraram no forte. Morris pediu para falar pela última vez a seu povo. Em vez de proferir um discurso de despedida, ele gritou: “Todos os que são por mim e meu Deus, sigam-me na vida ou na morte!” Como resultado houve uma corrida para as pilhas de rifles que haviam sido depostos na rendição.12Seguiu-se um tiroteio em que Joseph Morris e John Banks, o segundo em comando, foram mortos. Dez morrisitas e dois integrantes do grupo armado de Utah foram mortos durante os três dias de luta. Noventa homens morrisitas foram levados a Salt Lake City para julgamento, sob a acusação de assassinar dois integrantes da milícia e impedir o cumprimento da lei. Sete deles foram condenados, mas acabaram sendo perdoados pelo governador Harding. A maioria dos morrisitas restantes que desejaram partir foram escoltados pelo exército de Connor até Soda Springs, no território de Idaho. Apesar de a Igreja não ter participado diretamente desse infeliz incidente, a reputação da Igreja ficou manchada no leste por causa desse conflito.
PROBLEMAS NO HAVAÍ
Outra pessoa que causou preocupação aos líderes da Igreja durante esse período foi o aventureiro Walter Murray Gibson. Gibson havia defendido a causa da Igreja em Washington, D. C., durante a Guerra de Utah e viajou para Salt Lake City a fim de conhecer mais a respeito dos santos. Travou amizade com muitos líderes da Igreja, falou para grandes multidões no Velho Tabernáculo sobre suas viagens e foi batizado por Heber C. Kimball, em 15 de janeiro de 1860, juntamente com sua filha Talula. Foi confirmado por Brigham Young. O Presidente Young rejeitou a proposta de Gibson de que os santos se mudassem para as ilhas das Índias Ocidentais, mas chamou Gibson para servir em uma missão no leste dos Estados Unidos. Ele serviu por apenas seis meses e depois convenceu os santos de Nova York de que precisaria voltar imediatamente para Salt Lake City, onde sua presença era requerida. Em resposta a seu pedido de dinheiro, os santos mostraram-se generosos em contribuir para sua viagem de retorno.
Em novembro de 1860, foi chamado pelo Presidente Brigham Young para servir na obra missionária no Pacífico. O Presidente Young disse a Gibson que ele faria mais bem do que poderia prever, se magnificasse seu chamado.
Ao chegar no Havaí, no verão de 1861, Gibson excedeu os limites de sua autoridade, misturando tradições nativas com os ensinamentos do evangelho, e conquistou o apoio dos santos havaianos. Como os missionários tinham sido chamados de volta para casa durante a Guerra de Utah, Gibson conseguiu assumir a liderança dos santos. Ele proclamou-se “Presidente Chefe das Ilhas do Mar e das Ilhas Havaianas, pela Igreja dos Santos dos Últimos Dias”. Gibson convenceu os membros havaianos a entregarem todas as suas propriedades a ele. Ordenou doze apóstolos, cobrando 150 dólares de cada um para conferir-lhes esse ofício. Para outros ofícios, como o de sumo sacerdote, setenta e élder, ele cobrava taxas proporcionalmente mais baixas. Também nomeou arcebispos e bispos menores.13Passou a realizar os serviços religiosos da Igreja com extraordinária suntuosidade e pompa, chegando a usar mantos, exigindo que os membros se curvassem e se ajoelhassem em sua presença. Gibson tinha intenções de montar um exército, unir todas as ilhas do Havaí num único império e proclamar-se rei.14
Por fim, em 1864, alguns santos nativos que ficaram preocupados com a situação escreveram a Salt Lake City contando o que estava ocorrendo. O Presidente Young enviou Ezra T. Benson e Lorenzo Snow, do Quórum dos Doze Apóstolos, e Joseph F. Smith, Alma Smith e William Cluff, que haviam trabalhado no Havaí como missionários, para cuidarem do problema.
Ao chegarem à ilha de Lanai, onde Gibson mantinha sua sede, os irmãos encontraram fortes ventos e o mar turbulento no porto. Enquanto remavam para a praia, a pequena embarcação em que seguiam virou. Com exceção de Lorenzo Snow, todos foram resgatados por nativos que viram o acidente da praia. O corpo inanimado de Lorenzo foi finalmente encontrado debaixo do barco virado. Havia pouca dúvida na mente dos presentes de que ele estava morto. Seus devotados irmãos deitaram o corpo sobre seus joelhos e oraram e abençoaram-no, apesar de os nativos dizerem que não havia mais esperanças. Os irmãos procuraram estimular sua respiração, deitando-o sobre um barril, comprimindo-lhe o peito e soprando em sua boca, deixando depois o ar sair. Somente depois de uma hora ou mais do acidente que os primeiros sinais de vida foram detectados.15
Ao localizarem Gibson, os élderes descobriram que a situação era ainda pior do que tinham sido informados. Encontraram-se com Gibson e exigiram que devolvesse todas as propriedades que ele havia tomado para si em nome da Igreja. Ele recusou-se a fazê-lo. Os irmãos então o excomungaram. Depois de algumas semanas, a maioria dos santos havaianos haviase reconciliado com os líderes da Igreja que lhes foram enviados. Um incidente que ajudou os irmãos a reconquistarem a confiança dos santos havianos ocorreu quando dois deles caminharam sobre uma rocha que Gibson havia identificado como um altar sagrado e avisado que qualquer pessoa que nela pisasse seria fulminado. Depois de colocar a Igreja em ordem, os Apóstolos voltaram para casa e deixaram Joseph F. Smith com seus dois companheiros a cargo da missão. O Élder Smith comprou e começou a cultivar uma plantação em Laie, que se tornou a sede da missão e o lar de muitos santos havaianos. No século XX, nesse local foram construídos o templo de Laie Havaí, a Universidade Brigham Young — Havaí e o Centro Cultural Polinésio.16
O TRABALHO MISSIONÁRIO E A IMIGRAÇÃO
Apesar da Guerra Civil que devastava os Estados Unidos, do exército de Connor, dos morrisitas e de Walter Murray Gibson, o maior interesse dos líderes da Igreja continuou sendo a expansão de Sião: A conversão de mais pessoas à Igreja e a reunião do maior número possível de membros em Utah.
Aproximadamente cinqüenta novas colônias foram iniciadas durante esse período, quando a maior parte da nação encontrava-se em grande tumulto. As novas colônias incluíam St. George, no sul de Utah, que fazia parte da “missão do algodão” iniciada na época em que se tornou impossível adquirir suprimentos da América do Sul. Pipe Springs foi fundada no norte de Arizona; Monroe, Salina e Richfield, na parte central de Utah; Laketown, Paris e Montpelier, na região de Bear Lake, em Utah e Idaho. As colônias mais antigas, a maioria delas de base agrícola, tornaram-se mais fortes. Quando a mineração em Colorado, Montana, Idaho e Nevada tornou- se um grande negócio, no início da década de 1860, centenas de carroções de Utah foram carregados com farinha, grãos e outros produtos agrícolas e levados para os campos de mineração para serem vendidos, melhorando as condições financeiras dos santos. Esse foi um período de grande prosperidade para as pessoas que haviam sofrido com a Guerra de Utah e a mudança para o sul.
O trabalho missionário também se fortaleceu durante a Guerra Civil. Embora não tenha havido praticamente nenhuma atividade missionária na América durante essa época, a Igreja cresceu em toda a Europa. O desenvolvimento do serviço telegráfico transoceânico ajudou imensamente a comunicação com os santos europeus. Em 1860, a Primeira Presidência enviou três membros do Conselho dos Doze — Amasa M. Lyman, Charles C. Rich e George Q. Cannon — para presidir a missão da Inglaterra e a missão européia, sendo que ambas tinham sua sede em Liverpool, Inglaterra. Esses três Apóstolos presidiram a missão européia até 14 de maio de 1862, quando os Élderes Lyman e Rich voltaram para casa. O Élder Cannon foi para Washington, D. C., a fim de trabalhar por curto período na tentativa de obter a condição de estado para o território de Utah, depois voltou para a Inglaterra a fim de presidir a missão até sua volta a Utah, em 1864.
Usando missionários locais ingleses e escandinavos, por não haver missionários americanos disponíveis, os Apóstolos deram novo vigor ao trabalho de coligação de Israel, tanto nas ilhas britânicas quanto no continente europeu. O número de conversos aumentou novamente, depois do declínio ocorrido durante a Guerra de Utah. A Inglaterra e os países escandinavos mostraram-se férteis campos de trabalho. Para economizar os fundos da Igreja, Brigham Young instruiu os missionários a “viajar sem bolsa nem alforje” e conseguir seu alimento e pousada na casa de membros da Igreja que estivessem dispostos a colaborar. A maioria dos missionários tinha esposa e filhos em casa que se sustentavam por conta própria com o apoio dos quóruns do sacerdócio locais.
Os líderes da Igreja estavam sempre procurando descobrir maneiras novas e mais eficazes de levar os santos europeus para Sião. No outono de 1860, John W. Young levou do rio Missouri até o vale um grupo de imigrantes em carroções puxados por bois, depois de haver conduzido até o leste uma caravana carregada de produtos para serem vendidos a fim de prover o sustento dos imigrantes. Seu empreendimento foi tão bem-sucedido que deram permissão para comentá-lo na conferência geral.
Depois disso, parelhas de bois saíam de Utah em abril, com provisões para os imigrantes daquele ano, voltando com os imigrantes, no verão e início do outono. Chamaram-se jovens para servir como missionários e condutores de animais desses “comboios da Igreja”. Entre 1861 e 1868, a Igreja levou mais de dezesseis mil europeus para Utah a custo bastante reduzido, porque os santos doavam parelhas, trabalho e suprimentos. Além disso, foi reduzida a necessidade de comprar suprimentos de estranhos.
O CRESCIMENTO DE SALT LAKE CITY
Em 1860, havia 8.200 pessoas em Salt Lake City; em 1870 havia 12.800. De acordo com o recenseamento de 1870, 65 por cento da população havia nascido no exterior. A maior parte tinha vindo das ilhas britânicas, mas também havia muitas pessoas nascidas na Escandinávia. Salt Lake City foi o centro de colonização para o restante da Igreja.
Utilizando a mão de obra fornecida pelos imigrantes recém-chegados, o departamento de obras públicas construiu vários edifícios importantes. Durante a década de 1850, a Casa do Conselho, o Salão Social, a Casa de Investiduras e um armazém do dízimo foram construídos na próspera comunidade. Na década de 1860, foram construídos o Teatro de Salt Lake, a prefeitura, um arsenal, a Beehive House, a Lion House e o Tabernáculo de Salt Lake. O Teatro de Salt Lake, concluído em 1862, tornou-se sede de muitas atividades recreativas e culturais do vale.
De 1850 a 1870, Daniel H. Wells serviu como Superintendente das Obras Públicas de Salt Lake City. Também serviu como oficial chefe da Legião de Nauvoo, Segundo Conselheiro na Primeira Presidência, a partir de 1857, e prefeito de Salt Lake City, a partir de 1866.
Acreditando que os santos seriam fortalecidos espiritualmente se tivessem um prédio adequado em que pudessem reunir-se para receber instruções de seus líderes, o Presidente Brigham Young traçou os planos para a construção de um novo tabernáculo. Ele imaginou uma casa de adoração no formato de um grande domo. O Presidente Young, com a ajuda de Henry Grow, construtor de pontes, William H. Folsom, arquiteto da Igreja na época, e Truman O. Angell, responsável pelo desenho da maior parte do interior do edifício, dirigiu a construção de um edifício de características únicas. Ele tinha 45,7 m de largura, 76 m de comprimento e 24,4 m de altura. O tabernáculo foi concluído em tempo para sediar a conferência geral de outubro de 1867. Na mesma época, um gigantesco órgão foi construído para o tabernáculo pelo soberbo construtor de órgãos Joseph H. Ridges, converso da Austrália. O tipo certo de madeira para o órgão foi finalmente encontrado em Pine Valley, a 480 quilômetros de distância, no sul de Utah, sendo cuidadosamente transportado em cerca de vinte carroções até Salt Lake City. A princípio, o tabernáculo tinha problemas de acústica, mas com o acréscimo de um balcão elevado, em 1870, a famosa estrutura, que acomoda oito mil pessoas, tornou-se o local ideal para grandes reuniões.
O trabalho de construção do Templo de Salt Lake foi retomado em 1860. Em 1861, porém, os líderes da Igreja concluíram que os alicerces eram defeituosos. Brigham Young decidiu que um novo alicerce, totalmente feito de granito cortado das montanhas vizinhas, seria necessário para suportar o enorme peso do templo projetado. As novas fundações deveriam ter 4.9 metros de espessura. O Presidente Young declarou: “Quero que este Templo permaneça de pé durante todo o Milênio e que seja construído de modo aceitável ao Senhor”.17O trabalho de reconstrução dos alicerces progrediu lentamente, e as paredes só atingiram o nível do chão em 1867.
Apesar dos problemas com os apóstatas e as tropas militares, a melhoria da comunicação e dos transportes, o crescimento da obra missionária, o aumento do número de colônias, a melhoria das oportunidades econômicas proporcionaram muita alegria à Igreja. Enquanto a maior parte da nação sofria as conseqüências de um conflito sangrento, a situação dos santos dos últimos dias durante o período da Guerra Civil contrastava de modo marcante com o restante dos Estados Unidos. Os cidadãos de Utah gozavam de paz e prosperidade. Depois dos anos difíceis da Guerra de Utah, a Igreja estava novamente progredindo em seu curso divinamente traçado.
Cronologia Data |
Evento Significativo |
---|---|
12 abr. 1861 |
Tem início a Guerra Civil Americana, em Fort Sumter |
Abr.–set. 1861 |
Primeira utilização bemsucedida de “caravanas da Igreja” para a imigração |
Out. 1861 |
Concluída a linha telegráfica transcontinental até Utah |
Abr. 1862 |
Companhia de milicianos mórmons serve no exército dos Estados Unidos |
Junho 1862 |
Início da Guerra Morrisita |
Out. 1862 |
Os “voluntários da Califórnia” chegam a Utah sob o comando do coronel Patrick Edward Connor |
1864 |
Os problemas com Walter Murray Gibson no Havaí são resolvidos |
Abr. 1865 |
Fim da Guerra Civil |
1867 |
Término da construção do Tabernáculo de Salt Lake |