CAPÍTULO VINTE E OITO
O ISOLAMENTO DE UTAH
QUANDO OS SANTOS chegaram pela primeira vez ao vale do Lago Salgado, ficaram contentes de estar isolados dos inimigos e poder edificar o reino de Deus em paz e segurança. Brigham Young declarou aos membros da Companhia Pioneira, em 24 de julho de 1847: “Se o povo dos Estados Unidos nos deixar em paz por dez anos, não teremos que pedir qualquer privilégio especial a eles”.1Com o apoio do Senhor e por sua própria industriosidade, os santos estabeleceram um forte refúgio no intervalo de dez anos. O sucesso, porém, não foi fácil. Houve conflitos com as pessoas designadas pelo governo, e muito sacrifício foi exigido dos membros da Igreja para chegarem a Sião e colonizarem-na.
A ORGANIZAÇÃO DO TERRITÓRIO DE UTAH
Os líderes da Igreja elaboraram planos em 1848 para negociar com o governo dos Estados Unidos a condição de estado ou território. Em março de 1849, uma eleição foi realizada para ratificar as autoridades do território proposto, e no início de maio, uma petição de quase sete metros de comprimento, contendo 2.270 assinaturas foi enviada a Washington, D. C., propondo a criação de um imenso território, que incluía Utah, Nevada, parte do Arizona, Novo México, Colorado, Wyoming e Oregon, e um terço da Califórnia, inclusive uma estreita faixa do Pacífico que abrangia a cidade portuária de San Diego.
John M. Bernhisel, médico com talento para política, foi escolhido para levar a petição de Deseret à capital do país. No caminho entre Deseret e Washington, encontrou-se com importantes políticos do leste e conseguiu considerável apoio a seu projeto. Em novembro de 1849, o Doutor Bernhisel encontrou-se na Filadélfia com Wilford Woodruff e o coronel Thomas L. Kane, grande amigo da Igreja. Um ano antes, a pedido de Brigham Young, Kane havia visitado Washington e falado com o Presidente James K. Polk e outras autoridades do governo a respeito de um governo territorial para Deseret. Ele não encontrou muita simpatia para com os mórmons em Washington, por isso sugeriu uma petição para que Deseret se tornasse estado. Na condição de território, as autoridades do governo seriam designadas pelo presidente.
Kane disse a Wilford Woodruff: “Vocês estão em melhor situação sem um governo controlado pelo congresso do que estariam com um governo territorial. As intrigas políticas das autoridades do governo estarão contra vocês. Podem governar-se melhor do que eles serão capazes de fazê-lo (…) Não vão querer políticos corruptos de Washington passeando a sua volta com dragonas militares nos ombros e uniformes, tentando aproveitarem-se de vocês a todo instante”. Kane também recomendou que Brigham Young fosse o governador porque “sua cabeça não está cheia de leis e estratagemas jurídicos, mas ele tem o poder de enxergar através das pessoas e coisas”.2
Na época em que Bernhisel se encontrou com Kane, os líderes da Igreja em Salt Lake City tinham também concluído que deveriam dirigir seus esforços no sentido de conseguir apoio político para tornarem-se estado em vez de território. Elaboraram uma constituição formal para o Estado de Deseret, com todas as devidas autoridades eleitas, inclusive os membros da Primeira Presidência: Brigham Young como governador, Heber C. Kimball como vice-governador e Willard Richards como secretário de estado. Almon W. Babbitt foi escolhido como representante no Congresso e partiu em julho com um esboço da constituição. Babbitt imprimiu o documento em Kanesville, Iowa, e encontrou-se com o Dr. Bernhisel em Washington, em dezembro.
Infelizmente, não foi dada a mínima atenção à petição para que Deseret se tornasse estado. Como o coronel Kane e o Dr. Bernhisel rapidamente perceberam, as autoridades de Washington estavam preocupados com o conflito entre os estados do norte e do sul referente à implantação da escravidão no território conquistado na guerra contra o México. De dezembro de 1849 a setembro de 1850, o congresso debateu veementemente questões ligadas à escravidão e demonstrou pouco interesse pela colônia mórmon na Grande Bacia.
O melhor amigo da Igreja no congresso foi o senador Stephen A. Douglas, de Illinois, que havia feito amizade com Joseph Smith e os santos durante o período de Nauvoo. Douglas, presidente do comitê do senado responsável pelos territórios, concedeu uma entrevista ao Dr. Bernhisel e prometeu ajudar a levar a petição adiante no processo legislativo. Apesar de o congresso concordar rapidamente com a petição da Califórnia, que crescia rapidamente, para tornar-se estado, a controvérsia referente à escravidão impedia que fosse dada muita atenção a pedidos feitos por regiões pouco habitadas, como Deseret e o Novo México. O senador Douglas decidiu solicitar a condição de território, a fim de apaziguar o sul, que não aceitava mais senadores de estados “livres”. Também mudou o nome de Deseret para Utah (por causa dos índios ute) para não ofender seus colegas, particularmente o senador Thomas Benton, de Missouri, que achava que Deseret era uma palavra muito semelhante a “deserto”.3
Depois de longo debate, o congresso preparou um pacote legislativo conhecido como o Compromisso de 1850, que, entre outras coisas, admitia a Califórnia na União, como estado livre, e designava Utah e o Novo México como territórios, com o direito de decidirem por voto popular se desejavam tornar-se estados livres ou escravagistas. No dia 9 de setembro de 1850, o presidente Millard Fillmore assinou um projeto de lei criando o território de Utah. Nem os santos dos últimos dias nem as autoridades federais sabiam que essa medida daria início a quarenta e cinco anos de desconfiança e conflito, antes que a condição de estado fosse finalmente concedida.4
O talento de Bernhisel em conseguir apoio político tornou-se particularmente importante quando o presidente Fillmore considerou a possibilidade de designar as autoridades para o novo território. Em entrevista com o presidente, Bernhisel declarou: “Como cidadãos americanos, o povo de Utah não pode deixar de considerar-se no direito de ser governado por homens de sua própria escolha, dignos de sua confiança e que compartilhem da mesma opinião e sentimentos”.5Fillmore, temendo que o senado não aprovasse uma bancada inteiramente mórmon, chegou a um meio-termo e escolheu quatro mórmons (Young, Snow, Blair e Heywood) e quatro outros para as vagas nomeadas pelo governo federal. Os indicados para o governo do novo território foram: Brigham Young, governador e superintendente de assuntos indígenas; Broughton D. Harris, de Vermont, secretário; Joseph Buffington, de Pensilvânia, juiz superior; Zerubbabel Snow, de Ohio, e Perry E. Brocchus, de Alabana, juízes auxiliares; Seth M. Blair, de Utah, procurador da justiça; Joseph L. Heywood, de Utah, representante do governo federal; e Henry R. Day, agente dos índios.
CONFLITO COM OS QUE NÃO ERAM MÓRMONS
Por todo o outono e inverno de 1850 e 1851, informações truncadas a respeito das medidas tomadas pelo governo federal chegaram ao vale do Lago Salgado. Ao saber que havia sido indicado para o cargo de governador e designado a realizar um recenseamento e estabelecer distritos legislativos, Brigham Young começou a trabalhar imediatamente após fazer o juramento do cargo, em 3 de fevereiro de 1851. Uma eleição para outras autoridades foi realizada em agosto, sendo que o oficial mais importante eleito foi John M. Bernhisel, como representante territorial junto ao congresso.
Os indicados que não eram mórmons chegaram durante o verão seguinte. O primeiro a chegar foi o Juiz superior Lemuel D. Brandenbury, que tomou o lugar de Joseph Buffington, depois que este recusou o cargo. Os santos acolheram Brandenbury cordialmente e realizaram um banquete e vários bailes em sua homenagem. Cada uma das outras autoridades foi tratada de maneira semelhante. O último a chegar foi o juiz auxiliar Perry E. Brocchus, que disse a seu companheiro de viagem, Orson Hyde, que gostaria de ser candidato a representante do território de Utah no congresso. Ao chegar, em 17 de agosto, ficou frustrado com a eleição de Bernhisel.
O conflito entre os santos e as autoridades “gentias” teve início quase imediatamente. O secretário territorial, Broughton Harris, acusou Brigham Young de irregularidades na realização do recenseamento e da eleição, cujos resultados não poderiam ser tecnicamente confirmados sem o secretário. Com desdém, o Sr. Harris referiu-se aos homens mórmons e suas diversas esposas dizendo serem pouco mais do que animais. Devido a sua atitude hostil, Harris recusou-se a entregar o selo territorial ao governador Young e os vinte e quatro mil dólares destinados à campanha para governador.
Em setembro, o juiz Perry Brocchus pediu permissão a Brigham Young para falar na conferência geral da Igreja. Depois de expressar gratidão pela hospitalidade e bondade dos santos, lançou um ataque contra os mórmons por sua falta de patriotismo e a imoralidade das mulheres (devido ao casamento plural). A audiência ficou furiosa com o discurso de Brocchus. O Presidente Young tomou o púlpito e repreendeu Brocchus por seus comentários imprudentes. Os dois homens trocaram correspondência mais tarde, e em vez de chegarem a um acordo, mostraram-se irreconciliáveis nas opiniões. Do ponto de vista do que não era membro da Igreja, os mórmons eram culpados de rebelião por ofenderem os Estados Unidos e suas autoridades, eram um povo estranho e imoral por causa de suas práticas matrimoniais incomuns e estavam sujeitos ao domínio político “não americano” de seus líderes da igreja. Os santos dos últimos dias, por outro lado, sentiam- se justificados em criticar os Estados Unidos por não lhes conceder reparação pelas atrocidades que sofreram em Missouri e por não condenarem os assassinos de Joseph e Hyrum Smith. Além disso, lembravam que apesar de todas essas injustiças, permaneciam leais à constituição.
Brocchus, Harris, Brandenbury e Day partiram de Utah em 28 de setembro de 1851. Essas “autoridades foragidas” como os santos os chamavam, foram a Washington, D. C., com histórias grandemente floridas a respeito dos mórmons, inclusive a respeito da prática do casamento plural. Eles alegavam que tinham sido obrigados a partir de Utah por causa da influência ilegal e rebelde de Brigham Young e da maioria dos moradores locais. Antecipando essas acusações, o governador Brigham Young escreveu ao presidente Fillmore explicando seu próprio ponto de vista a respeito dos assuntos do território. Ele também enviou Jedediah M. Grant para unir-se a John M. Bernhisel e Thomas L. Kane, em Washington, para representar os interesses da Igreja. Depois de ler a carta do governador Young e realizar investigações preliminares, o secretário de estado dos Estados Unidos, Daniel Webster, ordenou que as “autoridades foragidas” voltassem a seus cargos ou se demitissem. Eles desistiram do cargo.6
Em Utah, os assuntos territoriais prosseguiram sem interrupção, e as leis previamente promulgadas pelo estado provisório de Deseret foram oficialmente incorporadas à lei territorial. Em homenagem ao presidente dos Estados Unidos, a assembléia legislativa criou o condado de Millard, dando o nome de Fillmore a sua capital, e designaram-na como futura capital do território. A mais importante medida tomada pela assembléia legislativa, promulgada em 4 de fevereiro de 1852, concedeu jurisdição tanto civil quanto criminal aos tribunais testamentários, que eram presididos por líderes da Igreja. Desse modo, na prática, esses tribunais tomaram o lugar dos tribunais federais, que eram presididos por juízes indicados pelo presidente dos Estados Unidos. Essa situação permaneceu inalterada em Utah, até que o congresso revogou o estatuto territorial, em 1874. Enquanto isso, o presidente Fillmore indicou autoridades que, por não criticarem os santos, ganharam maior popularidade entre os cidadãos.7
No outono de 1853, uma tragédia entristeceu tanto os santos quanto os gentios. O capitão John W. Gunnison liderou um grupo de engenheiros topográficos para pesquisar o território de Utah para a construção da futura estrada de ferro transcontinental. Em outubro, um bando de índios vingativos, irados porque integrantes de uma caravana que migrava para a Califórnia havia matado um membro de sua tribo e ferido dois outros, atacaram a equipe de Gunnison, matando seu comandante e sete outras pessoas. “A tragédia causou grande tristeza em todas as comunidades ‘mórmons’, porque Gunnison era respeitado por todos por sua bondade e cordialidade. Apesar de nenhum membro da Igreja ter participado da matança, a imagem da Igreja foi manchada por rumores de que os mórmons haviam planejado e ordenado o terrível ataque.8
Em 1854, no final do mandato de quatro anos de Brigham Young como governador, o presidente Franklin Pierce recusou os pedidos dos cidadãos de Utah para que fosse novamente nomeado. Em vez disso, ele escolheu o coronel E. J. Steptoe como governador. Steptoe estava em Utah cumprindo designação de estudar a possibilidade de construir-se uma estrada militar que cruzava o território e para ajudar na captura dos assassinos da equipe de Gunnison. Em vez de aceitar o cargo de governador, Steptoe assinou a petição para a renomeação de Brigham Young e partiu para a Califórnia. Pierce ofereceu o cargo a outras pessoas, mas quando estes também se recusaram a aceitá-lo, o presidente renomeou Brigham Young como governador.9
A REUNIÃO EM SIÃO É ACELERADA
Apesar da aparentemente monumental tarefa de construir uma cidade modelo em sua nova Sião, os líderes da Igreja aceitaram outros desafios. Poucas coisas eram mais urgentes do que a divulgação do evangelho de Jesus Cristo e os preparativos para a chegada dos santos conversos. Era meta da Igreja reunir todos os membros no oeste. O trabalho missionário foi tão bem-sucedido na Inglaterra e em vários outros lugares do continente europeu, que no início de 1850, os membros da Igreja na Europa eram mais numerosos do que em Utah. Por exemplo, havia 30.747 santos dos últimos dias nas ilhas britânicas em 1850 e 11.380 em Utah. Com o sucesso da obra missionária, tornou-se uma tarefa hercúlea fazer os preparativos para a emigração de tantas pessoas, particularmente porque a maioria dos conversos era pobre.
Apesar desses desafios, com a organização do Fundo Perpétuo de Emigração (PEF) em 1849, os santos que permaneciam no acampamento de Iowa foram levados para o vale, em 1852. A atenção pôde então ser voltada para a reunião dos muitos milhares de membros da Igreja na Europa. Amigos e parentes em Utah desempenharam um importante papel na reunião dos santos europeus. Os líderes da Igreja incentivaram os amigos e familiares a contribuir com dinheiro, ou bens que pudessem ser convertidos em dinheiro, ao escritório do PEF em Salt Lake City, que por sua vez orientava os agentes no exterior a enviar o nome das pessoas sob os cuidados da companhia. A maioria dos imigrantes, porém, não viajou totalmente às custas dos fundos do PEF. Muitos santos europeus pagaram toda ou a maior parte da despesa de viagem por conta própria.10
O PEF empregou vários agentes ao longo da rota até a Grande Bacia para auxiliar os santos imigrantes. O agente de Liverpool, Inglaterra, arrendava navios e reunia e instruía os futuros emigrantes. Durante os primeiros anos, os emigrantes viajaram para Nova Orleans, onde eram recebidos por outro representante e encaminhados pelo rio Mississipi até St. Louis. Um terceiro agente providenciava a viagem de aproximadamente 800 quilômetros pelo rio Missouri, até um posto militar, onde um último agente preparava-os para a viagem por terra até Utah. Em 1855, a rota Nova Orleans — rio Mississipi foi abandonada por insalubridade, sendo substituída pela entrada nos Estados Unidos pela Filadélfia, Nova York ou Boston, de onde os imigrantes viajavam de trem até St. Louis ou por outra estrada de ferro mais a oeste. A jornada inteira geralmente durava oito ou nove meses.11
Em mais de meio século de viagens marítimas, os santos “sofreram um único naufrágio, que foi o do navio americano Julia Ann .”12Vinte e oito membros da Igreja estavam a bordo do Julia Ann, que zarpou da Austrália com destino a San Francisco. Cinco pessoas morreram quando o navio encontrou fortes ventos que o impeliram para um recife de coral. “Os santos e alguns mestres atribuem tamanha segurança à Providência Divina e ao fato de que os navios freqüentemente eram dedicados e abençoados antes de os emigrantes embarcarem para a viagem. Muitos desses navios acabaram-se perdendo no mar, mas não enquanto levavam passageiros mórmons”.13
Uma praga de gafanhotos durante o verão de 1855 prejudicou seriamente a economia de Utah, e mesmo com as doações dos santos, o PEF enfrentou dificuldades financeiras. Os líderes da Igreja procuraram um meio de cortar as despesas de imigração.14Brigham Young escreveu a Franklin D. Richards, presidente da missão européia, em setembro de 1855: “Não podemos comprar carroções e animais como fazíamos no passado, estou por isso voltando a meu velho plano: construir carrinhos de mão e fazer a migração a pé, levando os suprimentos necessários, com uma vaca ou duas para cada dez carrinhos. Eles poderão viajar tão rapidamente, ou talvez mais rápido, e de modo muito mais barato. Podem partir mais cedo e escapar das epidemias que anualmente levam muitos de nossos irmãos para a sepultura”.15Uma epístola geral escrita pela Primeira Presidência dando instruções detalhadas sobre a viagem com carrinhos de mão foi lida em outubro de 1855, na conferência geral, mas não foi implementada até 1856. Estimou-se que com a utilização de carrinhos de mão os custos de emigração seriam reduzidos de um terço ou da metade, por pessoa. Conseqüentemente, um número muito maior de pessoas poderia viajar para Sião usando os fundos do PEF disponíveis.
A imigração durante o ano de 1856 foi especialmente grande, com muitos santos cruzando as planícies pela primeira vez puxando carrinhos de mão. Ao chegar nos portos do leste dos Estados Unidos, eles viajavam de trem até o terminal de Iowa City, Iowa. Ali, os agentes cuidavam dos preparativos de carrinhos de mão desenhados para puxar ou empurrar uma carga de cinqüenta a duzentos e cinqüenta quilos de alimentos e roupas. As três primeiras companhias, lideradas por ex-missionários, heroicamente atravessaram as planícies a pé, e chegaram em segurança ao vale do Lago Salgado entre 26 de setembro e 2 de outubro.16O Élder J.D.T. McAllister, que ajudou a equipar a primeira companhia, compôs um alegre hino, que os emigrantes de carrinhos de mão cantavam enquanto cruzavam as planícies:
Ó santos que moram nas praias da Europa
Preparem-se juntamente com muitos outros
Para deixar para trás sua terra natal
Pois os juízos de Deus estão às portas.Preparem-se para cruzar o tempestuoso mar
Antes de poderem o vale alcançar
E com os fiéis dar início à jornada
Através das planícies com seus carrinhos de mão.Refrão:
Alguns empurram e outros puxam
Enquanto subimos a ladeira a marchar,
E alegres seguimos pelo caminho
Até chegarmos ao vale. 17
Como as que as precederam, as companhias de carrinhos de mão tiveram suas aventuras e provações. O salvamento do pequeno Arthur Parker, de seis anos de idade, ocorreu enquanto a primeira companhia de carrinhos de mão estava passando por uma trilha na floresta, entre Iowa City e Florence, Nebraska. Certo dia, Arthur, que estivera doente, sentou-se para descansar ao longo da trilha, sem que qualquer pessoa o notasse. A companhia prosseguiu a viagem até que foram surpreendidos por uma tempestade e montaram rapidamente um acampamento. Descobrindo que Arthur não estava com as outras crianças, começaram uma busca organizada. Depois de dois dias de busca, devido à escassez de alimentos, a companhia foi obrigada a seguir viagem. O irmão Parker voltou pela trilha sozinho à procura do filho. Ao partir, sua esposa deu-lhe um xale vermelho. Se o filho estivesse morto, o pai deveria embrulhá-lo no xale; se estivesse vivo, ele agitaria o xale como sinal para a família ansiosa.
Por várias horas, o irmão Parker voltou pela trilha, chamando, procurando e orando por seu filho desamparado. Num posto de correio e trocas ele ficou sabendo que um fazendeiro e sua esposa haviam encontrado Arthur e o ajudado. Por três dias, Ann Parker e seus filhos esperaram e vigiaram, e toda a companhia orou pelo pequeno Arthur. No terceiro dia, ao olhar para trás, ela viu o marido ao longe. Ele estava agitando o xale. Ann caiu de joelhos e depois dormiu pela primeira vez em seis dias.18
Twiss Birmingham, que também estava na primeira companhia de carrinhos de mão, relembra que a companhia percorria cerca de quarenta quilômetros por dia, puxando os carrinhos de mão. No dia 3 de agosto de 1856, Twiss escreveu em seu diário: “Começamos às 5 da manhã sem comer o desjejum e tivemos que puxar os carrinhos por dez quilômetros de terreno arenoso. Em alguns lugares as rodas afundavam na areia até o eixo e eu estava tão fraco pela sede e fome e exausto com a dor causada pelas bolhas que tive que me deitar muitas vezes. Muitos outros fizeram o mesmo. Alguns caíram de cansaço. Fiquei muito triste hoje, a ponto de sentir que meu coração ia partir-se, ao ver a pobre Kate, doente, arrastando-se apoiada nas mãos e nos joelhos, enquanto as crianças choravam de fome e cansaço. Tive que pegar as crianças e colocá-las dentro do carrinho e incentivá- las para que não ficássemos para trás”.19
Quando os santos preparavam-se para a conferência geral em Salt Lake City, em outubro de 1856, todos pensavam que com a chegada da terceira companhia de carrinhos de mão estaria terminada a imigração naquele ano. Franklin D. Richards, porém, que havia chegado ao vale dois dias antes da conferência, anunciou que duas outras companhias de carrinhos de mão e duas caravanas de carroções levando suprimentos ainda estava nas planícies, necessitando desesperadamente de alimentos e roupas para completar a jornada. As companhias Willie e Martin haviam partido atrasadas de Liverpool, Inglaterra, e tiveram outro atraso em Iowa City, Iowa, esperando pela construção de novos carrinhos de mão. Como a madeira usada para os carrinhos não havia sido devidamente envelhecida, muitos consertos foram necessários em Florence, Nebraska, o que os atrasou ainda mais.
Um dos líderes, Levi Savage, havia pedido aos santos que permanecessem em Winter Quarters até a primavera, mas seu voto foi suplantado pelo dos imigrantes entusiasmados porém ingênuos. O irmão Savage então declarou: “Irmãos e irmãs, sei que o que eu disse é verdade; mas vendo que estão decididos a seguir adiante, irei com vocês e ajudarei de todas as maneiras que me for possível, trabalharei com vocês, descansarei com vocês, sofrerei com vocês e, se necessário, morrei com vocês. Que Deus em Sua misericórdia nos abençoe e nos preserve”.20No início de outubro, os imigrantes estavam avançando lentamente através de Wyoming, quando a pouca roupa que cada membro levou consigo não lhes dava suficiente proteção do frio.21
Quando Brigham Young soube que essas companhias ainda estavam nas planícies, ele falou aos santos que estavam reunidos na conferência geral. Essa reunião, na verdade, foi realizada no dia 5 de outubro, um dia antes do início oficial da conferência. Brigham Young disse:
“Meu tema será: “Vão buscá-los”. (…)
Convocarei os bispos hoje, não esperarei até amanhã nem até o dia seguinte; precisamos de 60 boas parelhas de mulas e 12 ou 15 carroções (…)
Digo-lhes que toda a sua fé, crença e profissão de fé não salvará uma alma sequer no reino celestial de Deus, a menos que coloquemos em prática os princípios que estou-lhes ensinando agora. Vão agora mesmo buscar aquelas pessoas nas planícies”.22A resposta foi impressionante. Dezesseis carroções carregados de comida e suprimentos foram rapidamente preparados; e na manhã do dia 7 de outubro, dezesseis juntas de quatro mulas e vinte e sete homens fortes (que ficaram conhecidos como os “voluntários” de Brigham Young) partiram para o leste com as primeiras provisões. Mais ajuda foi solicitada e recebida de todas as partes do território. No final de outubro, duzentas e cinqüenta equipes haviam partido para o resgate.23
Enquanto isso, as primeiras nevascas impediram a companhia Willie de prosseguir, poucos quilômetros a leste de South Pass, e a companhia Martin, ainda mais para trás, próximo ao último ponto de travessia do rio North Platte. As equipes de resgate finalmente encontraram a companhia Willie em 19 de outubro e a companhia Martin nove dias depois. Alguns voluntários que procuravam a companhia Martin tinham até mesmo voltado para o vale, imaginando que os imigrantes deveriam ter encontrado algum tipo de local de refúgio para passar o inverno. Os santos de ambas as companhias estavam congelando, enfraquecidos e quase morrendo de fome. Vários deles já haviam morrido, e mesmo depois da chegada da equipe de socorro, ainda quase cem pessoas morreram.24
Um dos primeiros a encontrar a aflita companhia Martin foi o vigoroso Ephraim Hanks, que havia matado e esquartejado um búfalo no caminho. Ephraim conta: “Alcancei a caravana aflita quando os imigrantes estavam acampando para passar a noite. A visão que tive ao entrar no acampamento jamais será apagada de minha memória. O corpo faminto e a expressão triste daquelas pobres pessoas aflitas, enquanto moviam-se lentamente, tremendo de frio, para preparar seu minguado jantar, era capaz de tocar o coração mais empedernido. Quando eles me viram chegar, acolheram-me com inexprimível alegria, e quando souberam que eu levava comigo carne fresca, sua gratidão não teve limites”.25
Levar os aflitos imigrantes para o vale não foi tarefa fácil. Muitas mulheres tinham ficado viúvas e as crianças, órfãs. Vários não podiam caminhar, porque estavam com os pés e as pernas congelados. Quando removeram- se os sapatos e as meias dos pés de Maggie Pucell, de quatorze anos, e de sua irmã Ellen, de dez anos, a pele saiu junto. O tecido morto foi raspado dos pés de Maggie, mas os de Ellen estavam tão gravemente afetados que tiveram que ser amputados logo abaixo do joelho. A companhia Willie chegou a Salt Lake City em 9 de novembro, e a companhia Martin arrastou- se para dentro da cidade, em meio a uma multidão de santos que os recepcionou, em 30 de novembro. Em dezembro, os integrantes dos comboios de carroções independentes, que haviam parado em Fort Bridger, chegaram ao vale.26
Mais de duzentos integrantes das duas companhias de carrinhos de mão morreram, não tendo conseguido chegar a Sião. Mais pessoas morreram nessas duas companhias do que em qualquer outro grupo de imigrantes na história dos Estados Unidos. A culpa não foi do meio de transporte, mas resultado de uma combinação incomum e inesperada de circunstâncias. Nos anos seguintes, a Igreja patrocinou cinco outras companhias de carrinhos de mão, e todas elas chegaram ao vale sem dificuldades extraordinárias.
A COLONIZAÇÃO AMPLIA-SE
Quando os imigrantes chegavam a Salt Lake City geralmente eram recebidos ao saírem do desfiladeiro Emigration e levados até um quarteirão da cidade chamado Praça da Emigração. Brigham Young ou outro líder da Igreja dava-lhes as boas-vindas e as alas da cidade ofereciam-lhes uma bem merecida festa de comemoração. Depois de alguns dias, nos quais eram cuidados pelos santos, os recém-chegados eram enviados a outras comunidades ou recebiam terra e trabalho nos arredores de Salt Lake City. Especialmente nos primeiros anos, os imigrantes geralmente eram designados a um lugar, correlacionando-se as necessidades das várias comunidades e as habilidades dos imigrantes. Entre 1847 e 1857 mais de cem cidades foram fundadas e colonizadas.27
Depois do trabalho de Parley P. Pratt com a Companhia de Exploração do Sul, em 1849–1850, os líderes da Igreja começaram a estabelecer comunidades ao longo do “Corredor Mórmon”, junto à cadeia de montanhas que corria para sudoeste, em direção ao sul da Califórnia. As primeiras dessas comunidades foram Parowan, um centro agrícola, e Cedar City, a sede da “missão do ferro”, ambas fundadas em 1851. Em 1853, quase todos os outros locais recomendados pela Companhia de Exploração do Sul haviam sido colonizados.
San Bernardino, no sul da Califórnia, também foi fundada em 1851. Destinava-se a ser uma base de suprimentos e um ponto de chegada próximo a um porto do Pacífico. Os Élderes Amasa Lyman e Charles C. Rich, do Quórum dos Doze Apóstolos, presidiam a colônia, que cresceu até chegar a sete mil habitantes, em 1857. Os planos para levar os santos europeus ao redor do cabo Horn, na América do Sul, passando por San Bernardino e subindo o Corredor Mórmon até Salt Lake City nunca se concretizou porque os navios não puderam ser fretados. Alguns dos santos da Austrália, Nova Zelândia e das ilhas do Pacífico Sul, porém, chegaram por San Bernardino. Brigham Young por fim colocou em dúvida a sensatez de manter um centro tão grande na Califórnia. Em 1857, os membros da colônia foram chamados de volta, em parte porque as tropas federais estavam marchando para Utah, e em parte porque a colônia estava tendo problemas e contendas internas com os vizinhos que não eram membros. Alguns moradores de San Bernardino não atenderam ao chamado do profeta e permaneceram na Califórnia.
A expansão das colônias também foi influenciada pelo trabalho missionário entre os índios. Logo após a fundação de Cedar City, foram enviados grupos para explorar os rios Virgin e Santa Clara, e em 1854 foram enviados homens para trabalhar entre os índios da região. Os missionários não apenas ensinaram o evangelho, mas também tentaram ajudar os índios a construir casas e aprender melhores métodos agrícolas. Os missionários também foram designados a estabelecer uma missão indígena em Las Vegas, Nevada, em Elk Mountain, junto ao rio Colorado, próximo à atual Moab, Utah, e em Fort Lemhi, no rio Salmon, na região central de Idaho. A missão de Elk Mountain, apesar de apresentar algum sucesso entre os utes, foi abandonada em 1855 por causa de uma guerra entre os utes e navajos, e porque alguns índios atacaram os missionários. Os colonos de Las Vegas e Fort Lemhi foram chamados de volta por Brigham Young em 1858. Uma das principais razões para se fechar as colônias foi um ataque dos índios shoshone a Fort Lemhi, que resultou na morte de vários missionários.
AIgreja estabeleceu duas pequenas comunidades próximas à bifurcação da trilha do Oregon com a trilha Mórmon. O propósito dessas comunidades era supervisionar o acesso a Utah do leste e servir de posto de suprimentos para os imigrantes. Brigham Young quis comprar Fort Bridger de um montanhista chamado Jim Bridger, mas quando Orson Hyde liderou um grupo de colonos ao forte, em 1853, Bridger e seus companheiros recusaram-se a vendê-lo. Desapontado, mas não desanimado, o grupo de irmãos estabeleceu outra colônia, Fort Supply, aproximadamente dezenove quilômetros ao sul, de onde levaram o trabalho missionário aos índios. Em 1855, a Igreja finalmente conseguiu comprar Fort Bridger de seus proprietários, Jim Bridger e Louis Vasquez. As duas comunidades forneciam suprimentos tanto para viajantes mórmons quanto os que não eram mórmons.28
A última comunidade formada durante esses dez primeiros anos foi Carson Valley, na região oeste do atual Estado de Nevada (que fazia parte do território de Utah na década de 1850). Brigham Young enviou o Élder Orson Hyde para o local em 1855, para ocupar o cargo de juiz testamentário e organizar o governo do condado. Em 1856, cerca de 250 pessoas foram chamadas para colonizar o belo vale, fazer o trabalho de proselitismo entre os índios e tentar civilizá-los. Em pouco tempo, porém, surgiram problemas com os que não eram mórmons que ficaram descontentes com o controle político e a influência cultural exercidos pela Igreja. A descoberta de ouro na região piorou os problemas, e em 1857 a colônia foi abandonada.
Apesar dos problemas com as colônias mais afastadas, vários fatores asseguraram o sucesso obtido na maior parte do trabalho de colonização da Igreja. Era raro que indivíduos ou grupos fundassem suas próprias comunidades. A maioria dos locais era escolhido previamente e colonizado sob a supervisão da Igreja. Os locais eram cuidadosamente escolhidos para que houvesse fontes adequadas de água, solo fértil, acesso a outros importantes recursos naturais e segurança contra ataques dos índios. Além disso, grande número de homens capazes dirigia as colônias. Centenas de bispos, élderes presidentes e presidentes de estaca dirigiram a construção de vilas e cidades, agindo como autoridades civis e conselheiros espirituais. Muitos homens serviram por uma, duas, três ou mais décadas nessas designações. A população dessas colônias era formada pelos milhares de imigrantes que chegavam a cada ano. Na primeira década de Utah, quase quarenta mil santos emigraram para Sião.29
Houve diferentes métodos de se reunir pessoas para as colônias. Brigham Young escolhia famílias cujos nomes eram apresentados durante a conferência geral, na qual as novas colônias eram anunciadas. Ocasionalmente, irmãos desempregados que se reuniam nas ruas eram designados a servir em uma missão ou a colonizar uma região. No inverno de 1855–1856, por exemplo, enquanto o tribunal estava em sessão, grande número de homens lotaram a Casa do Conselho para assistir ao julgamento ou simplesmente perambular pelo local. Depois de observar o fato por várias semanas, Brigham Young enviou seu secretário Thomas Bullock para “anotar o nome das pessoas, no intuito de designá-las a uma missão, se não tivessem mais nada para fazer de importante”. Desses nomes, o Presidente Heber C. Kimball escolheu trinta homens para irem a Las Vegas, quarenta e oito para Fort Bridger e Fort Supply, e trinta e cinco para Fort Lemhi. Outros foram designados a cuidar de negócios em Las Vegas e alguns foram chamados para as Índias Orientais. Em outras ocasiões, a liderança da Igreja designava os líderes, dando-lhes autoridade para escolher ou recrutar famílias. Nem todos aceitavam as designações de boa vontade, mas na maioria dos casos os chamados eram aceitos e considerados como um teste de obediência.30
A liderança de cada nova comunidade era cuidadosamente escolhida, e as pessoas eram selecionadas a fim de suprirem uma ampla variedade de talentos e habilidades úteis e necessárias para edificar-se uma nova cidade. Os fazendeiros eram o esteio principal da maioria das colônias, mas carpinteiros, construtores de moinhos, mecânicos, marceneiros, estucadores, pintores, oleiros, pedreiros, construtores de represas, tecelões, alfaiates, curtidores, agrimensores, açougueiros, padeiros, professores, músicos, carroceiros, fabricantes de rodas e outros profissionais também eram necessários. A colônia típica era cuidadosamente planejada para incentivar a união entre a vida social e a atividade religiosa. A praça central era designada para a construção de uma capela, que servia tanto de escola como igreja. As comunidades típicas eram desenhadas em quarteirões separados por ruas largas. Cada família tinha um certo espaço para fazer uma horta, um pequeno pomar e abrigos para aves e animais, mas o trabalho principal de plantio e criação de gado acontecia fora da cidade.31
Muitas das heroínas desconhecidas da colonização foram as mulheres que viajaram para essas pequenas comunidades recém-formadas. Na maioria das comunidades dos santos dos últimos dias havia um número equivalente de homens e mulheres. As mulheres faziam quase todos os trabalhos tradicionalmente reservados aos homens, além das tarefas domésticas. As irmãs trabalhavam junto com os maridos para construir suas casas, erguer chaminés, calafetar brechas e fendas, rebocar o exterior de cabanas de madeira e estucar e pintar o interior. As mulheres cavavam valas de irrigação, aravam, plantavam, colhiam, cortavam lenha, amontoavam feno e cuidavam das vacas e as ordenhavam.
As mulheres mórmons freqüentemente assumiam um fardo maior do que as outras mulheres pioneiras do oeste, porque seus maridos, pais e irmãos estavam freqüentemente fora de casa em missão ou cumprindo designações da Igreja, e a administração dos recursos da família caía sobre os ombros das mulheres e dos filhos mais velhos. Tudo isso era feito, além das tarefas normais de cozinhar, fazer conservas, secar frutas, trilhar o trigo, lavar roupa, passar, costurar, cerzir, remendar, tecer, fazer sabão e açúcar, fazer os preparativos de casamentos, assistir a funerais, cuidar da casa e embelezá-la, criar os filhos e cumprir as tarefas da Igreja. Algumas mulheres tinham um emprego exercido no lar para ajudar a família a sobreviver financeiramente. Elas costuravam, lavavam roupa para fora e fabricavam e vendiam manteiga, queijo, frutas secas, tapetes, sapatos, chapéus, fios de lã, panos, pavios e velas. Outras davam aulas na escola ou eram parteiras. As irmãs ajudavam umas às outras nas comunidades, pois poucas casas eram totalmente auto-suficientes.32
O CRESCIMENTO DA IGREJA NO INÍCIO DE UTAH
Durante a primeira década dos santos em Utah, quando aproximadamente cem pequenas comunidades foram colonizadas, Salt Lake City desenvolveu- se e tornou-se um grande centro. A cidade era uma comunidade planejada principalmente para ser a sede de uma grande comunidade religiosa na Grande Bacia. Era única no oeste devido a sua equilibrada distribuição de terras, fazendas e rebanhos comunitários, projetos de obras públicas, imigração organizada e utilização controlada dos recursos naturais. A ênfase no bem-estar público em vez da venda lucrativa de lotes públicos também permitiram a construção de ruas extraordinariamente largas.
As conferências gerais eram realizadas duas vezes por ano em Salt Lake City, e os santos freqüentemente viajavam centenas de quilômetros para assistirem à conferência. As conferências eram uma ocasião de reunião e confraternização, e tornaram-se um dos símbolos importantes da união dos santos dos últimos dias. Essas conferências eram realizadas no Velho Tabernáculo, que foi dedicado em 6 de abril de 1852 pelo Presidente Willard Richards. O Velho Tabernáculo era também usado para serviços dominicais regulares, dos quais participavam Brigham Young e outros líderes da Igreja. A maioria dos sermões proferidos nas conferências e nas reuniões dominicais era publicada no jornal oficial da Igreja, o Deseret News, fundado em 1850. Muitos deles, a partir de 1854, foram compilados anualmente na Inglaterra, no Journal of Discourses.
Como parte dessa meta de auto-suficiência econômica dos santos, Brigham Young dirigiu a construção de casas de dízimos ou armazéns do bispo em todas as comunidades. Esses edifícios serviam como fonte de suprimentos para a maioria dos bens necessários aos santos. Muitas pessoas doavam um dia de trabalho a cada dez, nos vários projetos da Igreja. O mais comum, porém, era o pagamento do dízimo “em espécie”. Os fazendeiros levavam galinhas, ovos, gado, verduras e artigos feitos em casa para as casas do dízimo. Cerca de dois terços do dízimo doado nos escritórios locais iam para o escritório geral do dízimo, em Salt Lake City, para atender às necessidades gerais da Igreja.
Desde o início de seu estabelecimento na Grande Bacia, os santos demonstraram grande interesse pela educação e pela vida cultural. Durante o primeiro inverno em Salt Lake City, uma única classe para as crianças foi realizada em uma barraca. Mais tarde, os líderes da Igreja instruíram todas as alas a estabelecerem uma escola. A Universidade de Deseret foi criada pela assembléia legislativa do estado provisório de Deseret, em 1850. Nesse mesmo ano, a Associação Dramática Deseret foi organizada e realizou várias peças todos os anos. Lorenzo Snow organizou a Polysophical Society, em 1852, para incentivar pessoas de todas as idades a estudar e a desenvolverem- se em todos os campos de estudo e conhecimento. Ele criou a palavrapolisófico, por não encontrar um título que fosse adequado para a organização.
“A sociedade reunia-se semanalmente na casa de Lorenzo, onde os membros recebiam todo tipo de informação intelectual, incluindo comentários sobre assuntos científicos e filosóficos, intercalados por apresentações musicais e vocais, leituras, poemas e ensaios. Não era incomum que parte do programa fosse apresentado em outras línguas, além do inglês”.33De modo geral, a vida social centralizava-se na ala. As atividades sociais, bailes e apresentações teatrais das alas, e até mesmo alguns clubes de música, contribuíram para o espírito comunitário dos santos. Outras associações que se desenvolveram em 1850 foram a Sociedade Agrícola e Manufatura, AAssociação Teológica Deseret e a Sociedade de Horticultura.
A organização da Igreja também se adaptou à expansão da comunidade dos santos em Utah. Cada colônia tinha pelo menos uma ala, que era presidida por um bispo. O bispo supervisionava tanto as atividades seculares quanto espirituais da comunidade. Reuniões de pregação eram realizadas todos os domingos, e as reuniões de jejum eram realizadas uma quinta-feira por mês, nas quais os membros eram convidados a contribuir com o dinheiro economizado pelo jejum. Foi inaugurado o ensino familiar. Os mestres familiares eram adultos do Sacerdócio Aarônico ou professores substitutos do Sacerdócio de Melquisedeque que visitavam as famílias e as incentivavam a fazer boas ações. Os meninos geralmente não eram ordenados ao Sacerdócio Aarônico, mas em janeiro de 1854, Wilford Woodruff escreveu: “Começamos a ordenar nossos filhos jovens ao sacerdócio menor aqui em Sião”.34
O acontecimento religioso mais importante da década de 1850 foi a reforma de 1856–1857. Enquanto as novas comunidades estavam sendo estabelecidas, muitos membros da Igreja caíram em letargia espiritual enquanto lutavam para sobreviver na fronteira. Durante sua primeira década no oeste, a maioria dos santos havia-se concentrado em assuntos seculares e muitas vezes negligenciado os assuntos pessoais espirituais. A necessidade de uma reforma tornou-se particularmente evidente em 1856, quando os efeitos da rápida imigração para Utah e a intensa seca e a praga de gafanhotos de 1855 combinaram-se para ameaçar a estabilidade econômica de Utah. Muitos santos usavam roupas velhas e gastas e estavam quase morrendo de fome. Os líderes da Igreja declararam que essas condições tinham ocorrido em parte por causa da falta de devoção dos santos no cumprimento dos mandamentos.35
Em 1856, a Primeira Presidência lançou um movimento de reforma. Os líderes viajavam por todo o território pregando arrependimento com fervor nunca visto. O segundo conselheiro Jedediah M. Grant, em particular, tocou o coração de muitas congregações com seus sermões vigorosos. Missionários especiais de reforma pregaram e chamaram as congregações ao arrependimento. Os mestres familiares levavam uma lista de perguntas a respeito do comportamento moral para as casas. Os santos de toda parte foram convocados a rededicarem-se ao Senhor e a Seus mandamentos por meio de um novo batismo. Os líderes da Igreja deram o exemplo. O Élder Wilford Woodruff descreveu a reforma: “O espírito de Deus é como uma chama entre os líderes deste povo, e eles estão atirando as flechas do Todo- Poderoso entre o povo. JM Grant está podando com uma afiada espada de dois gumes e chamando em alta voz o povo a acordar e arrepender-se de seus pecados. Os Élderes que retornaram estão cheios do Espírito Santo e do poder de Deus”.36
A reforma teve um efeito positivo nos santos. As práticas religiosas e morais novamente tornaram-se prioridade em sua vida. Eles demonstraram por meio do resgate das companhias aflitas de carrinhos de mão que realmente se importavam uns com os outros e podiam organizar-se de modo eficaz para essas emergências. No verão de 1857, dez anos após a primeira entrada na Grande Bacia, a Igreja estava firme e realizando as coisas para as quais havia sido restaurada na Terra.
Cronologia Data |
Evento Significativo |
---|---|
1847–57 |
Os santos estabelecem mais de cem colônias no oeste |
Set. 1850 |
Utah torna-se território e Brigham Young é designado governador |
Set. 1851 |
As “autoridades foragidas” saem do território de Utah |
Verão de 1855 |
A seca e a praga de gafanhotos prejudicam a economia de Utah |
Outono 1856 |
Início da “reforma” |
Out.–nov. 1856 |
Resgate heróico das companhias de carrinhos de mão Willie e Martin |
Companhias de carrinhos de mão Líder Cruzou as planícies 1. Edmund L. Ellsworth 1856 2. Daniel D. McArthur 1856 3. Edward Bunker 1856 4. James G. Willie 1856 5. Edward Martin 1856 6. Israel Evans 1857 7. Christian Christiansen 1857 8. George Rowley 1859 9. Daniel Robinson 1860 10. Oscar O. Stoddard 1860 |